sexta-feira, 19 de março de 2010

Novo passo da “ditadura do relativismo”: suprimir o direito à objeção de consciência


Legislações contrárias ao ensinamento do Magistério tradicional da Igreja estão colocando os católicos diante da alternativa: agir conforme às novas leis estabelecidas pelos homens (por exemplo, em matéria de aborto e homossexualismo), ou de acordo com sua consciência.

José Antonio Ureta


Antígona é a heroína de um mito grego, imortalizada numa tragédia de Sófocles. Em nome de uma lei superior não escrita, ela desobedece o edito de seu tio, o rei Creonte, de privar de sepultura seu irmão Polinice (representação à esquerda). Tendo sido surpreendida durante o rito funerário, ela é condenada a ser sepultada viva. Mostrando-se insubmissa à norma legal, que estava em oposição à moral natural, Antígona resolveu de modo exemplar um problema de consciência que se colocou aos homens desde o início da História: se os superiores ordenam fazer o mal, a quem se deve obedecer? A esses detentores do poder terreno? Ou a Deus e à própria consciência?

A resposta da mitologia pagã, reconhecendo que a lei humana não é a lei suprema, coincide com a resposta da Revelação divina, expressa por São Pedro em sua réplica aos chefes do Sinédrio, quando eles o proibiram de pregar: “Deve-se obedecer antes a Deus que aos homens” (At 5, 29).

Foi em nome dessa regra de ouro que, desde os primeiros séculos do cristianismo, legiões de mártires preferiram derramar seu sangue a incensar os falsos deuses, ou violar de qualquer forma os Mandamentos do Decálogo e os preceitos da Lei natural.

O neopaganismo coloca um gravíssimo dilema moral

Na Califórnia, militantes homossexuais exigem pretensa igualdade de direitos. Em plebiscito recente, perderam a batalha.

O avanço do neopaganismo nos costumes e nas leis contemporâneas apresenta para os católicos, em novos termos, o mesmo problema crucial: É lícito ceder, face aos costumes imorais e às leis iníquas que impõem a prática do mal ou a cumplicidade com ele, para não perder as vantagens da própria posição? Ou, para o católico, é obrigatório resistir, ainda que devendo arcar com as conseqüências nesta Terra, sabendo que a recompensa será eterna?

Alguém poderá pensar que a perspectiva de ter que fazer essa escolha em nossos dias é ainda muito remota; e que, de qualquer forma, se por acaso essa hora chegar, ainda será possível, com um pouco de destreza, esquivar-se do problema, adotando uma atitude conciliadora que não implique numa resistência aberta nem na cumplicidade com o mal. Não é a tolerância um dos valores mais apreciados na época atual?

Que ilusão! A Revolução anticristã em curso declara-se “liberal”. Porém, após obter a plena liberdade para o mal, ela procura neutralizar o bem; mais ainda, ela quer a cumplicidade positiva dos homens bons e honestos, e particularmente dos católicos, para suas violações da lei moral. É o que o atual pontífice Bento XVI denominou “ditadura do relativismo”, em seu sermão na Missa de abertura do conclave que o elegeu para a Cátedra de Pedro.

O avanço dessa ditadura do mal, exigindo a cumplicidade dos católicos, é hoje particularmente ameaçador nas legislações que promovem o aborto e favorecem o vício homossexual, as quais cerceiam, cada vez mais, o direito à objeção de consciência, ou seja, de abster-se de participar ativamente de atos objetivamente imorais, impostos pela lei positiva ou pela autoridade civil.

No caso do aborto, o que motiva esse cerceamento (além da dinâmica satânica do mal) é a carência crescente de médicos dispostos a praticá-lo. Por exemplo, recente relatório do Parlamento francês, redigido pela deputada Bérengère Poletti, deplora a falta de “renovação das gerações militantes” –– ou seja, a geração “dos médicos que puseram em marcha a Lei Veil”, a qual despenalizou o aborto na França –– que “vão proximamente aposentar-se”. A “solução” para essa falta de médicos abortistas é simplesmente forçar os anti-abortistas a violar a própria consciência e praticar um crime que, no dizer das Escrituras, “brada aos Céus e clama a Deus por vingança”.


No caso da homossexualidade, essa evolução é motivada pelo desejo dos homossexuais de verem seu estilo de vida e suas uniões contra a natureza ser plenamente aceitos por todos na vida social, além dos múltiplos benefícios legais que já têm obtido. Daí provêm as atuais legislações, que sancionam pesadamente qualquer discriminação por orientação sexual como uma forma de “homofobia”, novo delito agregado aos códigos penais.

O resultado dessa evolução é que profissionais de diversos setores, num número crescente de países, são colocados diante do cruciante dilema de Antígona e de São Pedro: a quem obedecer? À lei positiva? Ou à própria consciência, que manda obedecer a Deus?

É o tema que o presente artigo pretende analisar.

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Cardeal George: "Primeiro passo da democracia para o despotismo"

Obama, mesmo antes de ser candidato presidencial...

Com a ascensão do presidente Barack Obama ao poder, tal situação de perseguição latente ficará ainda pior para a Igreja Católica. Logo após instalar-se na Casa Branca, a administração Obama iniciou o processo de anulação de um decreto promulgado pelo presidente George W. Bush que, dando uma interpretação mais precisa aos termos da legislação em vigor, reforçou o amparo legal de que gozam os profissionais e os centros de saúde americanos para recusar-se a praticar abortos e esterilizações.

O Cardeal Francis George, arcebispo de Chicago, após sua primeira audiência com o novo presidente americano, denunciou que os Estados Unidos estão dando “um primeiro passo, que faria o país passar da democracia ao despotismo”.

Esse brado de alarme do Cardeal George foi lançado num vídeo divulgado no site de Internet da Conferência Episcopal Americana, da qual ele é presidente, e foi motivado pelas recentes iniciativas da nova administração visando limitar o direito à objeção de consciência: “O respeito da consciência pessoal e da liberdade religiosa constituem nossa proteção fundamental contra a opressão de um governo. Precisamos, portanto, de uma proteção legal para a liberdade de consciência e a liberdade de religião, o que inclui a liberdade das instituições de saúde católicas de serem coerentes consigo mesmas”.

...já defendia posições radicais a favor do aborto, “casamento homossexual” e outras medidas contrárias à moral católica

Ainda mais preocupante é o espectro de uma futura aprovação do Freedom of Choice Act (Projeto de Lei da Liberdade de Escolha, mais conhecido por sua sigla FOCA], que pretende transformar o aborto num direito da mulher. Tal projeto obrigaria legalmente a prestar seu concurso ao aborto todos os profissionais e centros de saúde capacitados, sob pena das sanções legais aplicáveis em caso de recusa injustificada de fornecer um tratamento médico.

O projeto FOCA — do qual Barack Obama era um dos principais co-signatários enquanto membro do Senado — já foi rejeitado duas vezes pelo Congresso americano; mas agora, como os democratas controlam as duas casas legislativas, o deputado Jerrold Nadler tenciona reintroduzi-lo, sabendo de antemão que não será vetado pelo novo presidente americano.

Muitos bispos católicos afirmam que, se o FOCA for aprovado, à Igreja não restará outra alternativa senão fechar seus 624 hospitais, porque seria imoral simplesmente retirar seu patrocínio ou vendê-los a terceiros, que começariam a utilizar suas instalações para praticar abortos. Está em jogo um problema enorme, até do ponto de vista trabalhista, pois o fechamento desses hospitais acarretaria a perda do emprego de mais de 600 mil profissionais e privaria de cuidados médicos milhões de pacientes. De fato, nos Estados Unidos, um sexto dos doentes recebem atenção médica em instituições católicas.

Os problemas crescentes dos farmacêuticos

Protesto contra o homossexualismo na Inglaterra

Uma das atividades que, no mundo todo, sofre mais pressões para agir contra a consciência moral de seus profissionais é a farmacêutica.

No Chile, em 2007, três grandes redes de farmácias, que se recusavam a vender a pílula abortiva denominada “do dia seguinte”, foram ameaçadas de multa equivalente a 66 mil dólares, caso mantivessem a decisão. As empresas farmacêuticas acabaram cedendo às pressões do governo, até que, alguns meses mais tarde, a Corte Constitucional julgou a mencionada pílula contrária ao direito à vida, garantido no país andino desde a concepção.

Situação mais grave vivem os farmacêuticos franceses, porque sua profissão não está incluída na lista das que se beneficiam da cláusula de consciência. Desde 1999, a legislação permite a venda sem prescrição médica, não somente da pílula anticonceptiva e da pílula abortiva “do dia seguinte”, mas até da pílula RU486, que pode ser administrada para provocar o aborto até o terceiro mês da gravidez.

O código francês de saúde pública autoriza o farmacêutico a recusar o fornecimento de um produto, ainda que o solicitante disponha de uma receita, caso ele julgue que sua administração possa pôr em risco a vida do paciente. Porém, segundo uma decisão de 1998 da Corte de Cassação do país, dita recusa deve ser motivada unicamente por considerações de saúde, e jamais por convicções pessoais.

Também nos Estados Unidos aumenta gradualmente o número de estados que põem limites inaceitáveis aos direitos religiosos dos farmacêuticos ou de seus dependentes. Assim, uma lei de novembro de 2007 do estado de Nova Jersey proíbe os farmacêuticos de recusar o fornecimento de um produto baseados em motivos morais, religiosos ou éticos. O governador do estado de Illinois, Rod Blagojevich, recentemente destituído, deixou como herança um decreto de urgência, válido por 150 dias, obrigando as farmácias a vender anticoncepcionais ou, pelo menos, transferir o pedido para outra farmácia local. O estado da Califórnia obriga os profissionais da saúde a fornecer fármacos e dispositivos anticoncepcionais ou abortivos, apesar das objeções que tenha em relação a eles, ou então fornecer aos pacientes referências apropriadas para adquiri-los. Mais ainda, a lei estadual obriga o farmacêutico que alega objeção de consciência a colocar um letreiro visível na entrada da sua loja, avisando que não vende tais produtos, mas que o paciente tem o direito a recebê-los em tempo oportuno. Tal determinação é de molde a indispor o farmacêutico junto a uma parte da população.

A não-discriminação na adoção de crianças por homossexuais

Criança adotada por “casal” homossexual

Outra área na qual as entidades e os profissionais católicos estão sendo compelidos a agir contra seus princípios morais são as leis que proíbem qualquer discriminação em relação aos homossexuais.

Pouco antes de deixar o poder, o primeiro ministro britânico Tony Blair fez aprovar uma lei denominada Sexual Orientation Regulations, que proíbe qualquer discriminação baseada na orientação sexual quanto a fornecimento de bens, locais ou serviços, incluindo a adoção de crianças.

A Igreja Católica e os anglicanos pediram uma exceção à lei por motivos religiosos, mas o governo e o parlamento britânicos não acolheram o pedido; apenas deram dois anos de prazo, que venceu em 1o de janeiro deste ano, para que as agências de adoção das igrejas ajustem seus procedimentos à nova lei. Uma recusa tanto mais revoltante, porquanto o artigo 18 da lei protege os organismos sociais que, para promover a causa dos pseudo-direitos homossexuais, praticam a chamada “discriminação positiva”, fornecendo bens e serviços exclusivamente aos homossexuais, lésbicas ou bissexuais.

Infelizmente, a resposta das 11 agências católicas –– que não dependem diretamente dos bispos, mas de um diretório autônomo –– não tem sido uniforme: uma fechou o serviço de adoção; três estão tentando mudar seus estatutos, e para encaixar-se no artigo 18, alegam que trabalham exclusivamente em favor de casais heterossexuais, mas até agora seus pedidos foram recusados; e as demais simplesmente cortaram seus laços institucionais com a Igreja Católica e passaram a aceitar casais homossexuais entre os potenciais candidatos para a adoção.

Essa traição aos princípios católicos é particularmente escandalosa, levando-se em conta que no mês de abril deste ano um caso revoltante indignou a opinião pública do Reino Unido: uma agência social da Escócia retirou o pátrio poder que exercia sobre duas filhas de quatro e cinco anos uma mãe viciada em heroína. Mas, em lugar de entregar as crianças para adoção aos pais dessa mulher, encaminhou-as a um casal de homossexuais, sob a alegação de que os avós estavam velhos demais para dar uma formação adequada às crianças! Convém acentuar que não são tão idosos assim, o avô tem 59 anos, e a avó 46. Essa foi a absurda e hipócrita razão alegada pela agência social escocesa para impedir a adoção das meninas pelos avós e entregá-las aos cuidados de um casal homossexual!

Além da adoção de crianças, o caráter genérico da lei antidiscriminação terá enorme impacto na vida de todos os dias na Grã-Bretanha. Por exemplo, os populares B&B (bread & breakfast), que oferecem ao turista um meio barato e confortável de se hospedar, fornecendo ao proprietário uma renda suplementar, são obrigados a aceitar que casais homossexuais pernoitem no domicílio de famílias honradas. Caso contrário, terão os B&B que fechar.

Até as paróquias que alugam locais para festas de casamento, após a cerimônia religiosa, estão suspendendo essa fonte de receita, para não ter que fornecer esse serviço a homossexuais que querem celebrar sua união. Isso já aconteceu em Nova Jersey, nos Estados Unidos, onde uma associação protestante, a Methodist Ocean Grove Camp Meeting Association, foi condenada pela Comissão Estadual de Direitos Humanos, em março de 2007, por ter-se recusado a alugar a um casal de lésbicas um local de eventos junto ao mar, do qual ela é proprietária. No mês seguinte a associação conseguiu ganhar um segundo processo, apenas porque pôde demonstrar que, entrementes, tinha cessado de alugar o local para festas de casamento.

Sra. Lilian Ladele

As Sexual Orientation Regulations do Reino Unido estão causando graves conseqüências para os funcionários municipais responsáveis pelo registro civil, os quais ficaram obrigados a presidir as cerimônias civis de pseudo-casamentos homossexuais. Assim, por exemplo, a Sra. Lilian Ladele (foto ao lado) teve de iniciar um processo contra o condado de Islington, ao norte de Londres, alegando estar sendo forçada “a trabalhar contra sua consciência”, pelas ameaças que sofre de seus superiores e colegas por recusar-se a oficiar em tais cerimônias. Alegou ser incapaz de “facilitar diretamente a formação de uma un

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fonte:Catolicismo