CARTA ENCÍCLICA
DO SUMO PONTÍFICE
PIO X
PASCENDI DOMINICI GREGIS
SOBRE
AS DOUTRINAS MODERNISTAS
1ª  PARTE
EXPOSIÇÃO DO SISTEMA E  SUA DIVISÃO
E para  procedermos com ordem  em tão abstrusa matéria, convém notar que cada  modernista representa e quase compendia em si muitos  personagens, isto  é, o de filósofo, o de crente, o de teólogo, o de historiador, o de   crítico, o de apologista, o de reformador; os quais personagens todos,  um por um,  cumpre bem os distinga todo aquele que quiser devidamente  conhecer o seu  sistema e penetrar nos princípios e nas consequências  das suas doutrinas.
 O   modernista filósofo
Começando pelo filósofo,   cumpre saber que todo o fundamento da filosofia religiosa dos  modernistas assenta sobre a doutrina, que  chamamos agnosticismo. Por  força desta doutrina, a razão humana fica inteiramente reduzida à  consideração dos fenómenos, isto é,  só das coisas  perceptíveis e pelo  modo como são perceptíveis; nem tem ela direito nem aptidão para  transpor estes limites. E daí segue que não é dado à razão elevar-se a  Deus, nem conceder-lhe a existência, nem mesmo por intermédio dos seres   visíveis. Segue-se, portanto, que Deus não pode ser de maneira alguma  objecto  directo da ciência; e também com relação à história, não pode  servir de assunto histórico. Postas estas premissas, todos percebem com  clareza qual não deve ser a  sorte da teologia natural, dos motivos de  credibilidade, da revelação externa.  Tudo isto os modernistas rejeitam e  atribuem ao intelectualismo, que chamam  ridículo sistema, morto já há  muito tempo. Nem os abala ter a Igreja condenado formalmente erros tão  monstruosos. Pois que, de fato, o Concílio  Vaticano I assim definiu;

Se alguém disser que não é  possível ou não convém  que, por divina revelação, seja o homem instruído acerca de Deus e do  culto  que lhe é devido, seja anátema (Ibid. Cân. 2); e,  finalmente:
Se alguém disser que a  divina revelação não  pode tornar-se crível por manifestações externas, e que por isto os  homens  não devem ser movidos à fé senão exclusivamente pela interna  experiência ou inspiração privada, seja anátema (De Fide, Cân. 3).
De que  modo porém os  modernistas passam do agnosticismo, que é puro estado de  ignorância, para o ateísmo científico e histórico que,  ao contrário, é  estado de positiva negação, e por isso, com que lógica, do  não saber  se Deus interveio ou não na história do gênero humano, passam a  tudo  explicar na mesma história, pondo Deus de parte, como se na realidade   não tivesse intervindo, quem  o souber  que o explique.
Há  entretanto para eles uma  coisa fixa e determinada, que é o dever ser  atéia a ciência a par da história, em cujas raias não haja  lugar senão  para os fenômenos, repelido de uma vez, Deus e tudo o que é  divino. E  dessa absurdíssima doutrina ver-se-á, dentro em pouco, que coisas   seremos obrigados a deduzir a respeito da augusta Pessoa de Cristo, dos   mistérios e da sua vida e morte, da sua ressurreição e ascensão ao céu.
Este  agnosticismo, porém, na  doutrina dos modernistas, não constitui senão a  parte negativa; a positiva acha-se toda na imanência  vital.

Esta  necessidade das causas  divinas não se fazendo sentir no homem senão em  certas e especiais circunstâncias, não pode de per si pertencer ao  âmbito da consciência; oculta-se (porém), primeiro abaixo  da  consciência, ou, como dizem com vocábulo tirado da filosofia moderna, na  subconsciência, onde a sua raiz fica também oculta e incompreensível.  Se  alguém, contudo lhes perguntar de que modo essa necessidade da  divindade, que o  homem sente em si mesmo, torna-se religião, será esta a  resposta dos  modernistas: a ciência e a história, dizem eles, acham-se  fechadas entre dois termos:  um externo, que é o mundo visível; outro  interno, que é a consciência.  Chegados a um ou outro destes dois  termos, não se pode ir mais adiante; além  destes dois limites acha-se o  incognoscível. Diante deste incognoscível, seja  que ele se ache fora  do homem e fora de todas as coisas visíveis, seja que ele  se ache  oculto na subconsciência do homem, a necessidade de um quê divino, sem   nenhum ato prévio da inteligência, como o quer o fideísmo, gera no ânimo  já inclinado um certo sentimento particular, e este, seja como objeto  seja  como causa interna, tem envolvida em si a mesma realidade divina e  assim, de  certa maneira, une o homem com Deus. É precisamente a este  sentimento que os modernistas dão o nome de fé e tem-no como princípio  de religião.

Entretanto,  em todo este  processo donde, segundo os modernistas, resultam a fé e a  revelação, deve atender-se principalmente  a uma coisa de não pequena  importância, pelas conseqüências  histórico-críticas, que daí fazem  derivar. Aquele Incognoscível, de que falam, não se  apresenta à fé como  que nu e isolado; mas, ao contrário, intimamente unido a algum   fenômeno que, embora pertença ao campo da ciência ou da história, assim  mesmo, de certo modo, transpõe os seus limites.
 Este  fenômeno poderá ser um  fato qualquer da natureza, contendo em si algum  quê de misterioso, ou poderá  também ser um homem, cujo talento, cujos  atos, cujas palavras parecem nada ter  de comum com as leis ordinárias  da história. A fé, pois, atraída pelo  Incognoscível unido ao fenômeno,  apodera-se de todo o mesmo fenômeno e de certo modo o penetra da sua  vida. Donde se seguem duas coisas.
Este  fenômeno poderá ser um  fato qualquer da natureza, contendo em si algum  quê de misterioso, ou poderá  também ser um homem, cujo talento, cujos  atos, cujas palavras parecem nada ter  de comum com as leis ordinárias  da história. A fé, pois, atraída pelo  Incognoscível unido ao fenômeno,  apodera-se de todo o mesmo fenômeno e de certo modo o penetra da sua  vida. Donde se seguem duas coisas.A primeira é uma certa   transfiguração do fenômeno, por uma espécie de elevação das suas  próprias condições, que o torna mais apto, qual matéria, para receber o  divino.
A segunda é uma certa  desfiguração, resultante de  que, tendo a fé subtraído ao fenômeno os seus adjuntos de tempo e de  lugar, facilmente lhe atribui aquilo que em realidade não tem; o que   particularmente se dá em se tratando de fenômenos de antigas datas, e  isto tanto mais  quanto mais remotas são elas. Destes dois pressupostos,  os modernistas deduzem  outros tantos cânones que unidos a um terceiro  já deduzido de agnosticismos, constituem a base da crítica histórica.  Esclareçamos o fato com um  exemplo tirado da pessoa de Jesus Cristo. Na  pessoa de Cristo, dizem, a ciência e  a história não acham  mais do que  um homem. Portanto, em virtude do primeiro cânon deduzido do  agnosticismo, da história dessa pessoa se  deve riscar tudo o que sabe  de divino. Ainda mais, por força do segundo  cânon, a pessoa histórica  de Jesus Cristo foi transfigurado pela fé; logo, convém despojá-la de  tudo o que a eleva acima das condições históricas.
Finalmente,  a mesma foi  desfigurada pela fé, em virtude do terceiro cânon; logo,  se devem remover dela as falas, as ações, tudo  enfim que não  corresponde ao seu caráter, condição e educação, lugar e tempo  em que  viveu. É em verdade estranho tal modo de raciocinar; contudo é esta a   crítica dos modernistas.
O sentimento religioso,  que  por imanência vital surge dos esconderijos da subconsciência, é  pois o gérmen de toda a religião e a  razão de tudo o que tem havido e  haverá ainda em qualquer religião.
Este  mesmo sentimento   rudimentar e quase informe a princípio, pouco a pouco, sob o influxo do  misterioso princípio que lhe  deu origem, tem-se ido aperfeiçoando, a  par com o progresso da vida humana,  da qual, como já ficou dito, é uma  forma.
Temos, pois, assim a origem  de toda a religião, até  mesmo da sobrenatural; e estas não passam de meras explicações do  sentimento religioso. Nem se pense que a católica é excetuada; está no  mesmo nível  das outras, pois não nasceu senão pelo processo de  imanência vital na  consciência de Cristo, homem de natureza  extremamente privilegiada, como outro não  houve nem haverá. Fica-se  pasmo em se ouvindo afirmações tão audaciosas e  sacrílegas! Entretanto,  Veneráveis Irmãos, não é esta linguagem usada temerariamente  só pelos  incrédulos. Homens católicos, até muitos sacerdotes, afirmaram  estas  coisas publicamente, e com delírios tais se vangloriam de reformar a   Igreja.
Já não se trata aqui do  velho erro, que à natureza  humana atribuía um quase direito à ordem sobrenatural.
Vai-se  muito mais longe  ainda; chega-se até a afirmar que a nossa santíssima  religião, no homem Jesus Cristo assim como em nós, é  fruto inteiramente  espontâneo da natureza. Nada pode vir mais a propósito para  dar cabo  de toda a ordem sobrenatural. Por isto com suma razão o Concílio   Vaticano I definiu: Se alguém disser que o homem não pode ser por Deus  elevado a conhecimento e perfeição, que supere as forças da natureza,  mas por si  mesmo pode e deve, com incessante progresso, chegar  finalmente a possuir toda a verdade e todo o bem, seja anátema (De  Revel Cân. 3).
 Até agora porém,  Veneráveis  Irmãos, não lhes vimos dar nenhum lugar à ação da  inteligência. Contudo, segundo as doutrinas dos modernistas, tem ela  também a sua parte no ato de fé. Vejamos como.
Até agora porém,  Veneráveis  Irmãos, não lhes vimos dar nenhum lugar à ação da  inteligência. Contudo, segundo as doutrinas dos modernistas, tem ela  também a sua parte no ato de fé. Vejamos como.Naquele  sentimento, dizem,  de que tantas vezes já se tem falado, precisamente  porque é sentimento e não é conhecimento, Deus de  fato se apresenta ao  homem, mas de modo tão confuso que em nada ou mal se  distingue desse  mesmo crente. Faz-se, pois, mister lançar algum raio de luz sobre   aquele sentimento, de maneira que Deus se apresente fora e distinto do  crente.  Ora, isto é obra da inteligência, à qual somente cabe o pensar e  o analisar, e  por meio da qual o homem a princípio traduz em  representações mentais os  fenômenos de vida, que nele aparecem, e  depois os manifesta com expressões  verbais.
Segue-se  daí esta vulgar  expressão dos modernistas: o homem religioso deve  pensar à sua fé. – Sobrevindo, pois, a inteligência ao sentimento,  inclina-se sobre este, elabora-o  todo, a modo de um pintor  que ilumina  e reanima os traços de um quadro estragado pelo tempo. O  paralelo é de  um dos mestres do modernismo. Neste trabalho a inteligência procede de   dois modos: primeiro, por um ato natural e espontâneo, exprimindo a sua  noção  por uma proposição simples e vulgar; depois, com reflexão e  penetração mais  íntima, ou, como dizem, elaborando o seu pensamento,  exprime o que pensou com  proposições secundárias, se forem finalmente  sancionadas pelo supremo magistério da Igreja, constituirão o dogma.
Assim  pois, na doutrina dos  modernistas, chegamos a um dos pontos mais  importantes, que é a origem e mesmo a natureza do dogma. A  origem do  dogma põem-na eles, pois, naquelas primitivas fórmulas simples que,   debaixo de certo aspecto, devem considerar-se como essenciais à fé, pois  que a  revelação, para ser verdadeiramente tal, requer uma clara  aparição de Deus na  consciência. O mesmo dogma porém, ao que parece, é  propriamente constituído pelas  fórmulas secundárias. Mas, para bem se   conhecer a natureza do dogma, é preciso primeiro indagar que relações  há entre as fórmulas religiosas e o  sentimento religioso.
Não  haverá dificuldade em o  compreender para quem já tiver como certo que  estas fórmulas não têm outro fim, senão o de facilitarem  ao crente um  modo de dar razão da própria fé. De sorte que essas fórmulas  são como  que umas intermediárias entre o crente e a sua fé; com relação à  fé,  são expressões inadequadas do seu objeto e pelos modernistas se   denominam símbolos; com relação ao crente, reduzem-se a meros  instrumentos.
Não é portanto de nenhum  modo lícito afirmar  que elas exprimem uma verdade absoluta; portanto, como símbolos, são  meras  imagens de verdade, e portanto devem adaptar-se ao sentimento  religioso, enquanto  este se refere ao homem; como instrumentos, são  veículos de verdade e assim, por  sua vez, devem adaptar-se ao homem,  enquanto se refere ao sentimento  religioso. E, pois que este  sentimento, tem por objeto o absoluto, apresenta infinitos aspectos, dos  quais pode aparecer, hoje um, amanhã outro e da mesma  sorte como  aquele que crê pode  passar por essas e aquelas condições, segue-se que  também as fórmulas, que chamamos dogmas, devem estar sujeitas a iguais  vicissitudes, e por isso também a variarem.
Assim  pois, temos o caminho  aberto à íntima evolução do dogma. Eis aí um  acervo de sofismas, que subvertem e destroem toda a  religião!

Assim, Veneráveis Irmãos,  pensa o modernista  como filósofo.
 

 inundado por um mistério de luz que é Deus   e N´Ele vi e ouvi -A ponta da lança como chama que se desprende, toca o eixo da terra, – Ela estremece: montanhas, cidades, vilas e aldeias com os seus moradores são sepultados. - O mar, os rios e as nuvens saem dos seus limites, transbordam, inundam e arrastam consigo num redemoinho, moradias e gente em número que não se pode contar , é a purificação do mundo pelo pecado em que se mergulha. - O ódio, a ambição provocam a guerra destruidora!  - Depois senti no palpitar acelerado do coração e no meu espírito o eco duma voz suave que dizia: – No tempo, uma só Fé, um só Batismo, uma só Igreja, Santa, Católica, Apostólica: - Na eternidade, o Céu!
inundado por um mistério de luz que é Deus   e N´Ele vi e ouvi -A ponta da lança como chama que se desprende, toca o eixo da terra, – Ela estremece: montanhas, cidades, vilas e aldeias com os seus moradores são sepultados. - O mar, os rios e as nuvens saem dos seus limites, transbordam, inundam e arrastam consigo num redemoinho, moradias e gente em número que não se pode contar , é a purificação do mundo pelo pecado em que se mergulha. - O ódio, a ambição provocam a guerra destruidora!  - Depois senti no palpitar acelerado do coração e no meu espírito o eco duma voz suave que dizia: – No tempo, uma só Fé, um só Batismo, uma só Igreja, Santa, Católica, Apostólica: - Na eternidade, o Céu!