Bento XVI, quando Cardeal rezando a Missa de Sempre, num grande Pontifical Solene |
Prof. Alberto Zucchi
Ao contrário dos teólogos-internautas de plantão – que se apresentam como especialistas nos assuntos ligados à religião e para os quais o que interessa, ainda que com comentários superficiais, imprecisos e muitas vezes errados, é se tornar o primeiro a transmitir a novidade – julgamos que seria útil deixar transcorrer ao menos alguns dias, antes de nos pronunciarmos a respeito da Instrução Universae Ecclesiae sobre a aplicação da Carta Apostólica Motu Próprio Summorum Pontificum, da Pontifícia Comissão Ecclesia Dei¹.
Nossa espera foi recompensada pois, neste período, tivemos a oportunidade de tomar conhecimento de bons artigos que tratam deste tema de fundamental importância, além de obter informações de autoridades e de verdadeiros especialistas sobre a questão. Assim, pareceu-nos adequado agora comentar um pouco as conseqüências do referido documento, especialmente para aqueles que estão nas linhas da frente da batalha pela Missa.
De forma geral, o documento trouxe esperanças para muitos daqueles que pretendem fazer uma maior difusão da Missa de São Pio V. Vários sacerdotes que já se utilizam desse Missal, se sentiram animados em continuar a fazê-lo e agora com maior freqüência. Consta, ainda, que muitos novos padres estão aprendendo o rito antigo e que a tendência é de uma ampla divulgação e aumento das celebrações da Missa antiga. A Instrução veio fortalecer este movimento.
Neste mesmo sentido podemos ainda citar o comunicado da Fraternidade de São Pio X que, após tecer várias críticas ao conteúdo da Instrução, afirma:
“Não resta dúvida de que a Instrução Universæ Ecclesiæ, que está em consonância com o Motu Proprio Summorum Pontificum, é um passo importante no reconhecimento dos direitos da missa tradicional”².
Sobre o reconhecimento dos direitos da missa de São Pio V, de fato, chama a atenção a letra (b) do número 8 da Instrução, ao afirmar que:
“… o uso da Liturgia Romana vigente em 1962 é uma faculdade concedida para o bem dos fiéis e, por conseguinte, deve ser interpretada em sentido favorável aos fiéis, que são os seus principais destinatários”
O texto deixa claro que a concessão da Missa antiga é um bem para os fiéis e, portanto, a sua solicitação deve ser considerada como algo bom. Infelizmente, esta não tem sido, até o presente momento, a atitude de muitos bispos, que vêem a Missa antiga como uma concessão feita a um grupo estranho dentro da Igreja, cuja utilidade seria apenas a de evitar um mal maior, isto é, a separação deste grupo em direção a movimentos que não estão em comunhão com Roma, ou mesmo que negam a autoridade de Bento XVI como Papa.
Outro ponto importante para o restabelecimento da Missa Antiga, de forma ampla na Igreja, foi a confirmação de que não há restrição para a celebração do Triduo Pascal segundo o missal de São Pio V. Em muitas dioceses a celebração do Tríduo, na forma antiga, não era permitida. Os Bispos responsáveis afirmavam que só poderia ser celebrada uma única cerimônia, e essa de acordo com o Missal de Paulo VI. Exigiam, ainda, que na celebração do Tríduo de acordo com o Missal de Paulo VI estivessem presentes todos aqueles que haviam solicitado a Missa antiga. Agora, de acordo com o item 32 da instrução, esta situação não mais existe, pois:
“O coetus fidelium que adere à tradição litúrgica precedente, no caso de dispor de um sacerdote idôneo, pode também celebrar o Tríduo Sacro na forma extraordinária. Caso não haja uma igreja ou oratório destinados exclusivamente para estas celebrações, o pároco ou o Ordinário, em acordo com o sacerdote idôneo, disponham as modalidades mais favoráveis para o bem das almas, não excluindo a possibilidade de uma repetição das celebrações do Tríduo Sacro na mesma igreja”.
Note-se que a instrução permite a celebração do Tríduo segundo o rito de São Pio V na mesma Igreja, onde ele já foi celebrado de acordo com o Missal de Paulo VI! Não restam dúvidas de que não existe mais qualquer restrição para a celebração do Tríduo no rito antigo.
Um ponto que causou certa preocupação, nos freqüentadores habituais da Missa de São Pio V, foi o número 19 da Instrução. As discussões que este item tem suscitado, nos levam a crer que seria possível fazer um tratado sobre este ponto.
Para facilitar a compreensão sobre este item é importante notar que o mesmo se compõe de duas partes. A primeira impede os fiéis que solicitam a Missa de se “manifestarem contrários á validade ou à legitimidade da Santa Missa ou dos Sacramentos celebrados na forma ordinária”. A segunda parte afirma que estes mesmos fiéis não podem “ser contrários ao Romano Pontífice como Pastor Supremo da Igreja Universal.”
Veja-se que, na primeira parte, são proibidas apenas as manifestações, não se obriga a crer em nada. Já a segunda trata de uma exigência de reconhecimento da autoridade do Papa.
A primeira parte do texto nos faz lembrar os ensinamentos de Dom Antonio de Castro Mayer, bispo de Campos, com os quais sempre estivemos de acordo. Afirmava ele que a Missa nova é válida, e que as dificuldades que existem para a aceitação do novo Missal estavam na sua licitude, e não na sua legitimidade. Estas dificuldades decorriam das ambigüidades e mesmo dos erros doutrinários que se encontravam implícitos em alguns pontos do novo Missal. Dom Mayer sempre reconheceu no Papa a autoridade para alterar o missal, bem como jamais questionou os aspectos legais relacionados à promulgação do novus ordus.
Claro que o termo legítimo não é unívoco e certamente surgirão discussões sobre sua interpretação neste texto. Resta-nos aguardar, confiantes em que o Sant´ssimo Padre continue seu trabalho de difundir o Rito antigo e que fará tudo para favorecer sua expansão, num espírito de pacificação que é sempre o Seu.
É evidente, ainda, que o texto da Instrução não proibiu toda e qualquer crítica ao novo missal, críticas que, aliás, partiram de muito alto na Igreja, algumas já antes de sua publicação definitiva.
Citemos, por exemplo, o que afirmou o Cardeal Oddi:
“Tenho a impressão de que as pessoas escolhidas para efetuar todas essas reformas litúrgicas não estavam muito preocupadas com a pureza do dogma e da doutrina. Tentaram apresentar as coisas para agradar alguém, por uma errônea concepção ecumênica”³ .
Ou aquelas, ainda mais graves, expressas pelos Cardeais Ottaviani e Bacci em seu Breve Exame Crítico do Novus Ordus, que segundo suas Eminências demonstra de forma bastante clara que a Novus Ordo Missae – considerando-se os novos elementos amplamente suscetíveis a muitas interpretações diferentes que estão nela implícitos ou são tomados como certos – representa, tanto em seu todo como nos detalhes, um surpreendente afastamento da teologia católica da Missa tal qual .
Prova ainda mais clara de que a crítica ao novo missal não está excluída é a recente publicação do primeiro volume das obras completas do Papa Bento XVI. Neste volume, que é o de número 11 dentro da coleção, mas que Sua Santidade fez questão de publicar em primeiro lugar, o Papa trata da liturgia e faz uma longa, minuciosa e profunda crítica à posição do padre de frente para os assistentes e de costas para Deus. Se a Instrução proibisse qualquer crítica à Nova Missa, aqueles que desejam a Missa antiga não poderiam apoiar o Papa, o que é um absurdo inconcebível.
Também merece ser citado o texto de S.E.R D. Albert Malcon Ranjith, em seu Prefácio ao livro do Padre Claudio Crescimano, La Riforma della Reforma litúrgica, onde afirma:
“O Cardeal Ratzinger viu três problemas de abordagem litúrgica para o Novo Missal: primeiro, a necessidade de assegurar a eclesialidade da liturgia, que não devia deixar espaço a alternativas e a uma criatividade livre; segundo, o perigo de usar uma linguagem adaptada e diversas nuances, como a igualdade absoluta entre os sexos (linguagem inclusiva); terceiro, a questão da direção do sacerdote”.
Quanto ao que chamamos segunda parte do texto, seguindo ainda os ensinamentos de Dom Mayer, sempre nos submetemos à autoridade papal desde os tempos do Papa Paulo VI até o atual reinado de Bento XVI, e continuamente condenamos as teses sedevacantistas. Recentemente fomos até acusados de “papolatras”…
Nesta perspectiva a razão do item 19 parece estar muito relacionada com uma preocupação constante do Santo Padre no terceiro objetivo da Instrução, que consta no item 8 letra c: “favorecer a reconciliação ao interno da Igreja.”
Entretanto, infelizmente, não é difícil supor que muitas autoridades eclesiásticas poderão utilizar este texto, quando da solicitação da Missa Antiga, para fazerem exigências arbitrárias aos grupos de fiéis. Caso isto venha a ocorrer será um abuso, contrário ao espírito de reconciliação recomendado pelo documento.
Ademais, atualmente, a grande maioria das discussões com críticas à Missa nova é iniciada quando aqueles que assistem à Missa antiga sofrem acusações por parte dos modernistas. Tais acusações chegam ao ponto de difamar aqueles que aderem ao Rito antigo como cismáticos e hereges. Veja-se, por exemplo, o recente caso do jesuíta que pretende rezar a Missa Antiga em Porto Alegre, e que, só por isto, foi chamado de idiota – publicamente e por escrito – por seus confrades. Não há um único padre que não se sinta acuado pelos modernistas, quando começa a se utilizar do Missal antigo, ainda que continue também a rezar a Missa pelo novo Missal.
Por último, um item da instrução que pouco foi comentado – mas que talvez seja dos mais importante – é o número 28:
“Outrossim, por força do seu caráter de lei especial, no seu próprio âmbito, o Motu Proprio Summorum Pontificum derroga os textos legislativos inerentes aos sagrados Ritos promulgados a partir de 1962 e incompatíveis com as rubricas dos livros litúrgicos em vigor em 1962”.
Este item estabelece que o Missal a ser utilizado nas missas segundo o rito de São Pio V é o Missal de 1962. Isto determina o fim da experiência daqueles que desejavam utilizar o missal de 1965, apresentando-o como hibrido entre a Missa antiga e a Missa nova. Muitos acreditavam ser a implantação desse missal um objetivo a ser atingido pois, desta forma, poderia haver uma conciliação entre a Missa antiga e a Missa nova. Com a Instrução, este caminho foi recusado pela Comissão Ecclesia Dei. Os padres que celebram no rito antigo devem, portanto, renunciar às “criatividades eclesiásticas”, que vinham ocorrendo em diversos lugares no Brasil, e cumprir as rubricas determinadas no Missal.
Apenas para se ter uma idéia da amplitude do significado desta decisão, no segundo congresso sobre o Summorum Pontificum, realizado em Roma no ano passado, foi lembrado aos presentes que o uso do véu pelas mulheres era obrigatório nas missas de São Pio V. É possível imaginar o impacto que causará nas paróquias a existência de uma Missa onde todas as mulheres estejam de véu? Que contraste com uma celebração carismática!
Como conclusão dessas observações, parece-nos ficar confirmada a tese apresentada na entrevista do Padre Barthe⁴, recentemente publicada em nosso site:
Quer se queira ou não, quarenta anos de liturgia paroquial nova é um fato que é necessário, doravante, ser levado em conta. Convirá, por conseguinte, ajudar concretamente, na liturgia das paróquias ordinárias, os padres que pedem para mudar progressivamente o rito reformado, isto é, corrigi-lo pouco a pouco em função da tradição litúrgica romana, da lex orandi em sua plenitude.
Assim, de acordo com o item 28 da Instrução não haverá uma mistura entre a Missa antiga e a Missa nova e não haverá um Missal de Bento XVI. A Missa antiga será utilizada como um padrão para a missa nova, a qual deverá mudar aos poucos em direção à missa antiga, para talvez, no fim desse processo, termos novamente apenas uma Missa no Rito Romano.
Alberto Luiz Zucchi
02/06/2011
² Comentário Oficial sobre a Instrução Universæ Ecclesiæ. DICI nº 235, 19/05/11http://www.dici.org/en/news/comentario-oficial-sobre-a-instrucao/
³ 30 Dias, julho/91, apud A Missa nova em questão in Cadernos de Ontem Hoje Sempre, Campos RJ, s.d.
⁴ Por um novo movimento litúrgico – entrevista com o Padre Claude Barthe. http://www.montfort.org.br/old/index.php?secao=imprensa&subsecao=igreja&artigo=20101003&lang=bra