A   TRADIÇÃO CONTRA O CONCÍLIO
 MONS. FRANCESCO  SPADAFORA
Mons.  Gherardini, em estudo recente (Lutero no Concílio de Trento,  Divinitas,  abril de 1995), baseando-se no decreto tridentino De Sacra Scriptura  et  Traditionibus, de 8 de abril de 1546, assim resume a heresia basilar  do  agostinismo rebelde: “o princípio formal de seu protesto, o “sola  Scriptura”,  era a negação do magistério eclesiástico enquanto intérprete  indispensável da Sagrada Escritura; era a resistência à Tradição,  resistência  que, para o Reformador, significava liberação”. A resposta do  Concílio de  Trento, bem conhecida, é repetida solenemente pelo último grande  Concílio  Dogmático (Vaticano I, 24 de abril de 1870): “[Das fontes da  Revelação] Ora,  esta revelação sobrenatural, conforme a fé da Igreja universal,  declarada pelo  Santo Concílio de Trento, ‘está contida nos livros escritos e nas  tradições não  escritas que, recebidas pelos Apóstolos da boca do próprio Cristo ou  pelos  mesmos Apóstolos sob inspiração do Espírito Santo e transmitidas como de  mão em  mão, chegaram até nós’ [Conc. Trid., v. 783]. Esses livros do Antigo e  Novo  Testamento, íntegros em todas as suas partes, tais como se enumeram no  decreto  deste Concílio e estão contidos na antiga edição da Vulgata, têm de ser  aceitos  como sagrados e canônicos. Note-se que a Igreja têm-nos por sagrados e  canônicos, sendo logo aprovados por Ela, não porque fossem compostos  pela só  indústria humana, nem somente porque contivessem a Revelação sem erro,  mas  porque, escritos por inspiração do Espírito Santo, têm Deus por autor, e  como  tais foram transmitidos pela própria Igreja [cap. 4]” (Denz. 1787) A  resposta  segue o ensino unânime do Magistério, particularmente expresso por Pio  IX, Leão  XIII, São Pio X, Bento XV, Pio XI, Pio XII, e até pelo próprio Paulo VI  (Discurso aos teólogos, 1967).
Em  sua tese, de  título claro, denominada O Magistério da Igreja, a  norma junto  ao exegeta, Mons. Mário Merendo reproduz e comenta os documentos que  se  referem diretamente a tal assunto; dentre outros, os decretos dos dois  últimos  Concílios Ecumênicos (Trento e Vaticano I) e as encíclicas Providentissimus   Deus (Leão XIII), Spiritus Paraclitus (Bento XV, 1920), Divino   Afflante Spiritu (Pio XII, 1943) e Humani Generis (Pio XII,  1950).  “Não creria no Santo Evangelho – disse Santo Agostinho – se me  não  induzisse a autoridade da Igreja Católica”. (Contr. E.  Manichael 5, 6; PL 42, 176). A Comissão  Bíblica Pontifícia – arquitetada por Leão XIII a 30 de outubro de 1902,  composta  de cinco cardeais consultores – era um órgão do Magistério Ordinário.  São Pio X,  através do Motu Proprio de 10 de novembro de 1907, outorgou às  decisões e  aos decretos da Comissão Bíblica a mesma autoridade dos decretos das  demais  Congregações Romanas no que tange à doutrina aprovada pelo Soberano  Pontífice.
Para  fins da  exegese católica, além do princípio dogmático fixado pelo Magistério  Extraordinário (dos dois Concílios: Trento e Vaticano I) e ratificado  pelos  Romanos Pontífices até Paulo VI, faz-se mister ter-se em conta, pelo  menos, três  verdades reveladas, de fé divina e católica: a inspiração divina, a  inerrância  absoluta da Sagrada Escritura e a historicidade dos Evangelhos. Ademais,  o  magistério da Igreja mediante os decretos da Comissão Bíblica Pontifícia   sancionou, juntamente com a historicidade dos Evangelhos, a  autenticidade de  nossos quatro Santos Evangelhos na ordem tradicional de sua redação: São  Mateus,  São Marcos, São Lucas e São João.
Tentativas   pré-conciliares
Havia  muito  tempo, os neo-modernistas tratavam de se desfazer da Comissão Bíblica  Pontifícia,  i. é, do Magistério da Igreja, tal qual Lutero, contudo com mais  perfídia.  Almejavam o mesmo resultado, mas por meio do próprio Magistério  Eclesiástico.  Isso está documentado em Leão XIII e os  estudiosos da Bíblia (Rovigo, 1976,  276 p.), na introdução do estudo sobre A Ressurreição de Jesus  (idem, 1978, 246 p.) contra o jesuíta Xavier-León Dufour (que  imita Will  Marven, fundador da Redaktiongeschichte, que nega a Ressurreição)  e, por  último, em A Tradição contra o  Concílio (Roma, 1989,  284 p.).
Primeira   tentativa – Aludamos  aqui brevemente à primeira tentativa, feita em 1948 pelo card. Suhard,  arcebispo  de Paris, que pede ao card. Tisserant (presidente vitalício da Comissão  Bíblica  Pontifícia) a abolição dos dois decretos dessa comissão, que defendem  a   autenticidade mosaica do Pentateuco (1906) e a historicidade dos três  primeiros  capítulos do Gênese (1909). A resposta, em francês, carece de  transparência, é  longuíssima e possui algumas frases anfibológicas. Os progressistas  exultam e  começam a falar em “mitos” do Gênese. Pio XII claramente deplora, no Humani   Generis, a interpretação fantasiosa dos que abusam, de forma  suspeita, da  carta enviada pelo card. Tisserant ao cardeal Suhard. O card. Bea, no  seu  comentário à encíclica, publicado em La Civiltà Cattolica (n.  101,  1950-IV, p. 417-430), é claríssimo sobre esse ponto.
Segunda   tentativa – Em 1954, um  texto é apresentado aos membros da Comissão Bíblica Pontifícia – quais  sejam, os  cardeais Ruffini, Mercati, Pizzardo e Tisserant (presidente vitalício,  de 1937  até sua morte) - em que se solicita que sejam declarados superados os  decretos  emitidos pela própria Comissão Bíblica Pontifícia: era a ordem do dia da   reunião! É nesse ensejo que, em 1955, o pe. A. Millier (secretário da  Comissão  Bíblica Pontifícia) e o pe. A. Kleinhans (subsecretário) publicam  separadamente  dois artigos em substância idênticos: “na medida em que se sustentem  nos  ditos decretos opiniões que não se refiram, nem direta nem  indiretamente, às  verdades relativas à fé e aos costumes, entende-se que o investigador  pode  prosseguir seus estudos com absoluta liberdade”. Os partidários da  liberdade, com E. Vogt à frente (Bíblica, 1955, p. 564 e ss.),  apreciam  deveras ambos os artigos: constituem a tácita condenação à morte dos  decretos da  Comissão Bíblica Pontifícia.
Terceira   tentativa – Esta  vinculada diretamente com a precedente. Em 1957, aparece a Introdução  à  Bíblia, t. I, sob a direção de A. Robert e A. Feuillet (Desclée,  Tournai,  880 p.). O grosso volume sai da forja dos modernistas franceses: o  Instituto  Católico de Paris – que no passado já contava entre seus professores com  Ernest  Renan (racionalista) e Alfred Loisy (modernista) e, no momento de que  falamos,  com Pierre Grelot (que virá a ser membro da nova e bizarra Comissão  Bíblica) –  está em perfeita harmonia com o pe. Lyonnet, S.I., do Instituto Bíblico  Pontifício. O livro, que milita contra a doutrina católica da inspiração   individual, favorecendo a presumida inspiração coletiva e a limitação da   inerrância (Henri Cazelles), beneficiou-se da campanha publicitária  feita a seu  favor pela Comissão Bíblica. Evita-se desta feita que o Dicastério  Supremo, o  Santo Ofício, intervenha e o condene: o card. Bea se oferece para  revisá-lo e  corrigir seus erros a fim de permitir uma nova edição. Descobrimos agora  quais  eram os promotores da proposição desaprovada em 1954: Paris e Roma,  sempre. O  pe. Lyonnet, S.I., era o deus ex machina que induzia seu  protetor  secreto, o card. Tisserant.
Apesar  de  renovarem as supracitadas tentativas, o Instituto Bíblico Pontifício já  ministrava as “novidades” a seus alunos.  O pe. Lyonnet em pessoa dava o   mal exemplo com o artigo O pecado original e a exegese de Romanos 5,  12,  publicado na revista Recherches de science religieuse, nº 55, p.  63-85  (1956), onde nega que se possa apontar o texto de São Paulo como  argumento  bíblico para o dogma do pecado original; não obstante, trata-se de um  texto cujo  sentido, como o admitem todos, foi reconhecido em dois cânones do  Concílio de  Trento.
O ano  de 1943,  em que se publica a encíclica Divino Afflante Spiritu, de Pio  XII,  apresentava-se como o ano da “liberação” para os exegetas católicos: já  está  derrubado o muro – diziam – que separava os católicos dos protestantes e   racionalistas; já se abandonou toda distinção; o que vale é a  investigação da  Bíblia mediante uma exegese exclusivamente filológica e histórica. No  ano de  1943 começava uma nova era. O card. Bea afirmava: “o ecumenismo já se  esboça  entre os exegetas”. Só resta um inimigo de que se deve dar cabo: o  exegeta  católico que, em seu trabalho, segue fiando-se na interpretação  autêntica, no  sentido quem tenuit ac tenet Sancta Mater Ecclesiae [que  sustentou e  sustenta a Santa Madre Igreja], e que segue crendo na inspiração divina  (ilustrada na encíclica Providentissimus Deus), na inerrância  absoluta,  na historicidade dos Evangelhos etc.
Quarta   tentativa – A 3 de  setembro de 1960 apareceu, em La Civiltà Cattolica (p. 449-460)  um artigo  adrede intitulado Para onde vai a exegese católica?  A resposta  saltava aos olhos ao se ler o artigo: a exegese católica muda de  roupagem, se  camufla, abandona todo princípio dogmático. O autor, o pe. Alonso  Schökel, S.I.,  atribuía essa capacidade de subversão à encíclica Divino Afflante  Spiritu  de Pio XII. O Instituto Bíblico Pontifício enviou um trecho do artigo a  todos os  bispos italianos; era um manifesto propagandístico em vista do iminente  concílio  anunciado de súbito pelo papa Roncalli, o ingênuo (verdadeiro ou  fingido?) João  XXIII. O Instituto Bíblico Pontifício julgava que chegara o momento de  sair das  sombras. Já havia mais de dez anos (com o novo reitor, o pe. E. Vogt)  que os  professores Lyonnet, Zerwick, Schökel e Dyson vinham incutindo na  doutrinação de  seus alunos – com maior ou menor prudência – sua “revolução”  neo-modernista. Os  mais preparados em teologia se surpreendiam e escandalizavam; os demais  se  deixavam fascinar pelas “novidades”. Uns e outros confiavam a terceiros,  por  motivos diferentes, sua perplexidade ou entusiasmo. Citarei apenas dois  exemplos.
Eu  ensinava em  Roma desde 1950; dirigia a Rivista Biblica fundada por mim  (1953-1957),  quando me veio visitar um excelente religioso brasileiro, Calisto  Vendrame  (1951-1953), para me falar da exegese dos livros I e II de Samuel  lecionada pelo  pe. Dyson, S.I. O pe. Vendrame lhe perguntara: “como se pode  conciliar a  doutrina da inspiração com a exegese que o sr. nos propõe?”. O  professor lhe  respondeu: “Mas como! Você ainda segue a doutrina da inspiração  divina que o  pe. Bea ensina?”.  O pe. Bea não era reitor desde 1949, mas  continuava  sendo professor. Quando lhe contei [ao pe. Bea] o episódio, ele me  disse,  visivelmente contristado: “O pe. Dyson não se dá conta do grave dano  que está  causando a seus alunos”.
Ao  contrário,  Luigi Morali e Leone Algisi de Bergame (1948-1950) estavam entre os mais   entusiasmados: “Está disponível aos alunos uma nova teoria sobre a  inspiração; contudo, não convém fazê-la pública”. Tal como o pe.  Dyson, eles  caçoavam do pe. Bea. Era uma espécie de  maçonaria.
A reação do Santo Ofício
Até  então, as  tentativas feitas pelos renovadores, oficialmente anuladas, não haviam  suscitado  nenhuma reação, pelo menos na Itália. Deveu-se a Mons. Antonino Romeo a  vivíssima reação que a aparição do artigo de pe. Schökel desencadeara.  Mons.  Romeo (1902-1979). era antigo aluno do Instituto Bíblico Pontifício  (1924-1927),  professor de Escritura Sagrada no Seminário Regional de Catanzaro, e,  desde  janeiro de 1938, professor auxiliar na Sagrada Congregação para os  Seminários e  as Universidades, de onde, durante 34 anos, levou a cabo um intenso,  precioso e  oculto trabalho (Para as suas obras, ver Palestra do Clero, 31 de  outubro  de 1979). A rigorosa refutação de Mons. Romeo, A encíclica Divino  Afflante  Spiritu e as novas opiniões, foi logo publicada na influente revista   Divinitas (4/1960, p. 378-456), dirigida por Mons. Antonino  Piolanti,  reitor da Universidade Pontifícia de Latrão. Havia muito tempo que Mons.  Romeo,  tal como uma sentinela, seguia com atenção e denunciava com clareza as  perigosas  e errôneas novidades que surgiam nas publicações francesas, alemãs e  holandesas.  Sobretudo, acolhia com afabilidade paternal os alunos do Instituto  Bíblico  Pontifício que lhe iam expor seus problemas e esclarecer-se em seus  estudos.  Nesse momento, com seu erudito estudo, interrompia a marcha da “nova  exegese”. Segundo a absurda tese de pe. Alonso Schökel, Pio XII havia  dado  ensejo a um “novo rumo” em exegese, livre de todo princípio dogmático! A   encíclica Divino Afflante Spiritu, no dizer daquele, supera e  anula a  encíclica Providentissimus Deus de Leão XIII, ao mesmo tempo em  que  proclama a Carta Magna dos estúdos bíblicos! O pe. Schökel quase não faz   referência a outra encíclica de Pio XII, Humani Generis, de 1950,  muito  clara e absolutamente capital para desfazer qualquer equívoco. A  intervenção de  Mons. Romeo deitava por terra tamanho absurdo.
O  reitor do  Instituto Bíblico Pontifício tentou reagir, mas sem penetrar no cerne da   questão. O Santo Ofício interveio e se encarregou do problema. Após  ouvir os  principais acusados, os jesuítas Lyonnet e Zerwick, proibiu-os de  continuarem  ensinando, isolando-os em Roma. Desta feita, a 20 de junho de 1961 o  Santo  Ofício publicava, no Osservatore Romano um Monitum sobre a   historicidade dos Evangelhos. Com todo o peso da autoridade e da  responsabilidade do Dicastério Supremo, de onde emanava, o Monitum  alerta  aos exegetas para levarem em conta, em seu trabalho, as normas  diretrizes da  Igreja. Em verdade, o Monitum é uma sentença, e tal sentença foi a   expressão derradeira do Magistério Eclesiástico, prestamente condenada à   inanidade por Paulo VI, conforme veremos.
Os  jesuítas do  Instituto se opuseram ao Santo Ofício, ao declarar: “o Monitum não  nos  atinge”. Seguros da cumplicidade do card. Tisserant, o presidente  que  personificava a Comissão Bíblica Pontifícia, prepararam a represália,  difundindo  uma versão dos fatos em que se tachava Romeo e Spadafora de reacionários  e  caluniadores. 
Sobre  isso,  vejamos o que fala Pierre Grelot, o alter ego do pe. Lyonnet, n’A   constituição sobre a Revelação, a preparação de um projeto conciliar  (Études, janeiro de 1966, p. 99-113). Ao falar da Comissão  Teológica  pré-conciliar, escreve: “tão logo se soube a composição da dita  Comissão,  tratou-se de ver dois pontos: 1) a maioria de seus membros e consultores  tinha  uma atitude decididamente conservadora; 2) os biblistas de profissão  eram  contados em escasso número, de tal modo que não haveria possibilidade de  ouvir  sua voz. Esses dois fatos podiam acarretar graves conseqüências ao  projeto  De Revelatione, tão estreitamente ligado às questões bíblicas. Um  sintoma  ainda mais revelador: não se escolhera nenhum especialista de um corpo  professoral de um organismo oficial, tal como o Instituto Bíblico  Pontifício de  Roma, para que auxiliasse com seus autorizados conselhos o trabalho  daquela  comissão. O fato era tanto mais notável pois que, à mesma época, alguns  círculos  romanos sustentavam uma áspera campanha contra o  citado Instituto e  contra  a orientação atual da exegese católica”. Pe. Grelot adiciona uma  nota:  “tal campanha era de domínio público: manifestava-se através de  artigos e  panfletos”. E cita o artigo de Mons. Romeo A encíclica Divino  Afflante  Spiritu e as novas opiniões (Divinitas, 4/1960), a réplica do  Instituto  Bíblico Pontifício publicada em Verbum Domini (1981, p. 3-17), e  meu  comentário ao Monitum do Santo Ofício. Pe. Grelot segue,  imperturbável:  “a ofensiva logo sucederá em privar de sua cátedra, mas não de seu  título  [sic], a dois professores do Instituto Bíblico, com grande escândalo  para os  exegetas do mundo inteiro. Tratava-se – acrescenta a nota – dos  padres S.  Lyonnet e M. Zerwick; o primeiro, decano da Faculdade Bíblica; o  segundo,  professor. A julgar pelo que sabemos, parece que a campanha de calúnias  desencadeada contra eles confundiu as autoridades encarregadas de velar  pela fé  da Igreja [o Santo Ofício], mas a Companhia de Jesus não  encontrou motivo  nenhum para substituir os dois professores; daí resultou uma situação  ambígua  que durou dois ou três anos para esclarecer-se”.
Como  elucidou a  introdução, os dois padres ouvidos pelo Santo Ofício não puderam negar  os fatos  de que comissão os acusava: o ensino (e a difusão mediante artigos) de  erros  relacionados à inspiração, à inerrância dos Santos Livros, a  historicidade dos  Evangelhos; também o artigo do pe. Lyonnet, O pecado original e a  exegese de  Rom. 5, 12, publicado em Recherches de Science Religieuse,  (n. 44,  1956, p. 63-84) que negava que Rom. 5, 12 versa sobre o pecado original,  apesar  da definição em contrário do Concílio de Trento (ver meu artigo Rom.  5, 12:  exegese e reflexões dogmáticas, em Divinitas, 1960, p.  289-298).  Tratava-se de algo muito diferente de uma campanha de calúnias! 
O pe.  Grelot  continua: “não existia nenhuma relação entre essas datas convergentes?”  (i. é,  entre esses antecedentes e a ausência de expertos provenientes do  Instituto  Bíblico Pontifício na Comissão Teológica pré-conciliar).
Note-se  a  pretensão (verdadeiramente grave) de a Companhia de Jesus opor-se ao ato  do  Santo Ofício. Era o espírito que animava e anima os tais antigos alunos  do  Instituto Bíblico Pontifício: o magistério da Igreja e o próprio  Dicastério  Supremo, desautorizados pelos jesuítas do Instituto!
O  projeto feito  pela tal comissão “de conservadores”, conclui pe. Grelot, refletia uma  orientação que perpetrava um retrocesso de cinqüenta anos, pelo menos,  nos  estudos bíblicos, além do “torpedeamento inconfessado da encíclica de  Pio XII  (Divino Afflante Spiritu, 1943), uma rematada agressão contra o  movimento  bíblico como um todo. Intentaram defender juntos o que a maioria dos  membros da  Comissão considerava como a fé e a teologia autênticas, contra o que  reputam  como perigosos equívocos da exegese contemporânea”. (p. 101). “A  Comissão  preparatória atuava de boa fé”, admite pe. Grelot (quanta bondade!).  Eis a  versão do Instituto Bíblico Pontifício, publicada em todo lugar e agora  introduzida até na nova edição italiana da História da Igreja  organizada  por R. Flick e V. Martin.
Desforra   modernista
Chegamos  assim  à tempestade que castigou Roma durante o Concílio Vaticano II  (1960-1965). O  espírito de desforra contra o Santo Ofício prevalecia desde há muito  entre os  teólogos franceses, belgas e alemães. Para se convencer disso, basta  recorrer às  páginas que o jesuíta Giacomo Martina dedica a essas escolas teológicas  em  relação ao Concílio, no primeiro tomo da obra Vaticano II, balanço  e  perspectivas, vinte e cinco anos depois (1962-1987), escrita por  René  Latourelle (Cittadella, Assis, 1987, p. 27-82). Nelas se encontram o  bordão  habitual: tal pessoa, condenada (ou combatida) pelo Santo Ofício, entra  no  concílio como o dominador, faz votar seus erros e sai como o  glorificado.  Poderíamos chamar às páginas de pe. Martina de o guia das “humilhações”  impostas  pelo Santo Ofício e de suas “vítimas” exaltadas, a partir do Concílio e  ao  transcurso das vergonhosas décadas pós-conciliares.
 Comecemos  pelos  padres proletários: O Santo Ofício interveio (1959); Paulo VI, que era  partidário deles, juntamente com o episcopado francês, deu-lhes a  desforra  (1965) no Vaticano II (p. 47 e ss.): “a crise de alguns sacerdotes  proletários e a obediência dramática da maioria deles produziu uma forte   impressão na opinião pública, em França e em outros lugares. De fato, em  vários  círculos, eclesiásticos e não eclesiásticos, aumentava o mal-estar, já  existente  por outras razões” (p. 46-49).
 O tal   “mal-estar” aparecerá inclusive em outros episódios: 1) a obra de Roger  Albert,  O Pontificado de Pio XII (Paris, 1952), “síntese magistral”, foi  mal  vista pela Cúria Romana; mas, felizmente, a idéia de incluí-la no Índice   desapareceu de pronto (hoje em dia, servem-se da obra de Aubert e  Martina,  sobretudo Martina, para obstar o processo de beatificação de Pio IX); 2)  A  vida de Galileu, de Mons. Paschini, que, durante algumas décadas,  foi reitor  da Universidade de Latrão e “historiador consciencioso”: em 1942, o  Santo Ofício  suspendeu, por tempo indeterminado, a publicação do tal estudo, que  apenas  muitos anos mais tarde – graças à intervenção de um de seus antigos  discípulos  ante Paulo VI, Mons. Maccarone – se pôde editar “bem a tempo de ser  citado na  Gaudium et Spes: mais uma vez se passava da interdição ao elogio  implícito de  uma obra, graças ao Concílio” (1965); ou, mais especificamente, por  causa do  cardeal Wojtyla (por petição dos padres Congar e De Lubac), que, após  lograr o  papado, não pára de denunciar as “maldades” da Igreja e de pedir perdão a  todo o  mundo; 3) Primo Mazzolari (1890-1959), A mais bela aventura,  proibido  pelo Santo Ofício em 1934, assim como Eu também amo o Papa e  Compromisso com Cristo, em 1943. João Paulo II estende a mão a  Mazzolari  em sua encíclica Dives in Misericordia, mas já em 1966 todas as  suas  obras foram reimpressas; 4) o mesmo se deu com Lorenzo Milani  (1923-1967), com  Maritain e com o jesuíta americano John Courtney Murray, que “apesar  de ter  sido reduzido ao silêncio por quase uma década, recobrou o direito de  falar  durante o Vaticano II; chegou até mesmo a impor suas idéias na Dignitatis   Humanae” (p. 45); 5) entre 1945 e 1950, contra a nova teologia  dos  jesuítas Daniélou, De Lubac etc., sublevaram-se os mais eminentes  teólogos do  Angelicum, o pe. Réginald Garrigou-Lagrange, O.P., e o pe.  Labourdette,  na Revue Thomiste, nº 56 (1946), p. 353-372. Pio XII condena a  nova  teologia em Humani  Generis (1950):  “entre os teólogos franceses – escreve Martina – se destacam  os  dominicanos Chenu e Congar, e os jesuítas De Lubac e Daniélou; mas outro  jesuíta  merece lembrança aqui: o pe. Teilhard de Chardin, paleontólogo,  ‘conduzido por  suas descobertas a intentar uma nova síntese, também é objeto de uma  severa  vigilância’. Os quatro primeiros exerceram uma grande influência no  Concílio,  enquanto Teilhard de Chardin, falecido antes do Concílio, suscitou  grande  admiração em numerosos círculos”.
 Em  seguida, pe.  Martina trata de cada um deles em separado.  Sobre o pe. Chenu  (que estava em Saulchoir desde 1937 até 1942, e foi teórico e  inspirador  dos padres proletários quando lhe proibiram o exercício do magistério,  sendo  afastado de Paris em 1954), o pe. Martina destaca: “o Concílio o  traria  novamente à tona” (p. 60). O mesmo ocorrerá com o livro de Congar, Novo   mundo e palavra de Deus (1950), cuja nova publicação será permitida  em 1968  (francês) e 1972 (italiano), num clima diferente, em que se acharam  normais e  moderadas as proposições julgadas perigosas em 1950. “Já se não  tratava de  adaptar o catolicismo e a Igreja ao mundo moderno, mas de repensar e  reformular  as verdades cristãs. No Concílio, o pe. Congar fora membro da Comissão  Teológica  e de várias outras comissões conciliares” (p. 52). Idêntico curriculum   vitae tem De Lubac e Daniélou. Por isso tudo, as medidas tomadas  pelo Santo  Ofício e a encíclica Humani Generis eram expressões do Magistério  da  Igreja. Contudo, na exposição do pe. Martina aparecem outras tantas  atitudes  errôneas, corrigidas depois pelo Concílio.
 A  Aliança  Européia durante o Concílio 
Os  rebeldes ao  Magistério da Igreja, biblistas e teólogos, finalmente encontraram, em  seu  pletórico e “pastoral” Vaticano II, o ambiente ideal e a ocasião  favorável para  sua vingança contra o Santo Ofício, i. é, contra a doutrina católica,  conservada  integralmente e proposta fielmente tanto pelo Magistério Infalível da  Igreja e  pelo Magistério Extraordinário (Trento e Vaticano I) quanto pelo  Magistério  Ordinário de Pio IX, Leão XIII, São Pio X, Bento XV, Pio XI, Pio XII, e  até João  XXIII em seu discurso de comemoração dos cinqüenta anos do Instituto  Bíblico  Pontifício (Osservatore Romano, 19 de fevereiro de 1960).
 Naturalmente,   os rebeldes se coligaram: cardeais e bispos, com seus “especialistas” ou   entusiastas, convergiam em direção ao grupo que, como predissera o card.  Billot,  “dominaria e dirigiria o Concílio, impondo seus erros”.  Era o  grupo  dos neo-modernistas, que logo se denominará Aliança Européia. Seus  corifeus  foram: Alfrink, superior da Holanda; Joseph Frings, arcebispo de  Colônia;  Achille Liénart, bispo de Lille; Frans König, arcebispo de Viena; Eugène   Tisserant; Agostino Bea, S.I.; o canadense Léger; e os italianos  Lercaro,  arcebispo de Bolonha e Giovanni Battista Montini, arcebispo de Milão.  Todos,  salvo Léger e Montini, eram antigos alunos do Instituto Bíblico  Pontifício!  Merece especial menção o cardeal Döpfner, um dos presidentes do  Concílio,  incrivelmente sectário. Dentre os bispos destaco Jan van Dodeward,  holandês,  antigo aluno do Instituto Bíblico Pontifício (1939-1941), morto a 9 de  março de  1966, à idade de 52 anos, após retornar à Holanda.
 Destaquemos   dentre os especialistas o dominicano Edward Schillebeeckx, da  Universidade de  Nimega, principal autor do herético catecismo holandês; os alemães Karl  Rahner,  S.I., Hans Küng e Joseph Ratzinger; e os franceses Henri de Lubac, S.I.,  M.D.  Chenu, O.P., Y. Congar, O.P.. Exemplo típico do neomodernista senhor de  si,  depreciador de Roma, como aqueles jesuítas colegas seus (o pe. Smuders  etc.) que  cooperaram no dito catecismo, o pe. Schillebeeckx é a alma do episcopado   holandês, tal como Rahner é a do episcopado alemão, e Congar e Chenu, do   episcopado francês. O Santo Ofício já intervira contra Rahner e Chenu;  isso  ocorrerá também contra Hans Küng e Edward Schillebeeckx.
 A  primeira  Assembléia Geral do Concílio celebrou-se a 13 de outubro. Revestia-se de  uma  extrema importância, já que se tratava de nomear os dezesseis membros de  cada  uma das dez Comissões Conciliares que teriam como tarefa emendar e  preparar os  projetos que deviam se submeter ao voto da Assembléia Geral. O Concílio  inteiro  estava, pois, em suas mãos.
 A  primeira  Assembléia Geral foi presidida pelo card. Tisserant, ladeado pelos  cardeais  Liénart e Frings. Ainda que o cardeal Felici se dispusesse a explicar  aos 2.500  padres o procedimento que se deveria seguir à eleição dos dezesseis  membros,  dentre os da longa lista de consultores e especialistas que – havia  muitos anos  – trabalhavam na fase preparatória, o cardeal Liénart levantou-se  prestamente e  pediu que a eleição se retardasse uns dias, e que se confiasse às  conferências  episcopais a incumbência de preparar a lista dos elegíveis. A Assembléia   aplaudiu a bandeiras despregadas. Em seguida, o cardeal Frings  levantou-se e,  falando também em nome dos cardeais König e Döpfner, apoiou a petição do  cardeal  Liénart. Novos aplausos da Assembléia.
 A  petição foi  aprovada pela Presidência. Um bispo holandês gritou a um de seus amigos:  “é  nossa primeira vitória!”. A Aliança Européia enviou uma “lista  internacional” de 109 nomes, escolhidos cuidadosamente dentre os  neo-modernistas.  Oitenta por cento deles foram eleitos. Eram maioria em cada comissão, e  assim chegaram a  manobrar e dominar a quase totalidade dos padres conciliares.
 Após a  primeira  Assembléia Geral, naquela manhã de 13 de outubro, tão logo os padres  saíssem do  salão, foi celebrada a reunião do Conselho da Presidência, formada por  dez  cardeais nomeados pelo Papa. Os representantes da Aliança Européia, os  cardeais  Frings, Liénart e o holandes Alfrink, apoiaram entusiasticamente a  proposta do  episcopado holandês (pe. Schillebeeckx) de primeiro submeter à discussão  o  projeto sobre a liturgia, e só depois examinar a constituição dogmática a   propósito da Revelação. O Conselho da Presidência aprovou a proposta de  forma  que – recebidos em audiência privada pelo Papa numa segunda-feira, dia  15 – não  lhes custou trabalho conseguir do Papa aceitação à sua decisão.  A 16 de   outubro foi comunicado à Assembléia o início da segunda Assembléia  Geral.
 Era a  segunda  vitória da Aliança Européia, prelúdio do completo retrocesso – a começar  pelo  título – do importantíssimo projeto sobre a Revelação: De fontibus  Revelationis. Destino idêntico sofreram as demais constituições,  aprontadas  ao longo de dois anos de trabalho preparatório. Aguardava-se o triunfo  do  espírito anti-romano. Assim surgia, com sinistros reflexos, aquela manhã  de 13  de outubro, funesto presságio do desdobramento do Concílio, com os  equívocos que  impregnaram os textos das constituições dogmáticas, aurora funesta  daqueles anos  tormentosos que ainda hoje constituem a molesta herança  pós-conciliar.
 A  imprensa  destacou, fazendo coro com os neo-modernistas, o lamentável episódio de  30 de  outubro, assim contado pelo pe. Wiltgen (The Rhine flows into the  Tiber,  p. 28-29): “no dia seguinte ao de seu 72º aniversário, o cardeal  Ottaviani  interveio para protestar contra as profundas alterações que se  pretendiam impor  à Missa. O cardeal, por causa de sua cegueira parcial, falava sem texto,   ultrapassando os dez minutos predefinidos a cada intervenção. O cardeal  Tisserant (...) mostrou seu relógio ao cardeal Alfrink, e um técnico  cortou a  corrente elétrica do microfone. O cardeal Ottaviani percebeu o ocorrido  ao  percutir o microfone e, humilhado, voltou a seu lugar. Reduzira-se ao  silêncio o  cardeal mais importante da Cúria, a que os padres conciliares  alegremente  aplaudiram”.
 Alguns   permitiram que se instalasse uma animosidade contida havia muito...  Dirigia-se  contra o Dicastério Supremo, contra o Santo Ofício, e em particular  contra seu  chefe, o card. Ottaviani, sentinela vigilante contra todo desvio  doutrinal. Era,  acima de tudo, uma vingança infligida pelo Instituto Bíblico Pontifício,  devido  à condenação imposta, em 1960, aos seus professores, os padres Stanislas  Lyonnet  e Maximiliano Zerwick e pelo afastamento do reitor àquela época. A  campanha  contra o Santo Ofício, urdida no estrangeiro e na Itália por antigos  alunos do  Instituto Bíblico, colhia seus frutos. Confirma-o o texto de Pierre  Grelot,  anteriormente reproduzido.
 Contra  a  constituição De fontibus Revelationis, elaborada pela Comissão  Teológica  presidida pelo cardeal Ottaviani, ergueram-se unânimes, com um non  placet, os cardeais e os bispos da Aliança Européia, pois faltaria a  ela  “preocupações pastorais e ecumênicas”. As “preocupações  pastorais” e  “o ecumenismo” do Concílio nada mais eram que chamarizes, como  afirmaria  até o mais ingênuo padre conciliar. 
Os  neo-modernistas queriam modificar a própria doutrina, e não o meio de  sua  exposição: nunca tiveram nenhuma preocupação pastoral ou ecumênica! Para  se  convencer disso, basta cotejar o texto precedente com o da nova comissão  mista  Bea-Ottaviani: texto equívoco “com conotações de má-formação congênita”;   “ademais, por toda parte se nota a azáfama de firmar um compromisso  entre as  duas tendências opostas que se manifestaram no curso da primeira  discussão  conciliar” (Berti, p. 25). Tratava-se de aviltar a doutrina  católica, na  constituição dogmática mais importante!
 Inerrância  das  Sagradas Escrituras
 Quanto  ao tema,  temos inconteste exemplo das indignas artimanhas das comissões  conciliares, que  enganavam a massa ignara para fazê-la votar seus erros. Falo disso em  meu livro  A Tradição contra o Concílio (Volpe, Roma, 1989, p. 59-80). Desta  vez  tratava-se de uma doutrina, verdade de Fé, definida implicitamente pelo  Concílio  Vaticano I em sua declaração solene sobre a Inspiração (Denz. 1809):  inerrância  de fato e de direito, i. é, não somente a Escritura não contém erro  nenhum, mas  tampouco pode contê-lo. É doutrina católica por todos sabida: ver Introdução   geral em O livro sagrado, de Sparadafora-Romeo-Frangipane  (Padua,  1958; [Inerrância, A. Romeo], p. 161-174), com detalhada e  esmerada  documentação a partir das afirmações de Nosso Senhor Jesus Cristo e dos  Apóstolos: “a Igreja, ao afirmar a inerrância absoluta das  Escrituras, segue  o ensinamento de Jesus e dos Apóstolos, assim como o dos Padres” (p.  159). A  encíclica Providentissimus Deus (1893, E. B. nn. 125-127) afirma a   inerrância absoluta dos textos inspirados: “a inspiração divina é  incompatível com o erro: por essência, não só exclui o erro, mas também a  causa,  pela necessidade mesma por que Deus, verdade soberana, não é autor de  erro  nenhum (...) Tal é a crença antiga e constante da Igreja, definida  solenemente  pelos Concílios de Florença e de Trento, confirmada enfim e proposta  mais  expressamente pelo Concílio Vaticano I (...) Daí, de nada serviria ao  Espírito  Santo ter escolhido alguns homens para que servissem de causa  instrumental das  Escrituras, se alguma falsidade pudesse escapar aos escritores, apesar  da  impossibilidade de errar do Autor inicial (...) Tal sempre foi o  sentimento dos  Santos Padres” (citam-se palavras de Santo Agostinho e de São  Gregório  Magno). A encíclica Spiritus Paraclitus (1920) confirmou,  ratificou e  amplificou o luminoso ensinamento da encíclica Providentissimus  Deus.
 Pio  XII, na  encíclica Divino Afflante Spiritu (1943), comemorando o  cinqüentenário da  encíclica Providentissimus, confirma a inerrância absoluta das  Escrituras. Após repetir as palavras da encíclica: “de forma nenhuma  se  permite (...) admitir que o autor sagrado pudesse errar, pois que a  inspiração  divina, por natureza, não só exclui o erro, mas também sua causa  pela  necessidade mesma por que Deus, verdade soberana, não é autor de erro  nenhum”, acrescenta: “eis, pois, a doutrina que nosso  predecessor, Leão  XIII, expôs com profundidade, e que Nós, com Nossa autoridade, novamente   propomos e inculcamos, a fim de que todos a conservem com zelo” (E.  B.  nn. 538-540).
No votum   proposto ao Concílio, De definenda absoluta inerrantia S. Scripturae  [Da  definição da inerrância absoluta da Sagrada Escritura], havia exaustiva  documentação. Quanto a isso, cfr. Acta et Documenta, 1ª série  (Antepreparatoria, t. IV, pars I, 1, Studia et vota;  Universidade  de Latrão, p. 263-270).
Em sua   proposta, de forma diferente, o Instituto Bíblico Pontifício insinuava  contra o  ensinamento do Magistério a limitação da inerrância apenas às verdades  de fé e  de costumes (!), erro condenado expressa e energicamente por Leão XIII,  na  encíclica Providentissimus; por Bento XV, na encíclica Spiritus   Paraclitus e por Pio XII, na Divino Afflante Spiritu; e,  apesar  disso, H. Cazelles a propôs novamente, na Introdução à Bíblia  dirigida  por A. Robert e Feuillet (t. I, 1957, p. 58-65), com o apoio do  Instituto  Bíblico Pontifício, de onde saíra, o que explica o interesse e o papel  de  revisor assumido pelo pe. Bea, a fim de impedir a condenação daquele.  Tal era o  ensinamento que se dispensava no Instituto. Isso esclarece porque no  projeto  De duplici fonti Revelationis [Da dupla fonte da Revelação],  feito com  esmero pela comissão preparatória, a inerrância absoluta da Escritura –  além de  apresentá-la no título do segundo capítulo – se formulava e se ilustrava   claramente em dois parágrafos: o de nº 12, Da inerrância enquanto  corolário  da inspiração, e o de nº 13, De que modo há-de se julgar a  inerrância.
 O  projeto da  Comissão Preparatória foi recusado, oferecendo-se a preparação do  projeto sobre  a Revelação a uma comissão mista composta por teólogos e membros do  secretariado  para o ecumenismo, liderados pelos cardeais Ottaviani e Bea,  respectivamente. O  texto, aprovado e enviado aos padres (abril de 1963), ainda exibia a  doutrina  católica sobre a inerrância absoluta da Sagrada Escritura: “uma vez  que Deus  é o Autor principal da Sagrada Escritura, toda ela está divinamente  inspirada,  estando totalmente isenta de erro”.
 Dessa  forma, o  exame e as emendas do projeto passaram apenas pela comissão doutrinal;  os  capítulos III e IV, que versavam da Sagrada Escritura, foram confiados a  uma  subcomissão presidida pelo bispo de Haarlem, o holandês J. van Dodeward,  antigo  aluno do Instituto Bíblico Pontifício. Este tentara obter que o Concílio   aprovasse a proposta do Instituto mediante a introdução no texto de um  simples  adjetivo, salutaris. Era a última redação que se submeteria a  voto  (21-9-1965), quase à última sessão do Concílio. Dentre os padres, já mui   fatigados, qual notaria a mudança? Eis aqui o texto emendado: “posto  que  há de se considerar como afirmado pelo Espírito Santo tudo o que os  autores  inspirados ou hagiógrafos afirmam, é mister também sopesar, por  conseguinte, que  os livros da Bíblia em sua integridade, com todas as suas partes,  ensinam com  certeza, fielmente e sem erro, a verdade salvífica”. De sorte que o  texto já  não falava da imunidade ao erro, mas de verdade salvífica  que a  Escritura Sagrada sem erro continha. A frase poderia assim ser  compreendida  (ademais, era seu verdadeiro sentido): as Escrituras inspiradas contém  tão-somente a verdade ou as verdades que remetem ao dogma e à moral.  Daí  não espantar que à primeira votação do nº 11 do texto emendado (cfr. G.  Caprile,  art. cit., p. 223-227) deram-se 56 votos em completa recusa ao texto,  além de  umas 300 petições, senão mais, à mudança da expressão veritatem  salutarem; os 184 padres pediam a supressão do adjetivo salutarem,   furtivamente introduzido no texto.
 O  telefonema de  um excelente prelado da Secretaria de Estado me advertiu prontamente da  adição  arbitrária do adjetivo salutaris no texto, interpretada logo após  como  frustrada tentativa de conseguir (com os votos da massa amorfa, que nada   notaria) que se aprovasse a limitação da inerrância apenas às verdades  de fé e  costumes, conforme anseio formulado pelo Instituto Bíblico  Pontifício.
 A  maioria dos  membros “liberais” ou modernistas na Comissão Doutrinal, além da  presidência de  Dodeward na subcomissão, explica a ação desonesta, denunciada ao  Soberano  Pontífice pelos padres, como relata o pe. Caprile. Paulo VI interveio  (18 de  outubro de 1965) com uma carta à Comissão Teológica para que se  retirasse ao  texto a expressão intrusa veritatem salutaris.
 A 19  de  outubro, também sobre esse ponto, quis o card. Ottavianni que o card.  Bea  tomasse a palavra durante a reunião da Comissão, com vistas à revisão do  texto.  Este apresentou vários argumentos contra a fórmula veritatem  salutaris,  destacando que a fórmula em questão sequer havia sido aprovada no curso  da  reunião da Comissão Especial Mista para o projeto De Divina  Revelatione,  mas que se agregara após.
Enfim,   eliminou-se o adjetivo salutaris, mas se quis a todo custo  inserir o  seguinte texto em lugar do veritatem: “veritatem, quam Deus  nostrae  salutis causa Litteris Sacris consignari vuluit”. Desta feita se  obteve o  texto definitivo, que foi aprovado: “na redação do livros sagrados  Deus  elegeu a homens, os quais empregou usando de suas próprias faculdades e  meios,  de forma que, obrando Ele neles e por eles, escreveram, como verdadeiros   autores, tudo e somente o que Ele queria. Logo, como tudo o que os  autores  inspirados ou hagiógrafos afirmam deve ter-se como afirmado pelo  Espírito Santo,  há-de se confessar que os livros da Escritura ensinam firmemente, com  fidelidade  e sem erro, a verdade que Deus quis consignar às sagradas letras para  nossa  salvação” (Constituição Conciliar Dei Verbum, nº 11).
 A  respeito da  intervenção do card. Bea, escreve o pe. Schmidt (Agostino Bea, o  cardeal da  Unidade, Roma 1987, p. 630): “o card. Bea sentia-se tocado muito  de  perto, já que se tratava de uma matéria que lecionara durante décadas no   Instituto Bíblico Pontifício. Para tanto, dedicou-se a fundo contra a  sobredita  reforma, pedindo que se omitisse o adjetivo ‘salutaris’. A fórmula era  ambígua,  dizia Bea, e mais tarde se poderia abusar dela com toda tranqüilidade a  fim de  se sustentar a interpretação restritiva. Conforme pe. Yves Congar, a  intervenção  do card. Bea havia sido severamente julgada mesmo por colaboradores mais   achegados ao cardeal. O pe. Stanislas Lyonnet, em resposta, disse que  “inclusive  aqueles, a quem parecia inoportuna a intervenção do cardeal, logo  reconheceram  que se havia colhido ditosos frutos:  a fórmula proposta e adaptada pela   comissão, além de evitar a expressão ‘veritas salutaris’ [verdade  salvífica],  como vaticinara o cardeal, conservou, não obstante, de maneira clara e  não  ambígua, o laço entre a verdade bíblica e o plano de salvação””.
 Assim  o pe.  Lyonnet, inspirador e alma dos exegetas neomodernistas, avalizava a  interpretação errônea e pertinaz dos confrades. Ver a esse respeito o  artigo do  pe. Ignace de la  Potterie, seu  discípulo, publicado em fevereiro de 1966 na Nouvelle Revue  Théologique  (p. 149-169), e minha refutação em Renovatio, outubro de 1966 (p.  45-62):  A inerrância da Sagrada Escritura, aprovada e certificada com multidão  de provas  pelo card. Bea em seu livro A palavra de Deus e a Humanidade  (Cittadella,  Assis, 1967, p; 184-191). Apesar disso, a incrível tese herética de  Stanislas  Lyonnet e Ignace de la Potterie foi repetida escandalosamente por La  Civiltà  Cattolica (4-1-1986) em  seu editorial A Revelação na vida da Igreja (p. 3-14).
 Historicidade   dos Evangelhos
 Outro  exemplo em  Dei Verbum concerne à  origem apostólica de nossos quatro Evangelhos. Além da inserção salutis   nostrae causa, aí repetida na nota 41, faz referência à instrução Sancta   Mater Ecclesia da Comissão Bíblica Pontifícia (11 de abril de 1964);  no  texto se reproduzem algumas de suas frases. O pe. Schmidt, a propósito  de tal  texto, assim apresenta a obra do card. Bea, que fora deste autor e  promotor (p.  482): “outros estudos respeitavam à exegese. O primeiro tratava, mais  uma  vez, do problema da historicidade dos Evangelhos Sinóticos. Não contente  em pôr  a disposição dos padres conciliares – em finais de 1962 – um opúsculo  sobre tal  tema, o cardeal se esforçou energicamente para que a Comissão Bíblica  Pontifícia  – de que era membro – publicasse uma instrução especial, em que  ativamente  cooperou. Foi também ele que, a 11 de março, apresentou o projeto na  sessão dos  cardeais membros”.
 O que  o pe.  Schmidt não disse – ou apenas deixou entrever – revelou-se mais tarde:  desde  1961, o pe. Bea preparara o tal documento (ou melhor, o preparara o pe.  Lyonnet)  com a intenção de que fosse aprovado pela Comissão Bíblica Pontifícia. O  card.  Ottaviani mo remetera para que o examinasse; de imediato dei-me conta de  que se  pedia aos exegetas católicos que se aplicasse à exegese dos Evangelhos  Sinóticos  (São Mateus, São Marcos e São Lucas) o sistema racionalista da  Formgeschichte [História das Formas], de Bultmann-Dibelius.  Nascido por  volta de 1920, esse sistema fora refutado por católicos e protestantes:  nega a  inspiração divina, a autenticidade e a historicidade dos Evangelhos, ao  pretender que são obras de autores desconhecidos, redigidos pelo menos  quarenta  anos depois da morte do Redentor – tempo necessário à ação criadora da  “comunidade primitiva”...
 A  Instructio devia influenciar os padres conciliares. Tinha por  título e  objeto Da verdade histórica dos Evangelhos, i. é, não a  historicidade! (dela não se fala no texto), senão a verdade que se pode  extrair  dos Evangelhos! O mesmo jogo, sempre! Em realidade, tornavam seus alguns   postulados da Formgeschichte. 
Apresentado  à  Comissão Bíblica Pontifícia pelo card. Bea, e, como de costume,  defendido pelo  card. Tisserant, o documento foi repelido pelos demais membros, os  cardeais  Ruffini, Pizzardo e Mercatu. Após a morte de João XXIII, o card. Bea,  insistente, obteve de Paulo VI a nomeação de novos membros para a  Comissão  Bíblica Pontifícia: os habituais cardeais Alfrink, König, Liénart; ao  mês de  março de 1964 apresentou-lhes “seu” documento, a famigerada Instructio   herética Sancte Mater Ecclesia, que, mais tarde, será citada e  repetida  textualmente pela Comissão Teológica do Concílio!
 Por  que tanto  trabalho e insistência para promover a Instructio, tanta  solicitude em  influenciar aos padres conciliares? Era para demonstrar que no sistema –   inculpado – da Formgeschichte, havia algo de bom; que os jesuítas  do  Instituto Bíblico Pontifício que o aplicavam à exegese dos Evangelhos  usavam-no  licitamente, com aprovação do Magistério; que o Santo Ofício se  equivocara no  Monitum de 1961 e na condenação da dupla Lyonnet-Zerwick.
 Era a  desforra  do card. Bea contra o card. Ottaviani – tal como escreveram, mal  retornassem a  Roma, Lyonnet e Zerwick, em La  Stampa e em Il  Corriere della  Sera. Todos os  neomodernistas, a começar pelo card. Martini, continuaram fazendo da  funesta  Instructio seu cavalo de batalha contra a historicidade dos  Evangelhos, a  favor da Formgeschichte, difudida em jargão com o nome de “método   histórico-crítico”.
 Entretanto,  a  Instructio não tinha – e não tem – valor nenhum. A única verdade  concernente ao dogma seria a historicidade dos Evangelhos, e na  Instructio é proposto um caminho para negá-la. Qualquer exegeta  pode  apontar com o dedo a fragilidade e a falta de fundamento dos diversos  postulados  da Formgeschichte – que a Instructio faz parecer seus – e  demonstrar, caso a caso, a inconsistência científica das “novidades”  propostas e  sua incompatibilidade com a hermenêutica católica.
 Retificação   tardia do card. Bea
   historicidade  plena dos Evangelhos, por sua vez, é e continua sendo verdade de fé. O  próprio  card. Bea, alguns meses antes de sua morte, ratificou, no livro já  citado, a  doutrina católica, ao apresentar um comentário preciso sobre Dei  Verbum  (p. 240-255). De tal modo se contradisse a si mesmo – uma vez que já não  se  poderia sustentar enfaticamente a inspiração divina da Sagrada Escritura  e sua  inerrância absoluta, admitindo de pronto o sistema dos racionalistas –  que  retira justamente a negação a tais dogmas e ainda faz completa abstração  do  Magistério da Igreja! : “com efeito, partindo dos estudos de crítica  literária – especialmente a dos gêneros literários, escreve Bea – vários   homens de ciência não apenas puseram em dúvida a autenticidade dos  Evangelhos,  i. é, o fato de remontarem aos autores de cujos nomes levam, mas também  negaram  inclusive sua origem apostólica, i. é, que se refiram efetivamente à  prédica dos  Apóstolos. Terminou-se por negar o valor histórico dos Evangelhos, com  grandíssimo dano para a fé, evidentemente”. (p. 240 e ss.)
 Ademais,  desta  feita comenta no nº. 19 da constituição Dei Verbum: “em respeito à  afirmação  inicial, destacamos a força extraordinária – única em seu gênero na  história de  nossa constituição – com que se afirma o caráter histórico dos  Evangelhos.  Inicia-se com grande solenidade: “a santa Madre Igreja [...] creu  e crê”,  e continua insistindo: “firme e constantemente”. E como se isso não  bastasse, se  acrescenta que a Igreja “afirma sem vacilar” a historicidade dos quatro  Evangelhos. Este último inciso – explica o cardeal em nota –  acrescentara-se quase ao fim da última revisão do texto, para sanar à  uma justa  preocupação: de que se expressara e se afirmara sem equívocos a  historicidade  dos Evangelhos (cfr. G. Caprile, art. cit., p. 228 e ss).
 “Quando  sabemos  – continua o  card. Bea – quantas ruínas se cumulam devido à História das Formas –  sobretudo com a escola denominada ‘Desmistificação dos Evangelhos’, tal  força  não surpreende. Constitui a expressão da grave preocupação do Concílio  perante  os perigos reais que ameaçavam a fé dos cristãos, não somente a dos  católicos”. O documento conciliar define a seguir o caráter  histórico dos  Evangelhos ao afirmar de maneira concreta a fidelidade dos Evangelhos na   transmissão do que Jesus “fez e ensinou realmente [reapse]”.  O  card. Bea repete em substância o que decretara categoricamente o Monitum   do Santo Ofício.
 Desgraçadamente,   a responsabilidade do card. Bea é, e continua sendo, gravíssima, em  razão do  aval dado à Instructio (que seus confrades neomodernistas e os  alunos do  novo Instituto Bíblico Pontifício continuam alegando para  justificar o  desprezo ao Monitum do Santo Ofício), e da interpretação errônea,  pouco  sincera, do texto conciliar de Dei Verbum.
 Além  disso, a  intervenção do cardeal para excluir o salutaris tranqüilizou os  padres  conciliares, levando-os a votar a favor do texto definitivo – assim  acreditava e  queria ratificar a doutrina católica da inerrância absoluta, ainda que  mesmo  aqui reinasse o equívoco.
 A  intervenção  do Papa e do cardeal, como na questão da historicidade dos Evangelhos,  com a  inclusão do inciso “cuja historicidade afirma sem vacilar”,  tranqüilizou  as centenas de padres que protestaram contra a ambigüidade do texto  emendado e  que denunciavam as intrigas dos neomodernistas da Comissão Doutrinal.  Mas ainda  assim as proposições seguintes da Instructio foram aprovadas,  introduzidas justamente a fim de manter o equívoco.
 E  isso é apenas  um esboço dos desdobramentos do Concílio!
II  Congresso  Teológico da Si Si No No, 1996

 inundado por um mistério de luz que é Deus   e N´Ele vi e ouvi -A ponta da lança como chama que se desprende, toca o eixo da terra, – Ela estremece: montanhas, cidades, vilas e aldeias com os seus moradores são sepultados. - O mar, os rios e as nuvens saem dos seus limites, transbordam, inundam e arrastam consigo num redemoinho, moradias e gente em número que não se pode contar , é a purificação do mundo pelo pecado em que se mergulha. - O ódio, a ambição provocam a guerra destruidora!  - Depois senti no palpitar acelerado do coração e no meu espírito o eco duma voz suave que dizia: – No tempo, uma só Fé, um só Batismo, uma só Igreja, Santa, Católica, Apostólica: - Na eternidade, o Céu!
inundado por um mistério de luz que é Deus   e N´Ele vi e ouvi -A ponta da lança como chama que se desprende, toca o eixo da terra, – Ela estremece: montanhas, cidades, vilas e aldeias com os seus moradores são sepultados. - O mar, os rios e as nuvens saem dos seus limites, transbordam, inundam e arrastam consigo num redemoinho, moradias e gente em número que não se pode contar , é a purificação do mundo pelo pecado em que se mergulha. - O ódio, a ambição provocam a guerra destruidora!  - Depois senti no palpitar acelerado do coração e no meu espírito o eco duma voz suave que dizia: – No tempo, uma só Fé, um só Batismo, uma só Igreja, Santa, Católica, Apostólica: - Na eternidade, o Céu!