CAPÍTULO II: A família monástica
1. - O ESTADO MONÁSTICO
Procurei como São Bento define a vida monástica. No Prólogo, ele concebe o mosteiro como “UMA ESCOLA DO SERVIÇO DO SENHOR”[7]. No primeiro capítulo, anuncia que, “COM O AUXÍLIO DO SENHOR”, ele vai “DISPOR SOBRE O PODEROSÍSSIMO GÊNERO DOS CENOBITAS”, “ISTO É, DOS MONGES QUE MILITAM EM UM MOSTEIRO SOB UMA REGRA E UM ABADE”[8]. É esta a definição exata e completa da vida monástica?
“A vida monástica é a consagração total da existência humana ao serviço solene de Deus.”
Em que ela difere da vida religiosa? - “O estado religioso é o do cristão que se consagra de uma maneira exclusiva ao serviço de Deus. Ele faz profissão pública de perfeição, renuncia aos bens passageiros, desfaz-se de todos os laços da carne e faz abnegação total de si mesmo sob o jugo da obediência, em conformidade a uma regra aprovada pela Igreja.” - Como o senhor define o estado religioso? - “A profissão pública da perfeição cristã...”
“Que mais ainda é o estado religioso? Uma participação da Cruz e dos sofrimentos de Nosso Senhor. - São Bento escreve, com efeito, no Prólogo da Regra: “DE MODO QUE, PERSEVERANDO NO MOSTEIRO ATÉ A MORTE, PARTICIPEMOS, PELA PACIÊNCIA, DOS SOFRIMENTOS DO CRISTO A FIM DE TAMBÉM MERECERMOS SER CO-HERDEIROS DE SEU REINO.” - No serviço de Deus é necessário ser bravo e não aspirar ao repouso.”
“Por sua natureza, o estado religioso é um estado de conversão. “NOVITER VENIENS AD CONVERSIONEM.”[9] Parece-me que esta definição é a mais exata. É necessário cada dia recomeçar o trabalho de nossa conversão.” - Esta idéia de obrigação ao progresso está contida na palavra “ESCOLA” escolhida por São Bento para designar o mosteiro: “ESCOLA DO SERVIÇO DO SENHOR”[10] - “DOMINICI SERVITII SCHOLA.” Poderíamos traduzir sem temeridade por esta outra palavra: “Dominici schola amoris”, escola do amor de Deus. É isso o que o glorioso Patriarca quis dizer. Ele explica isso no começo e no fim do capítulo sétimo, quando faz brilhar acima do décimo segundo grau de humildade o esplendor “DAQUELE AMOR QUE, QUANDO PERFEITO, AFASTA TODO TEMOR”[11] - Logo, somos religiosos para aprender a amar a Deus.
“O fundo íntimo do estado religioso é a prática contínua e mais perfeita possível do primeiro mandamento: “Adorar a Deus e amá-Lo de todo coração.”
Nisto o estado monástico não se distingue do estado religioso. - “A vida monástica é o exercício contínuo, pleno e inteiro do estado religioso.”
No entanto, a vida monástica acrescenta algo às condições da vida religiosa. - “Ela acrescenta a separação do mundo, a reclusão voluntária no claustro, o ofício divino de noite e de dia, o silêncio, a penitência, uma dependência que envolve todos os detalhes e, enfim, a estabilidade sob um mesmo superior num mesmo mosteiro.” - Sobretudo a clausura e a estabilidade: “A OFICINA” onde o monge deve exercitar-se é, diz-nos São Bento, “O CLAUSTRO DO MOSTEIRO ASSIM COMO A ESTABILIDADE NA COMUNIDADE.”[12]“A vida monástica é o campo entrincheirado, como que a fortaleza inexpugnável do estado religioso.”
2. - A REGRA
“A maior necessidade de uma alma consagrada a Deus é a de ser governada. O monge milita sob uma Regra, lei escrita, e sob um Abade, lei viva.”
“A Regra de São Bento... “Haec est via”, é o caminho pelo qual Nosso Pai São Bento entrou no céu, o caminho pelo qual devemos aí chegar também e que nos oferece a maior segurança.”
“O texto da Regra não é o texto de um livro qualquer, é o programa de perfeição que devemos realizar; é o programa de Deus. É o verdadeiro programa do amor que devemos a Nosso Senhor. É o código dos direitos de Deus e de nossos deveres.”
Este código é suficientemente detalhado? - “A Regra trata de nossa vida de modo detalhado. Desafio qualquer um a descobrir no dia beneditino um quarto de hora que não esteja em comunicação, em união com a Regra. Nosso Pai São Bento não deixou nada de lado, nem mesmo as coisas mais transitórias! A refeição? Pensa que ele a esquece? De maneira alguma! Ele lhe fixa a hora, a disposição. Ele fixa o acordar, o deitar, o trabalho, o que ele chama de leitura e que é em realidade a meditação da Sagrada Escritura. Ele não esquece nada. Quando aparecermos diante de Deus, seremos indesculpáveis, porque não há nenhum detalhe de nossa vida que não esteja previsto na Regra, sobre o qual a Regra passe em silêncio. Todos os assuntos que possam ocorrer a nosso espírito, que interessem à salvação, à santificação de nossa alma, são tratados na Regra, e de modo admirável. Não há um minuto no dia que possa escapar à Regra.”
“Trate-a com respeito. Diga a si mesmo: Serei julgado por esta Regra. Convém que me esforce por praticá-la. É necessário que eu seja uma alma de Regra. A Regra será a medida com a qual serei medido no juízo final.”
“A Regra, para um filho de São Bento, é, então, preferível mesmo à Bíblia.” Por quê? “O código monástico é para ele a explicação da Sagrada Escritura.”
Qual a finalidade da Regra? “São Bento, sua Regra e sua Ordem estão na Igreja para formar verdadeiros adoradores de Deus. Todos os detalhes de nossa vida monástica a isso se referem como a um fim dominante e único. Esta visão é a única que pode explicar toda a Regra em seu conjunto, em seus detalhes e sobretudo em seu espírito.”
“O cume da Regra é o amor perfeito.”
Como ela nos conduz até aí? “São Bento começa-o desde o Prólogo: “APRESSAI-VOS, CORREI, diz ele, NÃO TENDES TEMPO A PERDER.”[13] Não se trata de dissertar, de discorrer, de apreciar, de saborear, mas de combater e de marchar. É necessário marcar cada etapa do caminho por vitórias, por obras positivas. Seu estilo eminentemente marcial denota quanto o espírito dos Cecilii, seus ancestrais, havia passado para ele. Essa maneira ardente e guerreira de nos mostrar a virtude prova também que para ele a santidade consiste não em sentimentos, não em palavras, não em projetos, mas somente em atos, sempre em atos. Aí não há lugar para a fantasia. São Bento põe em destaque a ação, a ação militante aplicada ao trabalho que é ao mesmo tempo o mais necessário, o mais decisivo e o mais custoso: o trabalho contra o eu humano, contra a vontade e o julgamento próprios. “A TI, AGORA, QUEM QUER QUE SEJAS QUE, RENUNCIANDO ÀS PRÓPRIAS VONTADES... QUERES MILITAR SOB O CRISTO SENHOR...”[14]
“A Regra, eis a verdadeira Paixão do religioso, o verdadeiro martírio do religioso. Porque o martírio não é uma improvisação, exceto em certas circunstâncias particulares. O martírio é a doação total de si mesmo, de modo algum segundo a vontade do homem, mas segundo o programa de Deus: esse programa, Ele o consignou para nós na Regra de São Bento. A Regra pode pois ser para nós um martírio, não uma Paixão exuberante, mas uma Paixão silenciosa, modesta, muito ignorada, quotidiana, pela prática de virtudes obscuras, da humildade que consiste sobretudo em se apagar para deixar a Deus toda a glória.”
Ela nos mantém na humildade. “A Regra bem compreendida é um remédio contra o germe de loucura que todos os homem herdaram de Adão e Eva. O capítulo sétimo com seus doze graus de humildade, torna o espírito sadio e o põe em equilíbrio. Põe-se a cabeça no lugar submetendo-a a esse jugo abençoado da humildade obediente e da obediência verdadeiramente humilde, que nos faz abdicar do juízo próprio para acatar em tudo o dos superiores.”
Esse equilíbrio favorece nossos dons naturais... “Eles adquirem todo seu valor e todo seu poder. A Regra de São Bento, em sua simplicidade, fez germinar os talentos mais variados. O homem, sob a Regra, torna-se verdadeiramente “um homem”. Posso dizê-lo após uma tão longa experiência: a Regra possui, mais do que qualquer outro sistema, o segredo de formar homens, “viros”. Ela forma o caráter, dá equilíbrio e energia sob a orientação da graça, forja homens que são verdadeiros homens.”
A Regra torna o homem apto para todas as obras. “Quando compreendida e praticada em toda sua extensão, ela forma verdadeiros soldados de Cristo, aptos a auxiliar a Igreja e as almas, através de todo tipo de ministério e obras, capazes de prosseguir o trabalho de sua santificação pessoal em meio aos trabalhos do apostolado.”
De onde ela tira essa maravilhosa eficácia? “Nenhuma Regra apresenta o Código da doutrina cristã como a de São Bento: é o livro mais simples e, ao mesmo tempo, o mais importante. Sua superioridade vem de que é toda orientada para a santidade, através dos meios mais diretos e infalíveis. A Regra de São Bento é essencialmente um código de santidade.”