- E senti o espírito inundado por um mistério de luz que é Deus e N´Ele vi e ouvi -A ponta da lança como chama que se desprende, toca o eixo da terra, – Ela estremece: montanhas, cidades, vilas e aldeias com os seus moradores são sepultados. - O mar, os rios e as nuvens saem dos seus limites, transbordam, inundam e arrastam consigo num redemoinho, moradias e gente em número que não se pode contar , é a purificação do mundo pelo pecado em que se mergulha. - O ódio, a ambição provocam a guerra destruidora! - Depois senti no palpitar acelerado do coração e no meu espírito o eco duma voz suave que dizia: – No tempo, uma só Fé, um só Batismo, uma só Igreja, Santa, Católica, Apostólica: - Na eternidade, o Céu! (escreve a irmã Lúcia a 3 de janeiro de 1944, em "O Meu Caminho," I, p. 158 – 160 – Carmelo de Coimbra)
quinta-feira, 14 de maio de 2009
Óscar Andrés Rodriguez Maradiaga, S. D. B. Cardeal Arcebispo de Tegucigalpa, Honduras HOMILIA NA FESTA DE NOSSA SENHORA DE FÁTIMA NO DIA 13 DE MAIO
Peregrinação Internacional de Maio 2009
“A 13 de Maio na Cova da Iria apareceu brilhando a Virgem Maria...” Com quanto gozo e alegria, Fátima e todo o mundo se alegram, desde há noventa e dois anos, por esta grande dádiva imerecida da presença amorosa de Nossa Senhora!
Agradeço a honra que me dá o Senhor Bispo D. António Augusto dos Santos Marto, para presidir a esta solene celebração, e quero, em primeiro lugar, trazer-vos as saudações e o amor do povo de Deus que peregrina nas Honduras, a minha pátria de origem, um país pequeno de somente 112.000 quilómetros quadrados e sete milhões de habitantes, mas onde se ama também intensamente a Virgem Maria sob a invocação de Nossa Senhora de Suyapa, precisamente porque Maria caminha com os nossos povos.
Na vida da Igreja, destaca-se a figura da Virgem Maria, venerada como Mãe de Jesus e Mãe da Igreja. Desde o começo da evangelização, são incontáveis as comunidades que encontraram nela a inspiração mais próxima para aprender como ser discípulos e missionários de Jesus.
Com alegria constatamos que Ela se fez parte do caminhar de cada um dos nossos povos, entrando profundamente no tecido da sua história e recebendo os traços mais nobres e significativos das suas gentes. As diversas invocações e os santuários, espalhados, ao longe e ao largo, por todo o mundo, testemunham a presença próxima de Maria aos povos e, ao mesmo tempo, manifestam a fé e a confiança que os devotos sentimos por ela.
A Virgem pertence-nos e sentimo-la como mãe e irmã. A história da maioria dos santuários de todas as partes testemunha o carinho especial de Maria pelos pequenos e insignificantes deste mundo. A devoção mariana com a sua multiplicidade de expressões culturais, diz-nos que o Evangelho se inculturou nas feições brancas, índias, crioulas, negras e mestiças com que se apresenta a Virgem, revelando nisso o rosto compassivo e materno de Deus para com o seu povo.
João Paulo II chamou-lhe “Mãe e Evangelizadora do mundo, Estrela da Nova Evangelização” e convidou a implorar dela “a força para anunciar com valentia a Palavra na tarefa da nova evangelização, para corroborar a esperança no mundo”.
Na primeira aparição de Nossa Senhora de Fátima, parecia que estava perdida toda a esperança. Ameaças terríveis espreitavam o mundo. Ela veio trazer-nos a esperança que brota da Divina Providência de um Deus que é amor e que não abandona a obra das suas mãos. A esperança de que nos falou tanto o Papa Bento XVI, na sua segunda encíclica “Spe salvi”, com as seguintes palavras: “A vida humana é um caminho.
Para que meta? Como encontramos o rumo? A vida é como uma viagem pelo mar da história, amiúde obscuro e borrascoso, uma viagem em que esquadrinhamos os astros que nos indicam o caminho. As verdadeiras estrelas da nossa vida são as pessoas que souberam viver rectamente. Elas são luzes de esperança. Jesus Cristo é certamente a luz por antonomásia, o sol que brilha sobre todas as trevas da história.
Mas para chegar até Ele necessitamos também de luzes próximas, de pessoas que dão luz, reflectindo a luz de Cristo, oferecendo assim orientação para a nossa travessia. E quem melhor que Maria poderia ser para nós estrela de esperança, Ela que com o seu “sim” abriu a porta do nosso mundo ao próprio Deus, Ela que se converteu na Arca vivente da Aliança, em que Deus se fez carne, se fez um de nós, implantou a sua tenda entre nós (cf. Jo 1, 14)? (SS 49).
Também agora o nosso mundo se encontra submerso em profundas crises de fé, de ética, de humanidade e parece ter perdido a orientação moral. Já não sabe onde está a fronteira entre o bem e o mal. Pode ser que tenha uma próspera bolsa de valores, mas sem valores. A crise financeira que estamos a viver é simplesmente um sinal disto. A mão invisível que supostamente teria que guiar o mercado, tornou-se uma mão desonesta e cheia de cobiça.
Hoje também, com o exemplo e o auxílio da Virgem, as comunidades cristãs continuam a missão de conduzir ao encontro com Cristo e, por isso, a invocamos novamente como Estrela da nova evangelização.
Aos olhos e ao coração dos crentes, Maria aparece como:
a) Mulher de fé: Aceita e faz seu o projecto de Deus Pai. Com o seu “sim”, convida a abrir o coração à confiança em Deus e ao abandono confiado na sua prudente condução.
Nela aprendemos a descobrir o rosto materno de Deus, rico em piedade e misericórdia, e a confiar no seu amor paternal.
A Mãe de Jesus, mostra-nos o “fruto bendito do seu ventre”, “Caminho, Verdade e Vida”, do qual queremos ser discípulos, e, cheia do Espírito Santo, ensina-nos a transformar os diversos momentos da vida humana na história da salvação.
b) Mulher serviçal e solidária: Com os olhos postos nos seus filhos e nas suas necessidades, como em Caná da Galileia, Maria ajuda a manter vivas as atitudes de atenção, de serviço, de entrega e de gratuidade que devem distinguir os discípulos do seu Filho. Indica, além disso, qual é a pedagogia para que os pobres, em cada comunidade cristã, “se sintam como em sua casa (NMI 50).
c) Mulher de esperança: Junto à cruz de Jesus, onde nos gerou novamente como filhos, continua a acompanhar a dor dos nossos povos sofredores, convidando os discípulos do seu Filho a percorrer com maior coerência e audácia o caminho de se tornarem próximos, para construir mais justiça e solidariedade e desenvolver uma nova “imaginação da caridade”.
d) Mãe e formadora de comunidades de discípulos missionários: Cria comunhão e educa para um estilo de vida partilhada, em fraternidade, em atenção e aceitação do próximo, especialmente se é pobre ou necessitado. Nas nossas comunidades, a sua forte presença enriqueceu e continuará a enriquecer a dimensão materna da Igreja na sua atitude acolhedora, que a converte em “casa e escola da comunhão” (NMI 43), e em espaço espiritual que prepara para a missão.
Maria, mãe dos discípulos missionários, também caminha connosco. Ela fá-lo como discípula, porque acreditou firmemente que o anunciado por Cristo se cumprirá. Fá-lo como missionária porque – diferentemente dos apóstolos que proclamam a Palavra – dá à luz Jesus, Palavra de Deus, conteúdo da proclamação apostólica. Caminha connosco como mulher solidária, porque oferece o seu ser, a sua intercessão e os seus santuários para atender as nossas necessidades.
Caminha como nova Arca da Aliança, habitada pela Palavra viva de Deus, e como serva do Senhor que, pela sua escuta e obediência, tem a experiência de grandes coisas que o Poderoso faz nela e com ela. Ela é sobretudo modelo do discípulo missionário que abre a sua vida ao acontecimento salvífico trinitário.
Maria, a mãe da Igreja, acompanha os apóstolos e discípulos em Pentecostes. Com eles espera a luz plena que provém do Espírito (cf. Jo 14, 25; 16, 13). Como eles, realiza o processo característico de uma fé que cresce na compreensão e prática do projecto salvador do Pai (cf. Lc 8, 15.21).
Mas há outro aspecto muito importante que não posso deixar de mencionar: a Virgem de Fátima trouxe-nos a mensagem do Santo Rosário que não passou de moda, como pensam alguns.
O rosário abrevia o essencial do Evangelho e coloca-o profundamente em nós, até que no coração se sinta o eco da Boa Nova de Deus. É como uma semente que se coloca no sulco e germina, cresce, amadurece, até que dá frutos de vida: os frutos do Reino.
O rosário é uma oração que não se limita à simples repetição, como se estivesse carecida de criatividade, é antes como uma roda de moinho de água, que em cada movimento sempre traz algo de novo.
O rosário é como o búzio marinho que capta em si o eco de todo o canto do mar. Nunca nos cansamos de ouvi-lo, quando o colocamos nos nossos ouvidos.
O rosário é como a coroa de flores que os príncipes colocavam na fronte das suas amadas. Cada rosa e cada gesto é uma bela poesia de amor. É assim como nós tomamos esse rosário – ou coroa de rosas – para ir ao encontro de Jesus e de Maria, no amor da Santíssima Trindade.
Por isso, Paulo VI dizia que, “se o rosário não for uma oração contemplativa, é um corpo sem alma, um cadáver” (Marialis Cultus, 47).
Por isso, orar com o rosário é muito mais do que parece à primeira vista. O importante do rosário é que, limitando a oração a poucas palavras, repetidas lentamente, o coração vai absorvendo no seu interior a luz de Deus que brilhou em Maria e somos assim conduzidos ao serviço ao mundo que a caracterizou.
O rosário, em síntese, centra-se na contemplação do Evangelho em comunhão com Aquela que guardava todas estas coisas, meditando-as no seu coração (Lc 2, 19).
Em cada dezena do rosário repousamos amorosamente as agitações da nossa respiração até que suscite no nosso coração orante uma dinâmica interior que remova da nossa vida as suas inércias e nos ponha a voar alto nas profundidades de Deus.
Por último: no mais recente Sínodo dos Bispos sobre a Palavra de Deus na vida da Igreja, somos exortados a dar cada vez mais importância à leitura orante da Palavra de Deus. Aqui, também encontramos a oração bíblica da Ave-Maria, como uma escola de oração que acompanha o exercício espiritual da “Lectio Divina”.
A “Ave-Maria” é uma escola de oração bíblica.
Se tomamos consciência do valor de cada uma das suas palavras, a nossa oração crescerá mais pelas rotas do Espírito.
Não necessitamos de uma palavra que sirva de “manancial” inicial, porque esta já foi dada no “Pai-Nosso”, com o grito “Abbá”, o qual permanece no horizonte de toda a oração cristã.
Com a “Ave-Maria” o que fazemos é um aprofundamento.
Como o “Pai-Nosso”, a “Ave-Maria” tem dois movimentos que reproduzem o palpitar do coração: o duplo movimento oracional do louvor e da súplica.
O primeiro movimento é de louvor e começa com o “Ave Maria”. O segundo movimento é de súplica e começa com o “Santa Maria, Mãe de Deus”.
O mais belo é que, enquanto nos dirigimos a Maria em louvor e súplica, ao mesmo tempo, juntamente com Ela, nos dirigimos a Jesus, que é o motivo do nosso louvor e o fundamento de toda a invocação. Revivemos com Maria os mistérios salvíficos do seu Filho e com Ela os meditamos no nosso coração.
Ao mesmo tempo, juntamente com Ela, podemos pedir juntos a intervenção do Senhor pelas nossas necessidades particulares.
É interessante e sempre novo: trata-se de um exercício espiritual tremendo. Com este tipo de oração tão privilegiado, o nosso coração vive uma tripla atenção: a Maria, a Jesus e às necessidades actuais de todas as pessoas. Por isso, é algo actual e nunca passará.
Que Nossa Senhora de Fátima, que concebeu primeiro a Jesus Cristo no coração e depois nas suas entranhas, continue sendo mãe e modelo de fecundos discípulos missionários na Igreja de Portugal e de todo o mundo e nos guie nos novos caminhos pastorais e espirituais para que de todos nós, que tanto veneramos a sua Santíssima Mãe, tenhamos vida em Jesus Cristo. Ámen.
Santuário de Fátima, 13 de Maio de 2009.
Óscar Andrés Rodriguez Maradiaga, S. D. B.
Cardeal Arcebispo de Tegucigalpa, Honduras