Com a era digital globalizada, uma revolução cultural vai operando profundas mudanças de mentalidade, levando à retribalização do homem por meio de transformações psicológicas, sociais e religiosas José Antonio Ureta or mais paradoxal que possa parecer, estudiosos estão analisando o paralelo existente entre as redes de contatos sociais online e as sociedades tribais. Nada havendo de mais distante da vida tribal primitiva do que as tecnologias avançadas que permitem o relacionamento de pessoas através da Internet, que semelhança haveria entre uma tribo da Amazônia, por exemplo, e os usuários do Facebook, Twitter ou Second Life?
Em dezembro de 2007, o “The New York Times” noticiou que os estudiosos vêem no “bate-papo coletivo”, na troca de mensagens instantâneas e na procura de novos amigos nas redes sociais da Internet o ressurgimento de antigos modelos de comunicação oral, laços diretos, intimidade e relacionamentos horizontais característicos de uma tribo.(1) A crescente popularidade de sites de relacionamento social online é mero modismo? Ou se trata de profunda mudança social descortinando novos horizontes para o futuro? Se assim for, como se enquadra este fenômeno no panorama atual de uma revolução cultural de cunho tribalista? Antes de analisar essas questões, devemos lembrar que a expressão revolução cultural surgiu durante a revolução comunista chinesa, na época de Mao Tsé-tung, mas foi utilizada também no Ocidente para designar a revolução da Sorbonne de maio de 1968. Apesar de esta última ter sido derrotada no plano político, suas conseqüências culturais, especialmente no campo das tendências, usos e costumes, difundiram-se largamente em todo o mundo. No livro Revolução e Contra-Revolução,(2) após descrever as três Revoluções — a protestante, a francesa e a comunista — Plinio Corrêa de Oliveira afirma que o mundo vai sendo impelido para uma Quarta Revolução, que apresenta como características essenciais a autogestão e o tribalismo. Assim sendo, as características da revolução cultural são muito afins, quando não idênticas, às da Quarta Revolução, temas ambos que têm sido objeto de diversos artigos em Catolicismo. Impasse revolucionário conduz à mudança de tática Houve na década de 60 uma mudança radical no processo revolucionário. Segundo a teoria marxista “ortodoxa”, prevalente nos círculos revolucionários daquela época, a ditadura do proletariado e a abolição da propriedade privada deveriam produzir um homem novo, o qual supostamente seria capaz de viver livremente no “paraíso” comunista. Mas a utopia não vingou, pois tal tipo humano não emergiu da experiência comunista na União Soviética e nos seus países satélites; pelo contrário, resultou em estrondoso fracasso, patenteando-se a continuidade do homem velho, avesso àquele regime antinatural. Alentados pela rebelião estudantil da Sorbonne, de maio de 68, numerosos líderes marxistas decidiram pôr em marcha uma revolução cultural que operasse profunda mudança nas mentalidades e nos modos de ser das pessoas, pré-requisito para qualquer tentativa bem sucedida de uma mudança sócio-econômica de caráter coletivista. Dessa revolução cultural nasceria o homem novo, que demoliria as estruturas hierárquicas e individualistas da sociedade burguesa, substituindo-as por um paraíso anárquico de liberdade e igualdade totais, que a nomenklatura soviética não conseguira implantar. Meta além do sistema comunista: o coletivismo tribal Qual seria o novo paradigma de uma sociedade revolucionária, caso a Revolução decidisse abrir mão das mudanças estruturais sócio-econômicas para se ater ao campo estritamente cultural? A resposta é a sociedade tribal, com a qual haviam sonhado as correntes radicais da antropologia moderna, como por exemplo o estruturalismo. Os defensores dessas novas teorias alegam que a vida tribal é a síntese da liberdade individual, do coletivismo consensual e da igualdade. E admitem que os indivíduos se dissolveriam na personalidade coletiva da tribo, deixando de lado os velhos padrões de reflexão individual, vontade e sensibilidade. Como este processo de auto-identificação com a tribo só é praticável dentro da estrutura de pequenos grupos de pessoas, essa Quarta Revolução exige o desmembramento da sociedade em pequenas comunidades rurais. Seria o fim das grandes cidades, dos complexos industriais e, de modo geral, das gigantescas infra-estruturas de hoje. Tudo semelhante à já mencionada revolução cultural de Mao Tsé-tung na China e à expulsão dos habitantes das cidades para os campos pelo movimento comunista guerrilheiro Khmer Rouge no Camboja.
Prof. Plinio Corra de Oliveira |
Efeitos da “revolução digital” nas gerações jovens Segundo Plinio Corrêa de Oliveira, os sinais precursores dessa Quarta Revolução entre os jovens se faziam sentir de modo particular pela extravagância no trajar, pela crescente tendência ao nudismo, pela informalidade das maneiras, pela idolatria da natureza e da ecologia, pela hipertrofia dos sentidos e da imaginação e a simultânea atrofia da razão na assim chamada civilização da imagem. Sem mencionar a tendência para um estilo de vida errante, comum entre os hippies da geração da flor. A revolução digital estava dando então seus primeiros passos no relativo isolamento das universidades, nos órgãos governamentais e no mundo dos negócios. Os computadores pessoais e a Internet estão agora disponíveis em nível universal, e a revolução digital atingiu todas as camadas da população. Se ela tivesse chegado alguns anos antes, seus efeitos sobre as gerações mais jovens certamente teriam sido mencionados em Revolução e Contra-Revolução como um sintoma da Quarta Revolução. Hoje, muitos ideólogos revolucionários radicais, embora encarem o problema sob um prisma oposto e aplaudam tais mudanças, descrevem os mesmos fenômenos apontados trinta anos atrás por Plinio Corrêa de Oliveira. Vale então a pena estudar –– tanto quanto possível nos limites de um artigo –– o que esses pensadores e acadêmicos estão dizendo sobre o tribalismo cibernético, com a ressalva de que eles dão às evoluções sociais um caráter inelutável, resultado de uma espécie de determinismo tecnológico que reduz a zero a liberdade humana, o que um católico não pode jamais aceitar. Pelo contrário, o pensador católico brasileiro destacava em sua obra a primazia que têm as paixões desordenadas nas mudanças sociais e no progresso da Revolução.
Marshall McLuhan |
"O homem tribal participava do inconsciente coletivo” O primeiro a falar do efeito “tribal” dos novos meios de comunicação foi Marshall McLuhan, o guru canadense da mídia e comunicação modernas, e talvez o teórico mais citado nesse campo. Para ele, qualquer meio de comunicação é uma extensão virtual de nossos sentidos e mentes (do mesmo modo como a prótese de um braço é uma extensão física do corpo). Daí sua conhecida sentença: “O meio é a mensagem”(3) veiculando a idéia de que as sociedades se moldam mais pela natureza das mídias com as quais os homens se comunicam, do que pelo conteúdo da própria comunicação. Assim, a cultura oral da sociedade primitiva percebia o mundo através dos cinco sentidos –– audição, olfato, tato, visão e paladar, com certa primazia da audição –– e por esta razão era dependente do equilíbrio harmônico de todos esses sentidos humanos. Porém, a cultura escrita originada pelo alfabeto fonético teria desestabilizado esse equilíbrio sensorial do homem tribal, gerando uma total supremacia da visão. Sempre de acordo com McLuhan, isso teria causado um tremendo impacto sobre a cultura e a sociedade: “Por sua dependência da palavra falada para obter informações, os homens [primitivos] aglutinavam-se numa rede tribal. E como a palavra falada é mais carregada de emoção que a escrita — transmitindo, através da entonação, emoções ricas tais como raiva, alegria, dor, medo — o homem tribal era mais espontâneo e temperamentalmente volúvel. O homem tribal áudio-táctil partilhava do inconsciente coletivo, vivia num mundo mágico, englobante, modelado pelo mito e pelo ritual, cujos valores eram divinos e inquestionáveis, enquanto o homem alfabetizado ou visual criou um ambiente fortemente fragmentado, individualista, explícito, lógico, especializado e sem emoções. [...]. O homem todo se tornou fragmentado; o alfabeto despedaçou o círculo encantado e a mágica reboante do mundo tribal, explodindo a humanidade em um aglomerado de unidades ou ‘indivíduos’ especializados e psiquicamente empobrecidos, funcionando em um mundo de tempo linear e de espaço euclidiano”.(4) |