quarta-feira, 17 de março de 2010

Qual é o método mais efetivo para se adotar como paradigma de uma vida santa? Monsenhor José Luiz Villac





Monsenhor José Luiz Villac

Resposta — As almas criadas por Deus são passíveis de uma variedade imensa. Uma alma difere da outra como uma estrela difere da outra em luminosidade: “Stella a stella differt in claritate”, como diz o Apóstolo São Paulo (1 Cor. 15,41). O melhor método para alcançar a santidade é o que mais se adapta a cada alma em concreto, com suas apetências e idiossincrasias, suas qualidades e suas lacunas. Ademais, é preciso levar em conta as dificuldades individuais a enfrentar, bem como as diferenças das épocas em que cada pessoa teve ou tem que viver.

Não obstante essa diversidade, assim como os membros de uma mesma família se parecem, há um “parentesco” de almas que explica a existência de “escolas espirituais”, suscitadas pela Providência de acordo com as apetências dos diversos tipos de mentalidades, bem como adaptadas à variedade dos tempos e lugares.

A espiritualidade dos cristãos está condicionada, entre outros fatores, pelo contexto histórico, tanto da sociedade espiritual, que é a Igreja, como da sociedade temporal

Pensemos na época das catacumbas, em que os primeiros cristãos tinham que provar a sua fidelidade a Cristo pela exposição ao martírio, ao mesmo tempo que deviam cumprir o preceito do Senhor de “pregar o Evangelho a toda criatura” (Mc 16,15), e assim implantar o cristianismo na sociedade pagã do tempo. Resultado este que conseguiram afinal em 313, com o famoso edito de Constantino que deu liberdade à Igreja e praticamente baniu o paganismo, reduzido a um resto.

Livre das perseguições, a Igreja pôde dedicar-se mais amplamente à explicitação da doutrina de Jesus Cristo, o que, como contrapartida, deu azo a que o demônio suscitasse perniciosas heresias, combatidas energicamente pelos grandes Doutores e Padres da Igreja e condenadas por numerosos concílios.

Claro está que não podemos narrar aqui, nem mesmo muito sumariamente, as diversas etapas da História da Igreja. Mencionamos esses primeiros lances apenas para mostrar como a espiritualidade dos cristãos está condicionada, entre outros fatores, pelo contexto histórico, tanto da sociedade espiritual, que é a Igreja, como da sociedade temporal, constituída pelas diversas nações em que os homens se agrupam.

Assim, ao leitor que nos pede a indicação de métodos eficazes de oração e um paradigma para levar uma vida santa, respondemos desde já que qualquer das escolas espirituais que surgiram ao longo dos tempos, sendo acolhidas na Igreja como ortodoxas (isto é, conformes à doutrina do Evangelho) e consideradas aptas para conduzir as almas à santidade, servem também para os fiéis dos nossos dias e podem ser adaptadas para se enfrentar as condições particularmente adversas da sociedade descristianizada em que vivemos.

Neopaganismo: nova era de perseguições

São as voltas da História! Depois de atingir um máximo de esplendor e de influência na Idade Média — não o máximo possível, mas mesmo assim um auge grandioso —, a Santa Igreja foi perdendo influência ao longo dos tempos, atacada de fora por inimigos cada vez mais audazes e corroída por dentro por heresias sutis. Não faltaram santos que opuseram uma tenaz e gloriosa resistência ao avanço do inimigo. Porém, a análise histórica parece mostrar que ainda não estava nos desígnios da Providência conceder à Igreja graças de triunfo pleno, mas apenas “graças de ocaso” — quão valiosas — que retardavam o processo revolucionário sem derrotá-lo completamente. Dir-se-ia que a Providência permitia aos homens — por não quererem seriamente converter-se —resvalar até ver diante de si o vulto completo dos horrores em que a humanidade pode cair quando se levanta contra Deus. Não obstante, tem-se a impressão de que essa abominação está chegando a seu vórtice em nossos dias. Vórtice esse, por sua vez, prefigurativo da abominação das abominações que se dará no fim do mundo, conforme está descrito no livro do Apocalipse.

Que estejamos chegando ao auge de abominação, se vê no fato de que os princípios do Evangelho são espezinhados por toda parte: os partidários do aborto e da eutanásia tornam-se cada vez mais insistentes e audaciosos, em que pese a rejeição da maioria da opinião pública e a corajosa atuação dos movimentos contrários à prática abortiva; a noção tradicional da família vai sendo corroída nas mentalidades, nos costumes e na legislação; já há projetos de lei contra o que se convencionou qualificar pejorativamente de homofobia, etc. Cria-se assim uma situação em que vai sendo proibido ser católico ou, pelo menos, manifestá-lo de público. É uma nova era de perseguições aos cristãos que se desenha no horizonte em grande parte do Ocidente, além de já ser uma realidade em vários países do Oriente, onde a caça aos cristãos lembra a era das catacumbas...

Para essa etapa crucial em que estamos adentrando, cabe-nos indicar uma espiritualidade apropriada, e é assim que interpretamos o pedido do missivista.

Sacralização de uma sociedade dessacralizada

O ideal católico de uma sociedade sacralizada, em que tudo, absolutamente tudo é referido a Deus, que criou o universo à sua imagem e semelhança.

Como é de conhecimento geral, e o Sumo Pontífice atual não tem deixado de assinalar em pronunciamentos importantes, vivemos hoje numa sociedade secularizada. Este é um termo técnico para significar que tudo quanto se refere a Deus e a uma vida futura, na eternidade, vai sendo sistematicamente banido da sociedade em que vivemos –– a única coisa que importa é a vida do presente século, e não a dos séculos futuros, a vida além da morte. Sociedade secularizada é, portanto, uma expressão técnica, asséptica, para designar um fato monstruoso, qual seja a rejeição de qualquer impregnação da idéia de Deus na vida social, familiar e particular. Ela se opõe frontalmente à idéia católica de uma sociedade sacralizada, em que tudo, absolutamente tudo é referido a Deus, que criou o universo à sua imagem e semelhança. Daí também que um embate entre essas duas concepções é absolutamente inevitável.

Não tem, portanto, nenhum sentido indicar para um católico de nossos dias um manual de espiritualidade que ignore esta realidade profunda. Felizmente, estamos em condições de recomendar ao leitor uma obra, lançada há cerca de um ano, que atende precisamente a esta necessidade. Trata-se do livro A inocência primeva e a contemplação sacral do universo, no pensamento de Plinio Corrêa de Oliveira (Edição do Instituto Plinio Corrêa de Oliveira, Artpress, São Paulo, 2008, 320 pp.).

Como o livro define, a inocência primeva — apesar do pecado original — é o estado de harmonia com que a alma saiu das mãos de Deus. Infelizmente, na imensa maioria dos casos, esse estado de harmonia se perde ao longo da vida pelos pecados cometidos, mas é possível recuperar a graça divina pelo sacramento da Penitência e Confissão, como também reabrir a alma para Deus mediante a contemplação sacral do universo.

Em que isto consiste? Ao criar o universo, Deus não poderia deixar de imprimir nele alguma imagem e semelhança de Si mesmo (cfr. Sap. 2,23). Assim, até num grão de areia podemos ver algum vestígio, ainda que mínimo, do Criador. Máxime no homem, do qual diz expressamente a Sagrada Escritura que foi feito à semelhança de Deus (Gen. 1,26).

Segundo o livro que estamos recomendando, a vida do homem nesta Terra consiste precisamente em buscar esses vestígios, imagens e semelhanças de Deus presentes em todos os seres por Ele criados, e dilatar sua alma nessa contemplação. Nisso consiste a contemplação sacral do universo, que tem dois efeitos imediatos: constitui um “método de oração eficaz” e um “paradigma de uma vida santa”, como o leitor queria; e prepara um grupo de almas fervorosas, cuja mente alcandorada em Deus fura a espessa camada de asfalto que o secularismo estendeu sobre o universo inteiro, impedindo os homens de ver o caráter sacral de todas as obras de Deus.

Peço a Nossa Senhora, Rainha sacral do Universo, que conceda essa insigne graça ao distinto missivista.