quinta-feira, 13 de março de 2014

Um ano com Francisco. Um ano de sobressaltos.

Um ano com Francisco. Um ano de sobressaltos.

Por Pe. Cristóvão
“Quando Pedro foi a Antioquia,
eu o enfrentei em público,
porque ele estava claramente errado”

(Gal. II,11)
Fratres in Unum.com - Assim como um náufrago, como sobrevivente a uma catástrofe naval, me sinto após um ano com Francisco. A cada manhã, um desassossego pelo que poderá vir. Uma entrevista?, uma declaração ambígua?, um “pito” homilético?, uma rotulação?… E tudo, tudo!, entre os aplausos histéricos da mídia anticatólica! Nunca um papa foi tão amado pelos inimigos de Cristo!!!
Papa Humes 2
De fato, a revolução chegou ao papado, e a instabilidade se tornou o protocolo no vértice da Igreja.
Pseudo-profetas
Sempre desconfiei de quem “chuta”, acerta e, por fim, se autodenomina profeta. Contudo, certos “chutes” são demasiadamente certeiros; tão certeiros que deixam de parecer “chutes”.
Poucos se deram conta, mas, quatro dias – quatro! – após a renúncia de Bento XVI, um político italiano, Mario Staderini, secretário do Partido Radical (que se define anti-proibicionista e, por isso, trabalhou na legalização do divórcio, aborto etc.), fez a seguinte declaração numa entrevista na Radio Radicale:
“Pergunta. Esta foi também a semana da abdicação do papa. Você, que tem uma atenção menos teológica em relação às coisas do Papa, o que pensa daquilo que aconteceu no Vaticano?
Vou lhe surpreender. Creio que existam duas estradas que temos adiante: ver esta abdicação como algo de valor dessacralizante da figura do papa ou, como diz Giuliano Ferrara, como algo que levará a fortalecer e animar o magistério de Ratzinger e também o anterior. Penso uma coisa: o verdadeiro desafio para o próximo Papa será o de libertar a Igreja do poder temporal, daquele imenso poder econômico e político que deriva de ser ela a maior proprietária imobiliária do mundo e de ter alguns impérios financeiros e econômicos. Daquele poder que determinou as lutas pelo controle, um poder que está em grau de condicionar os Estados, de corromper os Estados, mas sobretudo à própria Igreja. Por isso, creio que o próximo papa deva se chamar Francisco I, como São Francisco, o pobrezinho de Assis, que se libertou de todas as suas posses para viver melhor segundo o Evangelho, ao invés de viver segundo a Igreja de Roma. Francisco I teria este significado e creio que seja o auspício máximo que se possa fazer neste momento. Haverá também um motivo pelo qual há 800 anos após a morte de São Francisco nenhum papa tenha decidido chamar-se Francisco, e o entendo também porque seria difícil andar por aí com o nome do símbolo da pobreza enquanto se continua a ser o maior proprietário de coisas. Creio que este, então, será o desafio do próximo Papa, e este não é tampouco algo irrealizável. Por exemplo, se poderia converter todo o patrimônio do Vaticano em um grande fundo para benefícios universais, a ser confiado eventualmente à ONU em forma de depósito, no sentido de que, se a ONU se comportasse mal, seria retomado, segundo as regras do direito internacional; um grande fundo que tenha como objetivo garantir o direito humano a viver sem a miséria, e creio que ninguém melhor que a Igreja poderia dar início a isso, com a condição, porém, de se separar daquela que foi nestes anos a verdadeira causa que destruiu a própria possibilidade de se ocupar da religiosidade, antes que simplesmente continuar a falar de moral e sobre a vida das pessoas. Creio que seja este um desafio importante que poderia, depois, ter reflexos positivos sobre os Estados. Façamos um exemplo: todos sabem o que penso do “oito por mil” (quota dos impostos que o Estado redistribui, à escolha do contribuinte, às instituições religiosas, ndt), mas, de Francisco I, eu esperaria que dissesse ao Estado Italiano que este dinheiro alimente diretamente este fundo. Antes, melhor ainda: a garantia será que, se o Estado continuar dando-o à Igreja Católica, esta se ocupará de depositá-lo neste fundo. Então, bem-vindo, eu espero Francisco I”.
Quatro dias depois da renúncia de Bento XVI. Vinte e cinco dias antes da eleição de Francisco. Estranho. Mais estranho ainda é que estas palavras tenham sido retiradas do site da Radio Radicale, e possam apenas ser visualizadas em cache.
Também foi estranha a “profecia” de Leonardo Boff, que, em sua conta do twitter, chegou a anunciar o nome de Francisco, embora errando sobre quem seria o eleito. Ele também “adiantou” vários passos do programa de seu pontificado. Não erra nunca este Boff!… Profeta? Chutador de sorte? Insider information? Como diriam os italianos, chi lo sa?
Entusiasmo das massas
Entretanto, não deixa de causar estranhamento o entusiasmo apaixonado infundido com todo zelo “apostólico” pela mídia que, convenhamos!, é tudo, menos uma devota amante do Romano Pontífice.
O fenômeno quase hipnótico causado pelo compulsivo noticiamento de todos os atos de Francisco, mesmo dos mais repetidos e banais, gerou um autêntico fenômeno midiático que, contrariamente a uma autêntica convicção de fé, cria apenas a admiração por um personagem artificialmente forjado, por uma figura mitificada enquanto viva, por alguém cuja imagem é cuidadosamente apresentada ao culto do povo, em suma, por um papa-star, com direito inclusive a uma revista de fofocas, tipo “Contigo”, totalmente dedicada a ele. Mas… em troca de que?…
Fiéis rezam na Catedral de Buenos Aires após o anúncio da eleição do Papa Francisco.
Fiéis rezam na Catedral de Buenos Aires após o anúncio da eleição do Papa Francisco.
A propósito, notemos, isto se deu desde o primeiro instante, sem o mínimo resvalo. De repente, os repórteres se transformaram em evangelistas; e a Igreja, de repente, deixa todos os seus supostos escândalos de lado, e todos começam a viver em função de… um homem.
Papa versus Francisco
Sim!, não me engano quando digo que a Igreja está vivendo em função de um homem, pois, enquanto Francisco ostenta sua humildade, e o faz com uma autoproclamação narcísica retumbante, vai insuflando sua pessoa, enquanto demole o papado católico. Francisco, sim; o Papa, não.
Houve até um bispo, presidente da Conferência Episcopal Polonesa, que não aguentou o baque, e disse mesmo: “Com o Papa, se combate hoje, na Polônia, contra os bispos: Papa Francisco bom, bispos maus; Papa Francisco, sim; bispos e Igreja na Polônia, não”. É o resumo da ópera. Alguém, que deveria se sacrificar no pontificado, ocultando o seu “eu” para que nele resplandecesse o Sucessor de Pedro, o Vigário de Cristo, imola o sumo pontificado em homenagem a si mesmo.
“Darás a vida por mim?
Ainda hoje, me negarás três vezes”
A vaidade nada franciscana de Francisco transparece em todo o seu cuidado por não parecer incômodo e amigo do crucificado, do rejeitado pelo mundo. Não! Francisco não quer a cruz, quer a glória!
Por isso, desfila entre as personalidades mais homenageadas. Nunca se viu um papa tão amado por comunistas, abortistas, ateus, gaysistas, ecologistas e até…, pasmem!, roqueiros satanistas. Francisco é uma unanimidade, como raramente se deu.
Infelizmente, nós, católicos, precisamos assistir o triste espetáculo de um papa que se desentende dos “valores inegociáveis”, para a alegria dos relativistas. Claro, elogia o predecessor! Mas, sabem quem construiu a expressão que Francisco diz não entender? Adivinhem. Nada mais, nada menos que… Bento XVI. Esta expressão foi cunhada por ele num discurso dirigido ao Parlamento Europeu, e se tornou uma categoria utilizada em muitos importantes debates de relevância pública. Mas, compreendamos, Francisco estava desinformado.
Desgraçadamente, Francisco se exime em falar dos temas mais espinhosos, cria expectativas de uma revolução doutrinal tocando o santo sacramento do matrimônio e a Santíssima Eucaristia, se comporta como alguém que está acima da doutrina, com aquela superioridade típica dos progressistas alla Kasper, que se consideram superiores à tradição da Igreja por estarem imantados por uma áurea sacra de modernidade, regra e medida de tudo o mais. Leviano, dá a impressão de que tudo é mutável, enquanto ele mesmo se impõe com sua autoridade, fazendo de seu próprio arbítrio o padrão para o resto.
“Apascenta o meu rebanho”
De fato, poucos papas foram tão autoritários como Francisco. Canonizações, faz por decreto, dispensando milagres e cerimônias. A humildade, usa diante das câmeras, mas, na prática, faz tudo aquilo que quer. Nomeia Mons. Ricca, ligado ao lobby gay; é publicamente alertado; mas, nomeado estava, nomeado ficou. Aliás, Francisco é infalível. Nenhum Papa é tão infalível quanto ele.
Deste rebanho, Francisco se sente o dono, não o vigário do dono. Por isso, trata com tanta ligeireza o que é grave, prega como um pároco, sem medir suas palavras, nem considerar o seu alcance. Na entrevista à Globo, disse que era um “inconsciente”. E, de fato, tem demonstrado que o é, mesmo!
Os pobres de Francisco
“Pobres”. Palavra que sempre aparece à boca de Francisco. Contudo, que pobres são esses? Os mendigos, moradores de rua, os pobres das praças da vida?… Não! Os pobres de Francisco são os pobres dos “intelectuais orgânicos”, das ONGs, da ONU.
Sobre estes pobres escreveram-se bibliotecas, distribuíram-se doutorados, gastaram-se milhões em conferências, enquanto eles estão cada dia mais pobres. Na boca de Francisco, “pobre” soa demagogia, populismo. Talvez por isso ele foi indicado para receber o Prêmio Nobel da Paz.
A caridade cristã nunca foi retórica, sempre foi prática e, por isso, pouco loquaz, porque muito ocupada em fazer, pois sabe-se que a perda de tempo equivale à perda de vidas.
A fé de Pedro
Diante de palavras tão severas, o leitor brasileiro, viciado em rotular pessoas por suas posturas, tentará colocar-me entre os inimigos do papa reinante. Se o fizer, errará. Meu sentimento, é o mesmo de Cristo:
“Simão, Simão, eis que satanás pediu insistentemente para vos peneirar como trigo; eu, porém, roguei por ti, a fim de que a tua fé não desfaleça. Quando, porém, te converteres, confirma teus irmãos” (Luc. XXII,31-32).
A palavra aqui traduzida por “desfaleça”, ekleipo, fala de omissão, falha, morte, cessação. Fala, portanto, de uma fé que se esvaiu…, porque a fé de Pedro pode definhar. E nós temos de estar preparados para esta eventualidade que, atualmente, não é apenas teórica.
Ao mesmo Pedro que disse Cristo: “bem-aventurado és tu, Simão, filho de Jonas, porque não foi carne ou sangue que te revelaram isso, e sim meu Pai, que está nos céus. Também eu te digo que tu és Pedro, e sobre esta pedra edificarei minha Igreja, e as portas do inferno não prevalecerão contra ela” (Math. XVI,17-18), versículos depois diz “afasta-te de mim, satanás! Tu me serves de pedra de tropeço, porque não pensas as coisas de Deus, mas as dos homens” (Math. XVI,23).
De pedra de fundamento para pedra de tropeço deu-se apenas um passo: de pensar segundo Deus para pensar segundo os homens. As portas do inferno nunca prevalecerão contra a Igreja, mas Pedro pode ser chamado de satanás, quando se afasta da confissão de fé, que se faz o fundamento da Igreja.
No fundo de tudo isso, permanece a oração de Cristo, cuja única intenção é clara: “para que a tua fé não caia”. É a fé que precisamos conservar, é ela que nos norteará na confusão e será o nosso porto seguro, pois “sem fé, é impossível agradar a Deus” (Heb. XI,6).
Portanto, compete-nos rezar pelo Papa, a fim de que esteja alicerçado na fé, não em suas opiniões pessoais, nem muito menos na simpatia mundana, e, quando sua fé desfalece, não hesitarmos em ter as mesmas atitudes de São Paulo: “quando Cefas veio a Antioquia, eu o enfrentei abertamente, porque ele se tornara digno de censura”.
Na senda dos Santos
Foi com esta piedade firme e sem anonimato que Deus conduziu a Igreja em tempos de crise. Nisso, resplandece Santa Catarina de Sena, cujo amor sublime ao Papa chegava à tão arroubados transbordamentos que lhe faziam chamá-lo de il dolce Cristo in terra, sem anestesiá-la para o dever de censurá-lo e exortá-lo para que cumprisse o seu dever.
Ninguém amava o Papa com tamanha devoção como ela, nem tampouco alguém o repreendia com tanta liberdade e energia, porque tais coisas não são contraditórias senão para quem cultiva o respeito humano como desculpa para a manutenção de seu próprio conforto.
Que os santos de todos os tempos, heróis da fé e da coragem, ensinem-nos a amar, a orar, a reparar… e a resistir, quando isso é necessário.
O dilúvio está forte. O mar, encapelado. A borrasca, terrível. Mas, mesmo em meio a seus destroços, a nau não será tragada. Agarrados às ruínas, creio firmemente que não soçobraremos.