domingo, 28 de agosto de 2011

CARTA DO SANTO PADRE BENTO XVI AOS BISPOS QUE ACOMPANHA O "MOTU PROPRIO" SUMMORUM PONTIFICUM




SOBRE O USO DA LITURGIA ROMANA
ANTERIOR À REFORMA REALIZADA EM 1970



Amados Irmãos no Episcopado,

Com grande confiança e esperança, coloco nas vossas mãos de Pastores o texto duma nova Carta Apostólica «Motu Proprio data» sobre o uso da liturgia romana anterior à reforma realizada em 1970. O documento é fruto de longas reflexões, múltiplas consultas e de oração.

Notícias e juízos elaborados sem suficiente informação criaram não pouca confusão. Há reacções muito divergentes entre si que vão de uma entusiasta aceitação até uma férrea oposição a respeito de um projecto cujo conteúdo na realidade não era conhecido.

Contrapunham-se de forma mais directa a este documento dois temores, dos quais me quero ocupar um pouco mais detalhadamente nesta carta.

Em primeiro lugar, há o temor de que seja aqui afectada a autoridade do Concílio Vaticano II e que uma das suas decisões essenciais – a reforma litúrgica – seja posta em dúvida. Tal receio não tem fundamento. A este respeito, é preciso antes de mais afirmar que o Missal publicado por Paulo VI, e reeditado em duas sucessivas edições por João Paulo II, obviamente é e permanece a Forma normal – a Forma ordinária – da Liturgia Eucarística. A última versão do Missale Romanum, anterior ao Concílio, que foi publicada sob a autoridade do Papa João XXIII em 1962 e utilizada durante o Concílio, poderá, por sua vez, ser usada como Forma extraordinária da Celebração Litúrgica. Não é apropriado falar destas duas versões do Missal Romano como se fossem «dois ritos». Trata-se, antes, de um duplo uso do único e mesmo Rito.

Quanto ao uso do Missal de 1962, como Forma extraordinária da Liturgia da Missa, quero chamar a atenção para o fato de que este Missal nunca foi juridicamente ab-rogado e, consequentemente, em princípio sempre continuou permitido. Na altura da introdução do novo Missal, não pareceu necessário emanar normas próprias para um possível uso do Missal anterior. Supôs-se, provavelmente, que se trataria de poucos casos individuais que seriam resolvidos um a um na sua situação concreta. Bem depressa, porém, se constatou que não poucos continuavam fortemente ligados a este uso do Rito Romano que, desde a infância, se lhes tornara familiar. Isto aconteceu sobretudo em países onde o movimento litúrgico tinha dado a muitas pessoas uma formação litúrgica notável e uma profunda e íntima familiaridade com a Forma anterior da Celebração Litúrgica. Todos sabemos que, no movimento guiado pelo Arcebispo Lefebvre, a fidelidade ao Missal antigo apareceu como um sinal distintivo externo; mas as razões da divisão, que então nascia, encontravam-se a maior profundidade. Muitas pessoas, que aceitavam claramente o carácter vinculante do Concílio Vaticano II e que eram fiéis ao Papa e aos Bispos, desejavam contudo reaver também a forma, que lhes era cara, da sagrada Liturgia; isto sucedeu antes de mais porque, em muitos lugares, se celebrava não se atendo de maneira fiel às prescrições do novo Missal, antes consideravam-se como que autorizados ou até obrigados à criatividade, o que levou frequentemente a deformações da Liturgia no limite do suportável. Falo por experiência, porque também eu vivi aquele período com todas as suas expectativas e confusões. E vi como foram profundamente feridas, pelas deformações arbitrárias da Liturgia, pessoas que estavam totalmente radicadas na fé da Igreja.