segunda-feira, 21 de setembro de 2009

“ no confessionário, não devemos dar demonstrações de cultura, nem devemos dar prolongadas explicações, senão arruinamos o que o Senhor está operando"



É o Senhor que opera

Assim recomendava padre Leopoldo Mandic, o confessor da misericórdia de Deus

de Stefania Falasca

Uma das últimas fotos de padre Leopoldo Mandic
Confessar-se com ele demorava pouco. Aliás, muito pouco. Jamais se prolongava com palavras, explicações, discursos. Aprendera no Catecismo de São Pio X que a brevidade é uma das características de uma boa confissão. Mesmo assim o seu confessionário foi por mais de 40 anos uma espécie de porto de mar para as almas. Eram muitas as pessoas que o frequentavam, que assiduamente o frequentavam. Padre Leopoldo estava sempre ali, doze, treze, quinze horas por dia. Confessava e absolvia oves et boves, isto é, todos. E da sua amável delicadeza, da sua simples humildade, confiante na infinita misericórdia de Deus e na ação da graça que age através dos sacramentos, são testemunhas todos os que o conheceram. A sua pequena cela-confessionário ficou como era, ali onde se encontra até agora, ao lado da igreja de Santa Cruz, no convento dos frades Capuchinhos em Pádua. Uma pequena peça com todas as poucas coisas que fizeram parte da sua vida: um genuflexório, um crucifixo, uma imagem de Nossa Senhora, a estola, a cadeira. Nem mesmo a fúria dos bombardeios, que em maio de 1944 destruíram a igreja e o convento, conseguiu demoli-la. De toda a destruição apenas aquele confessionário ficou milagrosamente ileso. Dois anos antes da sua morte, que se deu a 30 de julho de 1942, padre Leopoldo, confidenciando a um amigo, profetizara os bombardeios que teriam atingido Pádua. “E este convento?”, perguntou aquele senhor; “padre, também este convento será atingido?”. “Infelizmente, também o nosso convento será duramente atingido”, respondeu padre Leopoldo com um fio de voz. “... Mas esta pequena cela não, esta não. Aqui o Patrão Deus dispensou muita misericórdia às almas... deve continuar como monumento da Sua bondade”.
Leopoldo Mandic foi proclamado santo a 16 de outubro de 1983. Elevado vox populi às honras dos altares. Desde a sua morte até a sua canonização transcorreram apenas 41 anos: uma das canonizações mais rápidas do nosso século.

De nobre estirpe bosniana
Nascido em 1866 na Dalmácia, em Castelnuovo di Cattaro, Adeodato Mandic era de nobre estirpe bosniana. Mudou seu nome para frei Leopoldo ao entrar no seminário dos frades Capuchinhos em Bassano del Grappa. Foi ordenado sacerdote aos 24 anos e a partir deste momento, primeiro em Veneza e depois em Bassano, Thiene e, em 1990, definitivamente em Pádua, empregou toda a sua vida atendendo ao sacramento da penitência. Para os seus superiores não podia fazer outra coisa: com um 1,38 metros de estatura, constituição muito frágil, vacilante e trêmulo ao caminhar... Fisicamente não era nada e ainda tinha problemas com a língua, falava “esdrúxulo” isto é, sem as sílabas finais, e esta limitação era mais perceptível quando rezava ou devia repetir as fórmulas, tanto que em público não podia dizer nem mesmo um “oremus”. O que não é pouco para uma ordem de pregadores como a dos Capuchinhos! “Muitas vezes”, lembrou um seu confrade num processo, “ele mesmo se supreendia pois vinham confessar-se com ele professores universitários, homens importantes, pessoas muito qualificadas, logo ele, ‘um pobre frade’; e tudo isso ele atribuía, com grande humildade, à graça do Senhor que por meio dele, ‘mesquinho ministro cheio de defeitos’ se digna em fazer o bem às almas”. Todos os que o conheceram lembram desta sua sincera humildade, cheia de reconhecimento e gratidão. Em Pádua, ao anoitecer de um dia de Páscoa, um jovem sacerdote encontrou padre Leopoldo que quase não conseguia ficar em pé pelo cansaço das muitas horas passadas no confessionário. Com um tom de filial compaixão disse-lhe: “Padre, como o senhor deve estar cansado...”; “e como deve estar contente...”, continuou ele com suavidade. “Agradecemos ao Senhor e pedimos-lhe perdão, porque dignou-se permitir que a nossa miséria tivesse contato com os tesouros da sua graça”.
Na frente da portinhola do seu confessionário, todos os dias, um numeroso grupo de pessoas de todas as classes sociais ficavam ali aguardando-o. Analfabetos e rudes camponeses, profissionais liberais, sacerdotes e religiosos, magnatas da indústria e professores, todos esperavam em silêncio a sua vez e padre Leopoldo acolhia todos sempre com a mesma dedicação, a mesma discrição delicada, especialmente os que se reaproximavam à confissão depois de muito tempo. “Eis-me aqui, por favor entre, se acomode... sabe, eu o esperava ...”: foi o que ouviu um senhor de Pádua que há muitos anos não se aproximava dos sacramentos. E ele estava tão nervoso e confuso que, ao entrar no confessionário, ao invés de ficar ajoelhado sentou-se na cadeira do padre; padre Leopoldo não disse nada e ficou ajoelhado no lugar do penitente, ouvindo assim a sua confissão. E a sua delicadeza era atenta em não humilhar inutilmente, compreensiva com a fragilidade humana: “Não tenha medo, veja, também eu, embora frade e sacerdote, sou tão mísero” disse a uma outra pessoa. “Se o Patrão Deus não me tomasse pelas rédeas faria pior do que os outros... Não tenha nenhum temor”. E a um outro que tinha grandes culpas a serem confessadas mas mas tinha muita dificuldade para desabafar, dizer suas misérias: “Todos somos pobres pecadores: Deus tenha piedade de nós...”. Disse-lhe com um tom tão particular que o homem sentiu-se imediatamente encorajado em se acusar com sinceridade. Muitas vezes repetia aos penitentes: “A misericórdia de Deus é superior a toda a expectativa”, “Deus prefere o defeito que leva à humilhação do que a perfeição orgulhosa”.

A igreja e o convento dos Capuchinhos, em Pádua, fotografados antes da destruição, no bombardeio aéreo de 14 de maio de 1944
“Não destruamos com as nossas explicações o que o Senhor opera”
Crendo firmemente na eficácia da graça que o próprio Senhor comunica por meio dos seus sacramentos, padre Leopoldo em apenas um ponto foi sempre irremovível: a brevidade da confissão. Algumas vezes, é claro, nos dias de pouco movimento, detinha-se com uma pessoa, talvez por meia hora, ou porque se interessava pelos seus estudos ou o seu trabalho ou para ficar com os clérigos ou as almas que o queriam como orientador espiritual. Mas a confissão, como tal, era sempre breve. E os penitentes testemunham esta sua brevidade e simplicidade de palavras. Um bispo de Pádua escreve: “A confissão com o padre Leopoldo era ordinariamente muito breve. Ele ouvia, perdoava, não muitas palavras, muitas vezes também em dialeto quando se dirigia a pessoas não instruídas, algum lema, um olhar ao crucifixo, algumas vezes um suspiro. Sabia que em via ordinária as confissões longas são negativas para a dor, e são, muitas vezes, satisfação de amor-próprio, portanto sobre a modalidade da confissão detinha-se no que era indicado no catecismo da doutrina cristã”. Numa carta endereçada a um sacerdote, padre Leopoldo escreve: “Perdoe-me padre, perdoe-me se me permito... mas veja, nós, no confessionário, não devemos fazer demonstrações de cultura, não devemos falar de coisas superiores à capacidade de cada alma, nem devemos nos prolongar em explicações, senão, com a nossa imprudência, arruinamos o que o Senhor está operando. É Deus, somente Deus que opera nas almas! Nós devemos desaparecer, nos limitar a ajudar esta divina intervenção nas misteriosas vias da sua salvação e santificação”.
Exortava sempre para que os seus penitentes tivessem fé, para que rezassem, para que se aproximassem com freqüência aos sacramentos. Mas não é necessário dizer que nas penitências, o pequeno frade, era magnânimo e dizia aos que reclamavam porque as dava fáceis: “Oh é verdade... e depois precisa que eu satisfaça... mas é sempre melhor o purgatório do que o inferno. Se os que vêm até nós para se confessar, e recebem de nós pouca penitência terminando por ir ao purgatório, se recebessem uma grande penitência não correriam o risco de desistirem e terminarem indo ao inferno?”. E assim ordinariamente dava por penitência três Ave Marias e três Gloria Patri. Pouco dava aos leigos afastados da vida da Igreja e pouco dava também às almas que para sua vocação têm tantas orações para rezar todos os dias. Um dia, um sacerdote perguntou-lhe se não era o caso de satisfazer a vontade de uma jovem que queria carregar consigo algum instrumento de penitência. O bom padre logo lhe respondeu que não era por nada um desejo a ser satisfeito. “Desculpe-me, padre, o senhor não a conhece: não é uma alma qualquer, é uma alma de ouro, séria...”. E padre Leopoldo continuava mais decidido que nunca na sua recusa. E o outro insistia. Então o prudente confessor fez a pergunta: “Permita-me, permita-me: o senhor usa o cilício?” “Não!”. “E então? Caro padre, acostumemos os penitentes a obedecerem os mandamentos de Deus e ao seu dever. Têm o bastante, têm o bastante! E basta de caprichos!”.
Padre Leopoldo era também magnânimo na absolvição: não a negava realmente a ninguém. E aquelas raríssimas vezes que negou, arrependeu-se para sempre. Alguns dias antes de morrer um sacerdote perguntou-lhe: “Padre, houve alguma coisa que lhe causou muita amargura?”. Ele respondeu: “Oh! Sim... infelizmente sim. Quando eu era jovem, nos primeiros anos de sacerdócio, neguei por três ou quatro vezes a absolvição”.

A parte externa da cela-confessionário de padre Leopoldo, que ficou intacta depois do bombardeio que destruiu a igreja dos capuchinhos em Pádua, em 1944
“Que repousem... eu rezarei por eles”
Todos o conheciam pela sua bondade: el padre Leopoldo, o benedeto! Queo si ch’el xe bon! L’è un santo diziam as pessoas. Tanto que quando em 1923 os superiores o transferiram a Fiume, para o povo de Pádua foi um dia de luto municipal. Mas pediram tanto, insistiram tanto, que os superiores tiveram de voltar atrás nas decisões tomadas e em breve tempo trazê-lo de volta a Pádua. Também os jovens clérigos gostavam muito dele. Em 1910, um ano depois da sua chegada em Pádua, com efeito, padre Leopoldo foi nomeado diretor dos clérigos do seminário maior dos Capuchinhos. Cargo no qual logo foi exonerado. Um seu confrade conta: tinha um grande afeto pelos seminaristas e mostrava-se muito paterno com eles. Procurava sempre dar-lhes coragem solicitando-os na esperança. A nossa regra era muito severa. A uma da madrugada levantava-se para rezar as matinas e no inverno, com o rígido frio, era difícil... E ele pensava naqueles jovens coitadinhos... Mais de uma vez, lembro que padre Leopoldo ia até o Superior para que antecipasse o ofício das matinas para a noite precedente: ‘Superior, esta noite fará muito frio...’. ‘Mas padre, a temperatura não desceu abaixo de zero’. ‘Oh, mas esta noite, descerá...’. ‘Deixemo-los dormir’, dizia ao superior, “que repousem... eu rezarei por eles’. E cuidava para que estivessem bem de saúde, que comessem bem, que não fossem repreendidos pelos superiores por alguma descortesia durante as refeições, como era costume fazer”. Escreve o então superior dos Capuchinhos: “Sabendo o quanto eu lhe queria bem, tinha uma grande confiança em mim e muitas vezes me dizia: ‘Padre provincial, se o senhor me permite, cuidado para não afligir a consciência dos frades, principalmente os jovens frades, com prescrições que não sejam mesmo necessárias, porque, veja, depois deve-se cumprir as prescrições dos superiores. Se não são mesmo necessárias são um embuste para os fracos... Perdoe-me, perdoe-me...”.
De quanta misericórdia e de quanto amor fosse capaz o coração do pequeno frade, mesmo para os que não o mereciam, é dito por esta dolorosa circunstância que se refere a um clérigo expulso bruscamente do convento por ter cometido, deliberadamente, atos muito graves. Quem conta é um sacerdote: “Ao chegar ao convento, encontrei padre Leopoldo que tinha saído há pouco do hospital. Chamou-me no seu confessionário e me implorou, em nome de Deus, para que acolhesse aquele coitado e que pedisse ao superior da casa para que o tratasse bem para salvando-lhe, ao menos a fé. Chorando, disse-me várias vezes: ‘Seja salva a fé, seja salva a fé!’. Depois meio gaguejando pela excessiva emoção, continuou: ‘Diga, diga àquele coitado que rezarei por ele. Diga-lhe que amanhã na santa missa lembrarei dele, não... ao contrário, diga-lhe que celebrarei toda a missa por ele e sempre o abençoarei. Diga-lhe que padre Leopoldo gosta muito dele, sempre!...”. Eu também fiquei comovido ao ouvir um coração tão repleto de caridade evangélica. Somente as mães encontram expressões tão dolorosas quando um filho pervertido se afasta delas”. Mas, enquanto isso, para alguém, esta bondade sem medida, parecia excessiva condescendência, e começou a torcer o nariz.

Padre Leopoldo na sua cela-confessionário
Paron benedeto, foi o Senhor quem me deu este mau exemplo”
Assim começaram as críticas pela indulgência com que tratava os penitentes, mesmo os mais incorrigíveis na culpa, pela generosidade do perdão. Repreendiam-no por ser muito rápido nas confissões satisfazendo-se até mesmo da acusação sumária, a ponto de acusá-lo de laxismo de princípios morais. Por isso, aos clérigos, foi abertamente desaconselhada a confissão com ele. As críticas chegaram aos ouvidos do pequeno frade e um dia um sacerdote lhe disse: “Padre, mas o senhor é bondoso demais... deverá prestar contas ao Senhor!... Não teme que Deus lhe peça as razões de tanta indulgência?”. E padre Leopoldo indicando o crucifixo disse: “Ele nos deu o exemplo! Não fomos nós que morremos pelas almas, mas foi Ele quem derramou o Seu sangue divino. Portanto devemos tratar as almas como Ele nos ensinou com o Seu exemplo. Por que devemos humilhar mais ainda as almas que vêm prostrar-se aos nossos pés? Já não estão bastante humilhadas? Por acaso, Jesus humilhou o publicano, a adúltera, a Madalena?”. E abrindo os braços acrescentou: “E se o Senhor me repreendesse por excessiva indulgência poderia lhe dizer: ‘Paron benedeto, foi o Senhor quem me deu este mau exemplo, morrendo na cruz pelas almas, movido pela sua divina caridade’”.
“Dizem que sou bondoso demais” escreve a um sacerdote seu amigo, “mas se alguém vem ajoelhar-se diante de mim, esta não é uma prova suficiente de que quer o perdão de Deus?”.
As críticas foram logo deixadas de lado. O então cônego teólogo de Pádua, D. Guido Bellincini, logo enviou uma carta ao convento de padre Leopoldo: “É grande a indulgência do vosso coração, caríssimo padre, que não é laxismo de princípios morais, mas compreensão da fragilidade humana e confiança nos inexauríveis tesouros da graça: que não é condescendência ou indiferença às culpas, mas longanimidade concedida ao pecador, para que não desespere das suas possibilidades de recuperação e se confirme nos bons propósitos. Agradecemos a Deus que faz as coisas certas: quis que fosse confessor e juiz um simples homem e não um anjo do céu. Que problema se nosso confessor fosse um anjo! Quanto seria rigoroso e terrível! O homem, ao invés, entende o homem, e os sacramentos são para os homens!”.
Em maio de 1935, padre Leopoldo comemora seus 50 anos de vida religiosa. Foram muitas as manifestações de afeto recebidas naquele dia. Jamais pensou que seria tratado assim, ele que era a discrição em pessoa. Honor sequitur fugientes! De fato, nunca, nem em vida nem depois da morte, a fama de santidade causou em torno da sua figura publicidade clamorosa ou fanatismo. E os dons extraordinários e as grandes obras que por meio dele o Senhor dignou-se a cumprir, aconteciam em silêncio, sem que quase ninguém se desse conta. Tanto que muitos dos seus próprios confrades, como testemunharam no processo, se deram conta somente depois da morte: “Eu mesmo nunca teria acreditado, porque durante a sua vida nada parecia extraordinário. Padre Leopoldo era um frade exemplar, mas nada mais do que isso”.
Por aquele “nada mais do que isso” muitos obtiveram dele, mesmo quando estava vivo, graças e milagres, muitos “peixes grandes” o arrependimento até o dom das lágrimas, muitos inominados passaram por aquela pequena porta do seu confessionário... Muitos recordarão por toda a vida aquele abraço, aquele olhar... E ele confiava todos a Maria, aquela que obteve perdão por tudo antecipadamente. Quantas horas da noite passou rezando por aquelas almas? Quantas vezes o padre guardião o encontrara antes do amanhecer ajoelhado no chão, na penumbra da capela diante da estátua de Nossa Senhora? Por ela fazia gestos de ternura infantil e a beijava e a implorava com lágrimas nos olhos, como um menino.
Nos últimos tempos, doente, com câncer no esôfago, as orações à sua “cara Parona celeste” foram ainda mais comoventes: “Tenho grande necessidade”, escreve a um amigo, “que Ela, a minha doce mãe celestial, digne-se a ter piedade de mim. O Seu coração de mãe se digne a olhar a este coitado; se digne a ter piedade de mim”. E aos seus confidentes pedia para que rezassem por ela para que o sofrimento provocado pela sua doença não o impedisse de fazer as confissões: “E suplique a Ela”, pedia, “suplique ao Seu coração de mãe que eu possa servir humildemente Cristo Senhor segundo a natureza do meu ministério até o fim... Tudo, tudo pela salvação das almas... Tudo para a glória de Deus!”.
No alvorecer do dia 30 de julho quis celebrar a missa, mas pela sua fraqueza foi levado à cama. Sentindo que suas forças estavam abandonando-o pediu aos seus confrades para que rezassem a Salve Rainha. Nos versos finais levantou os olhos cheios de lágrimas... Dulcis Virgo Maria, oh doce Virgem Maria. Este foi o seu último suspiro. Na noite anterior tinha confessado 50 pessoas! A última à meia-noite.

fonte:30 dias