Um terremoto pastoral no Sínodo.
A Santa Sé divulgou hoje a “Relatio post disceptationem”, o texto feito pelo relator geral do Sínodo, Cardeal Péter Erdő.
Por John Travis | Tradução: Fratres in Unum.com - Em termos pastorais, o documento publicado hoje pelo Sínodo dos Bispos representa um terremoto, o “grande”, após meses de tremores menores.
A relatio post disceptationem lido em voz alta na aula do sínodo, embora defendendo a doutrina fundamental, pede à Igreja que parta dos valores positivos em uniões que ela sempre considerou “irregular”, inclusive a de casais que coabitam, segundas uniões realizadas sem nulidades e mesmo uniões homossexuais.
Sobre os homossexuais, o relatório chegou até a questionar se a Igreja poderia aceitar e valorizar sua orientação sexual sem comprometer a doutrina Católica.
(Ver a atualização abaixo — pedidos de esclarecimento já estão surgindo por parte dos participantes do Sínodo)
Enquanto defende os ensinamentos tradicionais que rejeitam o divórcio e o casamento gay, o sínodo afirmou que a Igreja moderna deve se focar em “elementos positivos” em tais relacionamentos, e não em suas falhas, e abrir um paciente e misericordioso diálogo com as pessoas envolvidas. O objetivo final, é dito, é usar essas “sementes” de bondade para trazer as pessoas mais plenamente para a Igreja.
O relatório resume o desafio pastoral para a Igreja da seguinte forma:
“É necessário aceitas as pessoas em seu ser concreto, saber como apoiar sua busca, encorajar o desejo por Deus e a vontade de se sentirem plenamente parte da Igreja, também da parte daqueles que experimentaram o fracasso e se encontram nas mais diversas situações. Isso requer que a doutrina da fé, o seu conteúdo básico, deve ser gradualmente melhor conhecido, proposto lado a lado com a misericórdia”.
O documento claramente reflete o desejo do Papa Francisco de adotar uma abordagem pastoral mais misericordiosa sobre o matrimônio e assuntos familiares. O documento está sujeito a revisão pelos bispos nesta semana, e sua versão final será usada como parte da uma reflexão de toda a Igreja a caminho para a segunda sessão do sínodo em outubro de 2015.
O relatório enfatizou que “o princípio da gradualidade” — a idéia que os católicos caminham em direção à plena adesão aos ensinamentos da Igreja em passos, e que a Igreja precisa acompanhá-los com paciência e compreensão. E enfatizou a abertura do Concílio Vaticano II, que levou a Igreja a reconhecer elementos positivos mesmo em “formas imperfeitas” encontradas fora do matrimônio sacramental.
O documento afirmou uma que “nova dimensão da pastoral familiar atual consiste em aceitar a realidade do casamento civil e também da coabitação”. Onde tais uniões demonstram estabilidade, profunda afeição e responsabilidade parental, elas devem ser consideradas um ponto de partida para um diálogo que poderia eventualmente levar ao sacramento do matrimônio”.
Ele citou situações de casais que escolheram viver juntos sem se casar por razões econômicas ou culturais, ou aquelas na África que entram em casamentos tradicionais em “estágios”, e que em resposta a Igreja deve manter suas “portas sempre bem abertas”.
“Em tais uniões, é possível alcançar valores familiares autênticos ou, ao menos, desejá-los. O acompanhamento pastoral deve sempre começar desses aspectos positivos”, diz o documento.
Ao lidar com famílias rompidas, casais que se separaram ou divorciaram, o relatório afirma que a Igreja deve evitar uma abordagem “tudo ou nada” e, ao invés, empenhar-se em um diálogo paciente com tais famílias, em espírito de respeito e amor.
Quanto à questão da Comunhão para Católicos que se divorciaram e se casaram novamente sem uma declaração de nulidade relativa à união anterior, o documento deixou a questão em aberto para posterior estudo e reflexão teológica pela Igreja como um todo, especialmente sobre a ligação entre o sacramento do matrimônio e a Eucaristia. Ele observou que alguns participantes do sínodo são contrários à admissão de Católicos divorciados ["recasados"] aos sacramentos, embora outros vislumbrassem uma possibilidade quanto à Comunhão, talvez após um “caminho penitencial” realizado sob o direcionamento da Igreja.
A respeito dos Católicos divorciados e recasados, afirmou, a Igreja deve evitar uma linguagem discriminatória. Para a Igreja, alcançar os Católicos divorciados não representa um “enfraquecimento de sua fé” ou um enfraquecimento da indissolubilidade do casamento, mas, antes, um exercício de caridade.
O relatório também citou os muitos chamados no Sínodo para um aceleramento e uma dinamização dos procedimentos de nulidade, inclusive a possibilidade de uma decisão “administrativa” de nulidade feita pelos bispos locais, sem a necessidade de um processo em tribunal. O Papa já nomeou uma comissão para estudar tais possibilidade.
No capítulo intitulado “Acolhendo homossexuais”, o relatório claramente rejeito o casamento gay, mas afirmou:
“Os homossexuais têm dons e qualidade a oferecer à comunidade Cristã. Somos capazes de acolher essas pessoas, garantindo-lhes um espaço fraternal em nossas comunidades? Frequentemente, eles desejam encontrar uma Igreja que lhes ofereça um lar acolhedor. Nossas comunidades são capazes de o fornecer, aceitando e valorizando sua orientação sexual, sem comprometer a doutrina Católica sobre a família e o matrimônio?”
“Sem negar os problemas morais relativos às uniões homossexuais, é necessário observar que há casos em que uma ajuda mútua, ao ponto do sacrifício, constitui um precioso apoio na vida dos companheiros”, diz.
Naturalmente, o sínodo moldou sua “abertura” a uniões irregulares no contexto da evangelização — levar as pessoas ao Evangelho — e, em nenhum ponto do texto, há qualquer sugestão de que os ensinamentos básicos da Igreja estão abertos ao debate.
A primeira parte do relatório apresenta, de fato, um diagnóstico severo dos males que afetam a família moderna, citando, em particular, os perigos de um “individualismo exasperado” que parece substituir a coesão familiar. Outras famílias batalham contra problemas econômicos, violência e agitações sociais.
Falando sobre esses problemas e fracassos, o documento afirma que a Igreja precisa iniciar um processo de “conversão”, não meramente anunciando um conjunto de regras, mas transmitindo valores, reconhecendo as oportunidades para evangelizar e também os limites culturais.
Na questão do controle de natalidade, o relatório do sínodo tem pouco de novo a dizer. A abertura à vida é uma parte essencial do amor matrimonial, diz, e é sugerida uma leitura aprofundada da Humanae Vitae, a encíclica de 1968 que condenou a contracepção, bem como promoveu de um planejamento familiar com métodos naturais de regulação de natalidade.
Aqui, como em outros pontos, o texto afirma que a Igreja precisa usar uma “linguagem realista” que começa por ouvir as pessoas e que pode levá-las a reconhecer a “beleza e a verdade de uma abertura incondicional à vida”. Ele acrescenta, no entanto, que a Igreja também precisa “respeitar a dignidade da pessoa na avaliação moral dos métodos de controle de natalidade”.
O relatório diz que, ao cuidar de “famílias feridas”, soou no sínodo a necessidade de “escolhas pastorais corajosas” e novos caminhos pastorais que começam com a situação do casais e famílias sofredoras, reconhecendo que, frequentemente, sua situação é mais suportada do que livremente escolhida.
Ele pediu por uma melhora na preparação matrimonial para os Católicos, afirmando que os cursos devem envolver mais a comunidade como um todo. A Igreja também precisa formular um acompanhamento pastoral para casais nos primeiros anos de vida matrimonial, usando casais experientes como um recurso.
Fez um convite participar às comunidades Católicas locais por todo o mundo para que continuem a discussão do sínodo e ofereceram seu ponto de vida, a fim de que a sessão seguinte do sínodo que ocorrerá em Roma, de 4 a 25 de outubro de 2015.
ATUALIZAÇÃO: O relatório já causou algumas reações. Após a sua apresentação na aula do sínodo, 41 bispos falaram sobre seu conteúdo, e vários pediram esclarecimentos sobre pontos específicos:
– Alguns perguntaram se, no capítulo sobre o homossexualismo, não deveria haver uma referência ao ensinamento de que “algumas uniões são desordenadas”, uma referência à frase que a Igreja utilizou para descrever as relações homossexuais. A informação veio do Cardeal Peter Erdo, autor primeiro do relatório, que falou aos jornalistas na conferência de imprensa do Vaticano.
– Fontes afirmam que outros bispos questionaram a analogia que o relatório fez entre o princípio de encontrar “elementos de santificação e verdade fora” da estrutura visível da Igreja, expresso na Lumen Gentium, do Vaticano II, e a idéia mais ampla de que elementos positivos podem ser encontrados não só no matrimônio sacramental, mas também em uniões irregulares.
– Ao menos um bispo perguntou sobre o que ocorreu com o conceito de pecado. A palavra “pecado” aparece raramente no relatório de 5 mil palavras.
Na conferência de imprensa, o Cardeal Luis Antonio Tagle, das Filipinas, enfatizou que este texto não era a versão final e, sorrindo, disse: “Então, o drama continua”.