quarta-feira, 30 de dezembro de 2009

CARTA APOSTÓLICA DO PAPA PIO XII AOS CARDEAIS, ARCEBISPOS, BISPOS, SACERDOTES E A TODOS OS QUE SE DEDICAM À OBRA DAS VOCAÇÕES SACERDOTAIS





Veneráveis Irmãos
Saúde e Bênção Apostólica

Volvidos cinco anos após a mensagem que vos endereçámos por ocasião do vosso Congresso Eucarístico, voltamos a dirigir-Nos a vós, Veneráveis Irmãos, movidos da mesma solicitude universal « sollicitudo omnium Ecelesiarum » (1) que Nos levou então a participar daquela extraordinária , manifestação ,de fé. Enquanto o mundo todo ardia no furor duma guerra sem igual, vós vos reuníeis em redor da Hóstia Sacrossanta, entre os esplendores de um dos mais memoráveis Congressos Eucarísticos realizados nessa Nobilíssima Nação, para haurir a vida e a paz que o mundo não pode dar, mas que promana do Coração Eucarístico de Jesus. Presente espiritualmente àquela memorável jornada, Nós Nos dirigimos a vós através do rádio, congratulando-Nos paternalmente convosco e lembrando a recomendação do Apóstolo, « videte vocationem vestram », (2) fazíamos um caloroso apelo à especial vocação da vossa grande Pátria no concerto das grandes Nações Católicas e diziamos da Nossa satisfação ao saber que um dos fins do Congresso havia sido o estudo e a solução prática do problema urgente das vocações sacerdotais no Brasil.(3)

Hoje Nós Nos rejubilamos convosco, Veneráveis Irmãos, ao verificar os ingentes trabalhos realizados em favor dos Seminários Brasileiros e da causa das Vocações em várias dioceses. Nós Nos alegramos convosco, pelos magníficos esforços de tantos devotadíssimos Pastores que à custa de penosos sacrifícios mantêm os seus Seminários florescentes na proficiência dos Mestres, na vigorosa e sadia formação dos levitas, Seminários que já produziram óptimos frutos para a Igreja de Deus.

Contudo, como em negócio de tão grande importância nunca é demais o que fazemos, sendo necessário não parar mas progredir sempre, desejamos que se cultivem intensamente as vocações eclesiásticas para dotar cada dia mais os Seminários do Brasil de muitos e escolhidos jovens. A mesma extraordinária extensão da vossa imensa Pátria e o continuo aumento da população Nos fazem espontaneamente pensar na necessidade de multiplicar o número dos obreiros do Senhor para que em toda a parte e a todo o tempo possam satisfazer às exigências espirituais dos fiéis. A escôlha e a formação dos Sacerdotes « é a mais grave entre as gravíssimas responsabilidades que sobre Nós pesam », (4) e vós compreendeis mui facilmente, Veneráveis Irmãos, o vivíssimo desejo que nutrimos se procure recrutar e educar convenientemente o maior número possível de seminaristas afim de assegurar ao Brasil, em futuro não remoto, um número suficiente de bons sacerdotes. Deixai-Nos repetir hoje aquilo que, quando éramos ainda Cardeal, já dizíamos à Obra das Vocações Sacerdotais de Roma : « A Igreja tem necessidade de sacerdotes ... Oh ! a quanta mocidade, a quantos espíritos hesitantes, a quantas almas angustiadas, a quantos corações desejosos de maior virtude, a quantos infelizes que lutam com a mais triste miséria material e moral sem conhecer o bálsamo da resignação, falta o sacerdote... ».(5)

E como é necessário que as vocações encontrem, para sua tutela e desenvolvimento, ambiente propicio, desejamos ardentemente que se conjuguem todos os esforços para a fundação próxima de novos Seminários onde ainda não existem e para a ampliação dos que felizmente já existem colocando-os em proporção à grandeza e à população das promissoras regiões onde se encontram. Sem Seminário próprio parece-Nos mui dificil possa cada Diocese ou Prelazia ter no dia de amanhã clero diocesano radicado à região, devotado inteiramente à Igreja local. Por esse motivo sem dúvida todos os Sumos Pontífices, desde o Concilio Tridentino, têm insistido tanto na fundação de Seminários em cada Diocese.(6) E se nas atuais circunstâncias não fosse possivel criar na Diocese ou Prelazia o Seminário Menor completo, deveríamos pensar em começar ao menos com o Pre-Seminário ou Seminário Preparatório. Por pequeno que seja este primeiro cenáculo há de agir naturalmente como centro de atracção suscitando, só pela sua presença, interesse e afeto no coração dos fiéis. A ele virão ter com o tempo novos e numerosos pequenos candidatos em demanda de um providencial amparo e de uma inicial orientação para o chamamento divino que, em hora feliz, sentiram.

Mas talvez se pudesse pensar que a dolorosa escassez de vocações não vos permitirá, Veneráveis Irmãos, realizar tão auspicioso desejo. Na verdade não Nos são desconhecidas as inúmeras dificuldades que até hoje têm obstado a um viçoso florescimento das vocações no Brasil. Não desanimemos porém ; o trabalho persistente e organizado há de superar todos os obstáculos, como No-lo atesta a copiosa colheita de candidatos obtida pelo zelo de indefessos Pastores e vigilantes Congregações Religiosas em regiões anteriormente havidas por ingratas e estéreis. Nem podia ser de outro modo. Nosso Senhor que sabe suscitar ainda entre povos pagãos viveiros magníficos de seminaristas indígenas, não havia de olhar paternalmente e providenciar oportunamente a que não escasseiem vocações na Sua Terra de Santa Cruz que desde os primórdios do descobrimento e através de toda a sua gloriosa história não desmentiu nunca os foros de Nação genuinamente cristã ? Será preciso sim dispor os corações para receberem o influxo da graça, principalmente difundindo entre os fiéis o conhecimento da sublime dignidade do Sacerdócio por meio da instrução religiosa, das Associações religiosas, da Acção Católica, da imprensa, do rádio, para que as famílias apreciem a vocação como um grande dom do céu e singular predilecção de Deus e se considerem felizes em consagrar ao Senhor alguns de seus filhos. « A vocação é um grande dom do Céu que entra em casa ; é uma flor desabrochada do sangue do país, rorejada de celestial orvalho, exalando virginal perfume que a família oferece ao altar do Senhor afim de que consuma toda a vida consagrando-a a Ele só e às almas ; vida mais bela do que esta não existe outra neste mundo ».(7)

Nesse amplo trabalho de difusão da causa das vocações muito há de concorrer a Pontifícia Obra das Vocações Sacerdotais que Nós mesmo quizemos criar pelo Motu proprio « Cum Nobis » de quatro de Novembro de 1941. O desenvolvimento desta Obra Providencial em cada Diocese ser-vos-á por certo, Veneráveis Irmãos, de decisivo auxilio para o copioso recrutamento de seminaristas e para a obtenção de maiores meios de subsistência dos Seminários ampliados. É pois com intima consolação que Nos alegramos convosco pelo incremento que, graças a Deus, a Pontifícia Obra das Vocações vem tomando em tantas Dioceses ao mesmo tempo que auguramos seja ela sempre mais desenvolvida e amparada pelo vosso zelo pastoral.

Nem deveis receiar, Veneráveis Irmãos, que o número crescido de alunos venha de algum modo prejudicar a sua primorosa formação sacerdotal nos Seminários. Ao contrário, esse mesmo elevado número de candidatos propiciará aos Superiores particular facilidade de selecção, primeiro e necessário passo para uma bem entendida educação sacerdotal.

Mas a formação não se limitará à escolha diligente dos candidatos. Através de uma « estreita disciplina que precisa ser observada na vida do Seminário e na mesma vida sacerdotal, pois uma justa severidade é absolutamente necessária como preparação e defesa da vida pura e apostólica, especialmente nestes tempos de vida mole e excessivamente livre » (8) dará aos levitas aquela preparação perfeita e completa de ciência sólida, de virtude provada, de piedade profunda que « Deus exige de seus Ministros e o povo espera justamente do Sacerdote ». (9) Formação prudente que, afastando do Santuário toda a sabedoria vã e falaciosa, dê aos futuros ministros do Evangelho, em hábitos de rigorosa ortodoxia, o verdadeiro sentido da doutrina revelada, ,da moral e da espiritualidade evangélicas, e os faça pensar sempre com a Igreja e os aparte de toda a novidade perigosa e os santifique na modéstia e pureza, na obediência e humildade, na fé e piedade.

E aqui desejamos fazer um paternal e afectuosíssimo apelo aos jovens sacerdotes que, apenas concluidos os estudos no Seminário, se atiram com entusiasmo ao trabalho na vinha do Senhor. Queremos dizer-lhes que certamente podem lançar mão de todos os meios modernos de apostolado, mas que seria engano grave fundar as verdadeiras esperanças do ministério sacerdotal em certas novidades que não constituem a solução essencial, a solução que devemos dar, aos graves problemas de hoje. Não será pois o feitio mais moderno do traje, nem certos desembaraços de atitudes e de modos, nem certa tendência por se conformar ao espírito do século, que há de promover os suspirados êxitos do apostolado, mas sim e sempre um intenso amor a Jesus Cristo, modelo sacerdotal ontem, hoje, e amanhã, unido a uma grande caridade e compreensão do próximo. Como S. Paulo será preciso fazer-se « tudo a todos ». (10) Fé e pureza, fortaleza e sacrifício, dignidade e doçura é o que se requer no padre. O espírito profano destoa no sacerdote e aos poucos o torna penoso a si próprio e aos demais que dele perdem a estima e nele já não confiam inteiramente. No meio dos leigos, não como leigo mas como mestre de espirito, deve o padre ser como o raio de sol que desce luminoso do alto sobre a terra sem se tornar terra, sem deixar de ser luz.

Para que os Seminários, Veneráveis Irmãos, possam dar aos levitas este alto grau de perfeição não Nos parece demais repetir-vos as palavras de Nosso Predecessor : « O Seminário é e deve ser o objeto máximo das vossas solicitudes. Dái aos vossos Seminários os melhores sacerdotes e não receeis arrancá-los de outros cargos aparentemente mais relevantes, mas que na realidade não sofrem confronto com esta obra capital e insubstituivel ».(11)

Invocando para a causa das Vocações Sacerdotais no Brasil o olhar complacente da Virgem Mãe Aparecida a Cujo Coração Imaculado consagrastes recentemente toda a Nação, concedemos com todo o carinho e afecto a Vós, Veneráveis Irmãos, aos vossos Sacerdotes, aos vossos Seminários, a todos os que se dedicam à Obra das Vocações Sacerdotais, e à vossa grande e querida Pátria, a Bênção Apostólica.

Dado em Roma, junto de São Pedro, na solenidade do Patrocínio de Sao José, aos 23 de Abril de 1947, IX ano do Nosso Pontificado.

PIUS PP. XII

Notas

(*). A.A.S. XXXIV (1947) pg. 285-289.

1. 2 Cor. 11, 28.

2. 1 Cor. 1, 26.

3. Mensagem Radiofónica no dia 7 de Setembro de 1942: A.A.S. XXXIV (1942) pg. 265 e seguintes.

4. Carta Apostólica ao Episcopado das Ilhas Filipinas do dia 18 de Janeiro de 1939: A.A.S. XXXIV (1942) pg. 254.

5. Discurso pronunciado na Igreja de Trinità dei Monti, em Roma, no dia 31 de Janeiro de 1932 (Poliglota Vaticana, 1944) pg. 18 e 20.

6. Cf. Enchiridion Clericorum, números 97, 218, 254, 275, 383, 543.

7. Discurso por Nós dirigido aos esposos no dia 25 de Março de 1942 (Poliglota Vaticana, 1946) pg. 9.

8. Carta Apostólica ao Episcopado das Ilhas Filipinas do dia 18 Janeiro de 1939: A.A.S. XXXIV (1942) pg. 255.

9. Ibidem.

10. 1 Cor. 9, 22.

11. Carta Encíclica « Ad Catholici Sacerdotii »: Tradução em português (Poliglota Vaticana, 1941) pg. 37.



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