sexta-feira, 6 de novembro de 2009

Hoje Festa de São Nuno de Santa Maria



Um leitor assíduo do blog me chamou a atenção para a hodierna comemoração litúrgica de São Nuno de Santa Maria – nobre, militar, pai de família e, após a morte da esposa, religioso carmelita. O santo português foi canonizado em 26 de abril de 2009 pelo Papa Bento XVI.

Sua memória é obrigatória em Portugal (Link para os textos próprios e leituras da Missa).

“Muito jovem, Nuno Álvares Pereira foi armado cavaleiro na Casa Real de D. Fernando e da rainha D. Leonor. Imbuído dos princípios da honra e da glória cavaleirescas, era um jovem fogoso, intrépito, por vezes, emocional e instável. Identificava-se com o seu tempo tanto pela guerra sacrossanta contra o Infiel, como pela paz elevada a ideal de raiz cristã. Nos saraus aristocráticos da 2ª metade do século XIV a poesia dos amores sublimes, castos ou pecaminosos, as obras piedosas dos monges, a libertação dos povos opressores deliciava, com maravilhamento, os cavaleiros veneradores da tradição lendária da corte do rei Artur.

Nascido, em 1360, no mosteiro de Flor da Rosa (Crato) no Alentejo, Nuno iniciava-se na profissão nobre de cavaleiro com apenas treze anos. Aos vinte e três anos, a crise dinástica sucessória do rei falecido sem filho varão e uma filha casada com o rei de Castela, colocou Portugal à mercê das ambições iberistas dessa nação. Ao tomar o partido de D. João, Mestre da Ordem Militar de Avis, combatente pela liberdade da sua pátria, Nuno Álvares Pereira alcançou a glória de vitórias improváveis ante tão poderoso invasor, entre 1384 e 1385, em Atoleiros (Alto Alentejo), Aljubarrota (Leiria) e Valverde (perto da fronteira de Badajoz).

A gesta do cavaleiro perfeito aparecia a Nuno Álvares Pereira como o seu objectivo de vida. A imagem de um verdadeiro Galaaz da corte, já não do rei Artur, mas do rei de Portugal, confirmava-se. A fama do seu heroísmo e da sua arreigada ligação a um cristianismo de cruzada levara D. João I a conceder-lhe o título, entre muitos outros, de Condestável do reino. Mas tudo isto começou a ser para ele mais uma inevitabilidade do que uma vontade.

A cruzada guerreira desvanecia-se no seu espírito atormentado com os dramas que vivera durante as batalhas, com a dor, com o sofrimento, com a morte. A sua espiritualidade ia-se fortalecendo numa fé que cada vez mais queria pôr em prática. Renunciou sucessivamente aos títulos e às vastas propriedades territoriais com que o rei o recompensara. Jejuava com frequência. Mandava construir capelas e igrejas desde o Alentejo à Estremadura, descia á rua para dirigir pedreiros nos edifícios mais grandiosos, como o mosteiro e igreja que mandou erigir em monte escarpado de Lisboa, em honra de Nossa Senhora, construção que se prolongou por dez longos anos.

Já viúvo com apenas vinte e seis anos, como nos informa Fernão Lopes na Crónica de D. João I, recusou sempre outro casamento. Sua única filha, Beatriz, morria de parto em 1414. No ano seguinte, ainda participava na cruzada de Ceuta, verdadeira cruzada contra a fé em Maomé. Mas, os tempos eram outros e a sua exaustão da guerra tornava-a um suplício. A sua alma já demasiado comprometida com a virtude que o amor aos aflitos, aos perseguidos e aos pobres lhe proporcionava, regozijava-se agora com a paz dos claustros. A alegria de vencer com a espada morrera.

A construção de mosteiros e igrejas dedicadas à Virgem Maria, o cuidado com o bem-estar dos seus antigos companheiros de batalha, o carácter contemplativo cada vez mais renegando a força das armas em favor da força da fé e da oração, fortificava-se nele, ano após ano. O Condestável, o homem mais rico do reino, pedia que o tratassem por Nuno. O cavaleiro caíra sob o jugo único da paz. A escolha era clara: apenas a cruz. A espada era agora uma lembrança cruel que o fazia cair numa tristeza de morte.

Os ideais que o norteavam com vinte e três anos decorriam do espírito do cavaleiro cristão. A hora da entrega plena a Cristo e a Sua Mãe chegara há muito. Contudo, os compromissos mundanos com o rei, com os príncipes, enfim, com a corte portuguesa eram fundos e sérios. Nada pode ser quebrado de súbito. Pronto a defender a vitória do bem sobre o mal, os pobres e as vítimas da injustiça e da opressão, jogara com coragem o papel de defensor-mor do reino. Saber que a cavalaria implicava o sacrifício, a abnegação, o heroísmo, dava-lhe a força moral para se colocar do lado dos seus compatriotas à beira da tirania. E sabia como um “fraco rei”...

Contudo, o invasor pretendia sufocar a liberdade do povo português. Nuno tinha orgulho de pertencer a essa gente rude, mas firme no seu desejo de independência, desde os tempos idos dos Lusitanos. Uma pátria pequena confrontava-se com a gigante. A luta em prol da reposição da justiça dos mais fracos oferecia ao jovem cavaleiro um sentido de vida inultrapassável, de ideal ao serviço de Deus porque ao serviço dos humildes, mas senhores de si, senhores da sua identidade.

A plenitude do amor aos que estavam claramente em desvantagem frente ao inimigo, o respeito pelas tradições autonomistas de Portugal desde a “primeira tarde portuguesa” em 1128, na batalha de S. Mamede, o culto dos heróis como o mártir S. Jorge – por quem clamava sempre no início das batalhas – tinham transformado o incansável Nuno Álvares no seu próprio ídolo, o cavaleiro Galaaz, esse herói-mito da Idade Média. Este cavaleiro da Távola Redonda do célebre rei Artur continuava a ser venerado nos séculos XIV e XV. Lembramos, a propósito, Joana d’Arc que, em 1429, alcança a grande vitória em Orléans que marcaria o sentido do vencedor na Guerra dos Cem Anos (1337-1453). Esta mulher que, no século XV, atingiu um prestígio militar idêntico ao do mítico Galaaz, era uma camponesa a chefiar o exército real. Ela era o epílogo do prestígio da mulher atingido no século XV.

Em Portugal, Nuno, o Condestável de D. João I, seguia já o espírito de Galaaz. Ele era, de facto, das terras de Santa Maria, afortunado cavaleiro como o previu o alfageme de Santarém. Nuno, invencível, como o modelar Galaaz. A profecia cumpriu-se. As batalhas revelaram um Nuno Álvares Pereira entre a espada da liberdade para o povo português e a oração em que se refugiava sempre que estavam próximos os combates ou se aproximava uma vitória a roçar o impossível. Nuno que, ainda em 1415, se haveria de pronunciar a favor da cruzada contra o Infiel, na hora decisiva da conquista da cidade de Ceuta. Aí pelejava, de novo, o Galaaz português.

Ceuta seria a última corrida com a espada na mão. O serviço dos mais pobres, o serviço de Deus e de Maria, Mãe de Jesus, absorviam-no já como se de um monge se tratasse. A comunhão com Deus, o combate a todos aqueles que estivessem do lado do mal, a luta contra as forças demoníacas, os inimigos da fé, o auxílio aos doentes, aos presos, aos pobres que abundavam na sua própria terra natal, não lhe permitiam continuar o tempo da fama e da glória da guerra.

No ano de 1423, Nuno Álvares Pereira ingressava na Ordem Carmelita com o nome de Frei Nuno de Santa Maria. Com uma sensibilidade muito especial àqueles que, ingressando em Ordens Religiosas, tinham deixado de cumprir com humildade cristã a sua Regra, decidiu mudar o rumo à sua vida de cavaleiro poderoso. Na vila de Moura, no coração do seu Alentejo natal, conhecera alguns membros da Ordem Carmelita que passava por grandes dificuldades, não só em professos de qualidade como em meios de sobrevivência. Logo, o mosteiro de Nossa Senhora do Carmo, em Lisboa, se tornou a sua casa.

Vestindo o hábito, saía todos os dias do mosteiro do Carmo em Lisboa, após jejuns e orações. Procurava pobres e doentes para lhes oferecer alimentos e o consolo da harmonia e da paz que, agora, finalmente, ganhara. A santidade revelara-se também nos milagres que muitos lhe atribuíam. Mas o seu reconhecimento pela Igreja não estava à porta, apesar de o rei D. Duarte, visita assídua de Frei Nuno de Santa Maria até ao dia da sua morte, em 1431, o ter sugerido ao Papa poucos anos depois de subir ao trono.” (por Teresa Bernardino – Fonte: http://www.harmoniadomundo)

Oremos: Senhor nosso Deus, que destes ao bem-aventurado Nuno de Santa Maria a graça de combater o bom combate e o tornastes exímio vencedor de si mesmo, concedei aos vossos servos que, dominando como ele as seduções do mundo, com ele vivam para sempre na pátria celeste. Por Nosso Senhor Jesus Cristo, vosso Filho, que é Deus convosco na unidade do Espírito Santo.

fonte:oblatvs