quinta-feira, 27 de maio de 2010

S.Afonso de Ligório: a santidade do padre deve ser diferente da dos seculares, segundo a observação de Sto. Ambrósio117. Ajunta o santo Doutor que assim como a graça dispensada aos padres é superior, assim a vida do padre deve exceder em santidade à dos seculares. Para oferecer dignamente o divino sacrifício, nota Sto. Ambrósio, deve o padre sacrificar-se primeiro ele próprio, oferecendo-se todo a Deus .E S. João Crisóstomo ajunta que o sacerdote deve ser de tal modo perfeito, que todos os fiéis o possam olhar como um modelo de santidade; porque Deus colocou os sacerdotes na terra, para que eles aqui vivam como anjos, e para servirem a todos os homens de faróis e guias no caminho da virtude.





Santidade exigida no Padre
I
Em razão da sua dignidad
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É grande a dignidade dos padres; mas não são menores as obrigações
que lhe andam inerentes. Erguem-se os padres a uma grande altura; mas é
necessário que sejam elevados e sustentados nela por uma grande virtude.
No caso contrário, em vez de recompensa, um rigoroso castigo lhes está
reservado; tal é o pensamento de S. Lourenço Justiniano112.
S. Pedro Crisólogo diz por sua vez113: “O Sacerdócio é uma grande honra;
mas é também um fardo pesado, e traz consigo uma grande conta a prestar”.
— E S. Jerônimo114: “Não é pela sua dignidade que o padre se salva, mas
pela obras concordes com a sua dignidade”.
Todo o cristão deve ser perfeito, deve ser santo, por isso que todo o
cristão faz profissão de servir um Deus santo. Segundo S. Leão, uma pessoa
torna-se cristã despojando-se da semelhança do homem terreno, e revestindo-
se da forma de homem celeste115. Era a razão por que Jesus Cristo dizia:
Vós pois sêde perfeitos, como vosso Pai celeste é perfeito116.
Mas a santidade do padre deve ser diferente da dos seculares, segundo
a observação de Sto. Ambrósio117. Ajunta o santo Doutor que assim como a
graça dispensada aos padres é superior, assim a vida do padre deve exceder
em santidade à dos seculares118. E, segundo Isodoro de Pelusa, entre a santidade
do padre e a de todo o bom leigo, deve haver tanta distância como do
céu à terra119.
Santo Tomás ensina que cada um é obrigado a cumprir os deveres do
estado que escolheu120. Por outro lado, assegura Sto. Agostinho que o clérigo,
no mesmo instante em que recebe a clericatura, se impõe a obrigação de
ser santo121. E Cassiodoro escreve: O eclesiástico é obrigado a uma vida
celeste122. O padre é obrigado a maior perfeição que todos os outros, como
diz Tomás de Kempis123, porque o seu estado é o mais sublime de todos os
estados. Salviano ajunta que Deus ordena a perfeição aos clérigos no mesmo
lugar, em que a aconselha aos seculares124.
Os sacerdotes da Lei antiga traziam estas palavras gravadas na tiara,
que lhes cingia a fronte: Consagrado ao Senhor, ou Coisa santa do Senhor125.
Era para que nunca se esquecessem da santidade que deviam professar. As
vítimas, oferecidas pelos sacerdotes, deviam ser inteiramente consumidas,
— e para quê? Teodoreto responde: Para lhes significarem a integridade da
vida, que convém a quem se consagra por completo a Deus126.
Para oferecer dignamente o divino sacrifício, nota Sto. Ambrósio, deve o
padre sacrificar-se primeiro ele próprio, oferecendo-se todo a Deus127. E, segundo
Sto. Hesíquio deve o padre ser um holocausto contínuo de perfeição,
desde a sua juventude até à morte128.
Na Lei antiga disse Deus: Separei-vos dos outros povos, para que sejais
o meu povo129. Com quanto mais forte razão quer o Senhor na Lei nova, que
os sacerdotes ponham de parte os negócios do século, para só agradarem
Àquele a quem se consagraram! É o que ele declara pela voz do Apóstolo130:
Nenhum soldado de Deus se deve ingerir nos negócios seculares, para agradar
Àquele cujo serviço abraçou. E é a promessa que a Igreja exige de todos
os clérigos, ao entraram no santuário pela prima-tonsura. Faz-lhes prometer
que de futuro só Deus será a sua herança: É o Senhor a parte que me coube
em herança, e o quinhão que me é destinado; pois vós, Senhor, que me
haveis de dar a devida herança131. “Tudo no padre, escreveu S. Jerônimo,
reclama e exige a santidade da vida: o hábito que veste, o próprio ofício que
exerce”132. Como diz S. Bernardo, não lhe basta fugir de todos os vícios, é
necessário que faça esforços em que consiste a perfeição única, que o homem
viador pode possuir cá na terra133.
O mesmo S. Bernardo gemia, à vista de tantos insensatos, que se afadigam
por chegar às ordens sacras, sem considerarem na santidade exigida
aos que aspiram a tão alta dignidade134. E Sto Ambrosio135 exclama: Quanto é
raro encontrar-se um ordinando que possa dizer: O Senhor é a minha herança,
que não se deixe abrasar da concupiscência, aguilhoar pela avareza,
distrair pelos cuidados dos negócios seculares!
No Apocalipse de S. João, lê-se: Fez-nos reino seu e sacerdotes de Deus,
seu Pai136. Tirino, de acordo com os outros intérpretes explica a palavra
Regnum e diz que os sacerdotes são o reino de Deus, ou porque Deus reina
neles, nesta vida pela graça e na outra pela glória; ou porque eles próprios
são constituídos reis para reinarem sobre os vícios137.
Quer S. Gregório que o padre seja morto para o mundo e para todas as
paixões, a fim de se dar a uma vida toda divina138. O sacerdócio atual é o
mesmo que Jesus Cristo recebeu de seu Pai: E Eu dei-lhes a glória que me
deste a mim139. Se pois o sacerdote representa Jesus Cristo, diz S. João
Crisóstomo, é preciso que seja bastante puro para merecer tomar lugar entre
os anjos140.
S. Paulo exige do padre uma perfeição tal, que o ponha ao abrigo de
toda a censura141. É certo que neste lugar, por Episcopum, se devem entender
não só os bispos, mas também os sacerdotes, pois que o Apóstolo passa
em seguida a falar dos diáconos142. Como não os chamou pelo apelido de
padres, quis ajuntá-los sob esse ponto de vista aos bispos; tal é o sentir de
Sto. Agostinho e de S. João Crisóstomo, que sobre este ponto especial se
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exprime assim: O que ele diz dos bispos aplica-se por igual aos padres143.
Quanto à palavra Irreprehensibilem, todos vêem com S. Jerônimo que
ela compreende a posse de todas as virtudes144. E eis a explicação que dá
Cornélio A-Lápide: Deve o sacerdote não só ser isento de todos os vícios,
mas adornado de todas as virtudes145.
Durante onze séculos, foi interdita a iniciação na clericatura a todos aqueles
que depois do seu batismo tivessem cometido um só pecado mortal; é o
que nos ensinam os Concílio de Nicéia146, Toledo147, Elvira148 e Cartago149. E
se um clérigo, depois da sua ordenação, vinha o cair em pecado, era deposto
para sempre e encerrado num mosteiro, como lemos em muitos cânones150 e
eis a razão que ali se encontra expressa: “Porque a santa Igreja quer que o
sacerdote seja isento de censura, a todos os respeitos. Os que não são santos
não podem administrar as coisas santas”151.
No Concílio de Cartago disse-se: Os clérigos de quem o Senhor é herança
devem fazer divórcio com o século152. O Concílio de Trento vai mais
longe: quer que num clérigo tudo seja santo: o hábito, as maneiras, a linguagem,
e todos os atos153. E S. João Crisóstomo ajunta que o sacerdote deve
ser de tal modo perfeito, que todos os fiéis o possam olhar como um modelo
de santidade; porque Deus colocou os sacerdotes na terra, para que eles
aqui vivam como anjos, e para servirem a todos os homens de faróis e guias
no caminho da virtude154.
Segundo S. Jerônimo, o nome de clérigo significa: Que tem a Deus como
herança. Quer dizer: que o clérigo se compenetre bem na significação do seu
nome, e com ele conforme o seu procedimento155. Se Deus é a sua herança,
que não viva senão para Deus. O que tem a Deus por herança, diz Sto.
Ambrósio, de nada se deve ocupar senão de Deus: = Cui Deus portio est,
nihil debet curare, nisi Deum ( De Eseau. c. 2).
O padre é o ministro de Deus, encarregado das duas funções extremamente
nobres e elevadas, que são: honrar a Deus com sacrifícios, e santificar
as almas. Porque todo o pontífice, escolhido dentre os homens, é estabelecido
para administrar em nome dos homens as coisas que respeitam a
Deus156. Sobre este texto diz Sto Tomás: Todo o padre é escolhido pelo Senhor
e posto na terra, não para adquirir riquezas, atrair a estima dos homens,
entregar-se aos prazeres e engrandecer a sua família, mas unicamente para
vigiar pelos interesses da glória de Deus157.
Também nas Escrituras o padre é chamado Homo Dei: um homem que
nem é do mundo, nem de seus pais, nem de si próprio, mas só de Deus e que
só a Deus procura158. Aos padres pois se aplicam as palavras de Davi: Eis a
geração dos que só procuram a Deus159. Assim como Deus no céu destinou
certos anjos para rodearem o seu trono, também na terra, entre os homens,
destinou os sacerdotes para tomarem cuidado da sua glória, por isso lhes
disse: Separei-vos dos outros povos, para que sejais meus160. Vimos já este
pensamento de S. João Crisóstomo: Escolheu-nos Deus, para que sejamos
na terra como anjos entre os homens161. E o próprio Senhor diz: Serei santificado
nos que se aproximarem de mim162; o que se interpreta assim: A minha
santidade será conhecida mediante a santidade dos meus ministros163.
O Novo Código de Direito Canônico, no título 3.º, das obrigações dos
clérigos, confirma a doutrina exposta. Vide os cânones 124-144, que não
podemos transcrever.
112. Magna dignitas, sed majus est pondus. In alto gradu positi sunt; oportet quoque ut in
sublimi virtutum culmine sint erecti; alioquin, non ad meritum, sed ad proprium praesunt
judicium (De Inst. prael. c. 11).
113. Sacerdotes honorati; dico autem, onerati.
114. Non dignitas, sed opus dignitatis salvare consuevit (Ad Soph. 3).
115. Dum terreni hominis imago deponitur, et coelestis forma suscipitur (De Pass. s. 14).
116. Estote ergo perfecti, sicut et Pater vester coelestis perfectus est (Matth. 5, 48).
117. Nihil in sacerdote commune cum studio atque usu multitudinis (Epist. 6).
118. Debet praeponderare vita sacerdotis, sicut praeponderat gratia (Ep. 82).
119. Tantum inter sacerdotem et quemlibet probum interesse debet, quantum inter coelum et
terram, discriminis (Epist. 1. 2, ep. 205).
120. Quicumque profitetur statum aliquem, tenetur ad ea quae illi statui conveniunt.
121. Clericus duas res professus est, et sanctitatem et clericatum (Serm. 355, E. B.).
122. Professio clericorum, vita coelestis.
123. Sacerdos ad majorem tenetur perfectionem sanctitatis (Imit. Chris. 1. 4, c. 5).
124. Clericis suis Salvator, non ut caeteris voluntarium, sed imperativum officium perfectionis
indicit (De Eccle. Cath. 1. 2).
125. Sanctum Domini (Exod. 39, 29).
126. Ut integritas sacerdotis monstraretur, qui totum se Deo dedicaverit (In Levit. q. 3).
127. Hoc enim est sacrificium primitivum, quando unusquisque se offeret hostiam, et a se
incipit, ut postea munus suum possit offerre (De Abel. 1. 2, c. 6).
128. Sacerdos continuum holocaustum offerre praecipitur, ut, a perfecta sapientia incipiens,
in eadem finiat, et totam vitam suam componat ad perfectionem (In Levit. 1. 2, c. 1).
129. Separavi vos a caeteris populis, ut essetis mei (Levi. 20, 26).
130. Nemo, militans Deo, implicat se negotiis secularibus, ut ei placeat, cui se probavit (2.
%!
Tim. 2, 4).
131. Dominus pars hereditatis meae et calicis mei; tu es qui restitues hereditatem meam mihi
(Ps. 15, 5).
132. Clamat vestis clericalis, clamat status professi animi sanctitatem.
133. Jugis conatus ad perfectionem, perfectio reputatur (Ep. 254).
134. Curritur passim ad sacros Ordines sine consideratione (De Conv. ad cler. c. 20).
135. Quam rarus, qui potest dicere: Portio mea Dominus; — quem non inflammet libido, non
stimulet avaritia, non aliqua negotiorum saecularium cura sollicitet (In Ps. 118. s. 8).
136. Fecit nos regnum et sacerdotes Deo et Patri suo (Apoc. 1, 6).
137. In quo Deus regnat nunc per gratiam, postea per gloriam. — Fecit nos reges; regnamus
enim cum ipso, et imperamus vitiis.
138. Necesse est ut, mortuus omnibus passionibus, vivat vita divina.
139. Et ego claritatem, quam dedisti mihi, dedi eis (Jo. 17, 22).
140. Necesse est sacerdotem sic esse purum, ut, in ipsis coelis collocatus, inter coelestes
illas virtutes medius staret (De Sacerd. 1. 3).
141. Oportet ergo episcopum irreprehensibem esse (1. Tim. 3, 2).
142. Diaconos similiter pudicos.
143. Quae de Episcopis dixit, etiam sacerdotibus congruit (In 1. Tim. hom. XI).
144. Omnes virtutes comprehendit (Ep. ad Oceanum).
145. Qui non tantum vitio careat, sed qui omnibus virtutibus sit ornatus.
146. Can. 9, 10.
147. I. Can. 2.
148. Can. 76
149. IV. Can. 68.
150. Corp. Jur. can., Dist. 81.
151. In omnibus enim, quod irreprehensibile est, sancta defendit Ecclesia. Qui sancti non
sunt, sancta tractare non possunt (Dist. 81. can. 4-6).
152. Clerici, quibus pars Dominus est, a saeculi societate segregati vivant.
153. Decet omnino clericos, in sortem Domini vocatos, vitam moresque suos componere, ut
habitu, gestu, sermone, aliisque rebus, nil nisi grave ac religione plenum prae se ferant (Sess.
22. cap. 1, de Ref.).
154. Sacerdos debet vitam habere immaculatam, ut omnes in illum velutti in aliquod exemplar
excellens intueantur. Idcirco enim nos (Deus) elegit, ut simus quasi luminaria, et magistri
caeterorum efficiamur, ac veluti angeli cum hominibus versemur in terris (In 1. Tim. hom. 10).
155. Clericus interpretetur primo vocabulum suum, et nitatur esse quod dicitur (Ep. ad
Nepotian.).
156. Omnis namque pontifex, ex hominibus assumptus, pro hominibus constituitur in iis quae
sunt ad Deum (Hebr. 5, 1).
157. Omnis pontifex constituitur in iis quae sunt ad Deum, non propter gloriam, non propter
cumulandas divitias. — Constituitur in iis quae sunt ad Deum (In Hebr. 5. lect. 1).
158. In Tim. 6, 11.
159. Haec est generatio quaerentium eum (Ps. 23, 6).
160. Separavi vos a caeteris populis, ut essetis mei (Levit. 20, 26).
161. Idcirco enim nos (Deus) elegit, ut veluti angeli cum hominibus versemur in terris (In 1.
Tim. hom. 10).
162. Sanctificabor in iis qui appropinquant mihi (Levit. 10, 3).