quinta-feira, 29 de abril de 2010

Bento XVI: Estamos nos aproximando da conclusão do Ano Sacerdotal e, nesta última quarta-feira de abril, eu gostaria de falar de dois grandes santos sacerdotes, exemplares em sua doação a Deus e no testemunho de caridade, vivida na Igreja e para a Igreja, com os irmãos mais necessitados: São Leonardo Murialdo e São José Benedito Cottolengo.


 Intervenção na audiência geral de hoje

CIDADE DO VATICANO, quarta-feira, 28 de abril de 2010 (ZENIT.org).- Apresentamos, a seguir, a catequese dirigida pelo Papa aos grupos de peregrinos do mundo inteiro, reunidos na Praça de São Pedro para a audiência geral.
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Queridos irmãos e irmãs:
Estamos nos aproximando da conclusão do Ano Sacerdotal e, nesta última quarta-feira de abril, eu gostaria de falar de dois grandes santos sacerdotes, exemplares em sua doação a Deus e no testemunho de caridade, vivida na Igreja e para a Igreja, com os irmãos mais necessitados: São Leonardo Murialdo e São José Benedito Cottolengo. Do primeiro, recordamos os 110 anos de morte e os 40 de sua canonização; do segundo, começaram as celebrações do 2º centenário de sua ordenação sacerdotal.
Murialdo nasceu em Turim, no dia 26 de outubro de 1828: é a Turim de São João Bosco, do próprio Cottolengo, terra fecundada por muitos exemplos de santidade de fiéis leigos e sacerdotes. Leonardo é o oitavo filho de uma família simples. Quando criança, junto com seu irmão, entrou no colégio dos Padres Escolápios de Savona para o Ensino Fundamental, Médio e Superior; lá encontrou educadores preparados, em um clima de religiosidade fundado em uma séria catequese, com práticas de piedade regulares.
Durante a adolescência, viveu, no entanto, uma profunda crise existencial e espiritual que o levou a antecipar a volta à família e a concluir seus estudos em Turim, matriculando-se no biênio de filosofia. A "volta à luz" aconteceu - como ele relata - após alguns meses, com a graça de uma confissão geral, na qual redescobriu a imensa misericórdia de Deus; amadureceu, então, aos seus 17 anos, a decisão de tornar-se sacerdote, como resposta de amor a Deus, que o havia seduzido com seu amor.
Ele foi ordenado no dia 20 de setembro de 1851. Precisamente naquele período, como catequista do Oratório do Anjo da Guarda, foi conhecido e estimado por Dom Bosco, que o convenceu a aceitar a direção do novo Oratório de São Luiz em Porta Nuova, exercida até 1865. Lá, entrou em contato também com os graves problemas dos mais pobres, visitou suas casas, amadurecendo uma profunda sensibilidade social, educativa e apostólica que o levou a dedicar-se de forma autônoma a múltiplas iniciativas a favor da juventude. Catequese, escola, atividades recreativas foram os fundamentos do seu método educativo no Oratório. Dom Bosco o quis junto a ele por ocasião da audiência que lhe foi concedida pelo beato Pio IX em 1858.
Em 1873, fundou a Congregação de São José, cujo fim apostólico foi, desde o começo, a formação da juventude, especialmente a mais pobre e abandonada. O ambiente de Turim nessa época foi marcado pelo intenso florescimento de obras e atividades caritativas promovidas por Murialdo até sua morte, ocorrida no dia 30 de março de 1900.
Quero sublinhar que o núcleo central da espiritualidade de Murialdo é a convicção do amor misericordioso de Deus: um Pai sempre bom, paciente e generoso, que revela a grandeza e imensidade da sua misericórdia com o perdão. Esta realidade foi experimentada por São Leonardo não no âmbito intelectual, mas existencial, mediante o encontro vivo com o Senhor.
Ele sempre se considerou um homem agraciado por Deus misericordioso: por isso viveu o sentido alegre da gratuidade ao Senhor, a serena consciência dos seus próprios limites, o desejo ardente de penitência, o compromisso constante e generoso de conversão.Ele via toda a sua existência na infinita misericórdia de Deus. Escreveu em seu Testamento Espiritual: "Tua misericórdia me cerca, ó Senhor (...). Como Deus está sempre e em todos os lugares, assim é amor sempre e em todos os lugares, é misericórdia sempre e em todos os lugares".
Recordando o momento de crise que teve em sua juventude, anotava: "Eis aqui que o bom Deus queria fazer resplandecer mais uma vez sua bondade e generosidade de forma totalmente singular. Não só me admitiu novamente à sua amizade, mas me chamou para uma escolha de predileção: chamou-me ao sacerdócio, e isso apenas poucos meses depois da minha volta a Ele".
São Leonardo viveu, por isso, a vocação sacerdotal como dom gratuito da misericórdia de Deus, com senso de reconhecimento, alegria e amor. Escreveu também: "Deus me escolheu! Ele me chamou, inclusive me obrigou à honra, à glória, à felicidade inefável de ser seu ministro, de ser ‘outro Cristo'... E onde estava eu quando me buscavas, meu Deus? No fundo do abismo! Eu estava lá, e até lá foi Deus para me buscar; lá, Ele me fez compreender sua voz..."
Sublinhando a grandeza da missão do sacerdote, que deve "continuar a obra da redenção, a grande obra de Jesus Cristo, a obra do Salvador do mundo", isto é, a de "salvar as almas", São Leonardo recordava sempre, a si mesmo e aos irmãos, a responsabilidade de uma vida coerente com o sacramento recebido. Amor de Deus e amor a Deus: foi esta a força do seu caminho de santidade, a lei do seu sacerdócio, o significado mais profundo do seu apostolado entre os jovens pobres e a fonte da sua oração.
São Leonardo Murialdo se abandonou com confiança nas mãos da Providência, realizando generosamente a vontade divina, no contato com Deus e dedicando-se aos jovens pobres. Dessa forma, ele uniu o silêncio contemplativo ao ardor incansável da ação; a fidelidade aos deveres de cada dia à genialidade das iniciativas; a força nas dificuldades à serenidade do espírito. Este é o seu caminho de santidade para viver o mandamento do amor a Deus e ao próximo.
Com o mesmo espírito de caridade, viveu - 40 anos antes de Murialdo - São José Benedito Cottolengo, fundador da obra chamada por ele mesmo de "Pequena Casa da Divina Providência", conhecida hoje também como "Cottolengo". No próximo domingo, em minha visita pastoral a Turim, venerarei as relíquias deste santo e visitarei os hóspedes da "Pequena Casa".
José Benedito Cottolengo nasceu em Bra, pequena cidade da província de Cuneo, no dia 3 de maio de 1786. Primogênito de 12 filhos, dos quais 6 morreram na infância, mostrou desde pequeno grande sensibilidade pelos pobres. Abraçou o caminho do sacerdócio, imitado também por dois dos seus irmãos.
Os anos da sua juventude foram os da aventura napoleônica e dos conseguintes mal-estares no campo religioso e social. Cottolengo se converteu em um bom sacerdote, procurado por muitos penitentes e, na Turim dessa época, pregador de exercícios espirituais e conferências entre os estudantes universitários, onde colhia sempre um êxito notável.
Aos 32 anos, foi nomeado cônego da Santíssima Trindade, uma congregação de sacerdotes que tinha a tarefa de celebrar na igreja do Corpus Domini e de dar decoro às celebrações religiosas da cidade, mas naquele cargo ele se sentia inquieto. Deus o estava preparando para uma missão particular e, precisamente com um encontro inesperado e decisivo, deu-lhe a entender qual seria seu futuro destino no exercício do seu ministério.
O Senhor sempre coloca sinais em nosso caminho para guiar-nos, segundo sua vontade, ao verdadeiro bem. Para Cottolengo, isso aconteceu de forma dramática, na manhã de domingo do dia 2 de setembro de 1827. Chegou a Turim, procedente de Milão, a diligência, cheia como nunca de gente, na qual se apertava uma família francesa inteira, na qual a mulher, com cinco filhos, estava no final de uma gravidez e com febre alta. Após ter vagado por vários hospitais, essa família encontrou alojamento em um dormitório público, mas a situação da mulher continuou agravando-se e alguns começaram a procurar uma cura.
Por um misterioso desígnio, cruzaram com Cottolengo e foi precisamente ele, com o coração angustiado, quem acompanhou a morte dessa jovem mãe, em meio à dor de toda a família. Após ter concluído este doloroso dever, com o sofrimento no coração, inclinou-se diante do Santíssimo Sacramento e rezou: "Meu Deus, por quê? Por que me escolheste como testemunha? O que queres de mim? Preciso fazer alguma coisa!".
Levantando-se, tocou todos os sinos, acendeu as velas e, acolhendo os curiosos na igreja, disse: "A graça aconteceu! A graça aconteceu!". A partir daquele momento, Cottolengo se transformou: todas as suas capacidades, especialmente sua habilidade econômica e organizativa, foram utilizadas para dar vida a iniciativas de apoio aos mais necessitados.
Ele soube envolver em sua empresa dezenas e dezenas de colaboradores e voluntários. Mudando-se para a periferia de Turim para expandir sua obra, criou uma espécie de povoado, no qual cada edifício que conseguiu construir recebeu um nome significativo: "casa da fé", "casa da esperança", "casa da caridade". Pôs em andamento o estilo das "famílias", constituindo verdadeiras e próprias comunidades de pessoas, voluntários e voluntárias, homens e mulheres, religiosos e leigos, unidos para enfrentar e superar juntos as dificuldades que se apresentavam.
Cada um, nessa Pequena Casa da Divina Providência, tinha uma tarefa específica: uns trabalhavam, outros rezavam, uns serviam, outros lecionavam, alguns administravam. Sãos e doentes compartilhavam juntos o mesmo peso do dia a dia.
Também a vida religiosa se especificou no tempo, segundo as necessidades e exigências particulares. Ele pensou inclusive em um seminário próprio, para uma formação específica dos sacerdotes da Obra. Esteve sempre disposto a seguir a Divina Providência, nunca a questioná-la. Dizia: "Eu não sou bom em nada e nem sequer sei o que estou fazendo. A Divina Providência, no entanto, sabe certamente o que quer. Cabe a mim apenas segui-la. Adiante, in Domino". Para os seus pobres e os mais necessitados, ele foi definido sempre como "o ajudante da Divina Providência".
Junto às pequenas cidades, ele quis fundar também 5 mosteiros de religiosas contemplativas e um de eremitas, e os considerou entre as realizações mais importantes: uma espécie de "coração" que deveria bater para sustentar toda a Obra.
Cottolengo morreu no dia 30 de abril de 1842, pronunciando estas palavras: "Misericordia, Domine; Misericordia, Domine. Boa e Santa Providência (...). Virgem Santa, agora é a sua vez". Sua vida, como escreveu um jornal da sua época, foi "uma intensa jornada de amor".
Queridos amigos, estes dois santos sacerdotes, dos quais apresentei algumas características, viveram seu ministério em um dom total da vida aos mais pobres, aos mais necessitados, aos últimos, encontrando sempre a raiz profunda, a fonte inextinguível da sua ação na relação com Deus, bebendo do seu amor, na convicção profunda de que não é possível exercer a caridade sem viver em Cristo e na Igreja.
Que sua intercessão e seu exemplo continuem iluminando o ministério de tantos sacerdotes que se consomem com generosidade por Deus e pelo rebanho a eles confiado, e que ajudem cada um a entregar-se com alegria e generosidade a Deus e ao próximo.
[No final da audiência, o Papa cumprimentou os peregrinos em vários idiomas. Em português, disse:]
Queridos irmãos e irmãs:
Houve dois santos sacerdotes no século XIX que viveram o seu ministério na dedicação total aos mais pobres. A raiz profunda e a fonte inexaurível da sua atividade estavam na sua relação com Deus, conscientes de que não existe caridade sem viver em Cristo e na Igreja. O primeiro, São Leonardo Murialdo, experimentou a Misericórdia de Deus após uma crise existencial e espiritual na adolescência, e sentiu-se chamado ao sacerdócio, dedicando-se à juventude mais abandonada. Sabendo que a missão do sacerdote é "continuar a obra da redenção, a grande obra de Jesus", não cessava de recordar a si mesmo e aos seus confrades a coerência com o sacramento recebido. O segundo, São José Cottolengo, foi chamado para dar os últimos sacramentos a uma jovem mulher grávida que morria por falta de cuidados adequados. Foi um sinal de Deus no seu caminho que o transformou: doravante será "o ajudante da divina Providência" ao serviço dos mais necessitados. Nascia, assim, a Pequena Casa da Divina Providência, cujo coração pulsante eram os mosteiros de religiosas contemplativas que ele fundara.
Uma saudação cordial aos peregrinos vindos do Brasil e demais países de língua portuguesa, contando com as vossas orações por todos os sacerdotes para que se dediquem sempre com mais generosidade a Deus e ao rebanho a eles confiado. E que Deus vos abençoe a vós e as vossas famílias. Ide em paz!
[Tradução: Aline Banchieri
©Libreria Editrice Vaticana]