A aplicação no Brasil, como também é de conhecimento público, é mínima. Apenas algumas poucas grandes arquidioceses conseguem suportar os “tradicionalistas” com suas missas em latim. Destaque para a arquidiocese de São Paulo que, mesmo antes do Motu Proprio, oferece alguns locais de missa tradicional regulares.
Se por um lado, como deixei claro na última postagem, a inércia dos católicos contribui para essa aplicação pequena do Motu Próprio, por outro, como explicou o Fratres in Unum, a pressão da hierarquia e o descontentamento dos bispos com a forma antiga da liturgia são também pontos importantíssimos e precisam ser considerados.
Uma nova geração de bispos está chegando, mas essa renovação parece ser bem mais lenta no Brasil que na França, EUA e Inglaterra. Temos hoje, no universo episcopal brasileiro, cinco nomes, talvez menos, que simpatizam com o Motu Proprio e não têm o medo paranóico da antiga liturgia: Dom Guimarães (Garanhuns), Dom Keller (Frederico Westphalem), Dom Henrique (Alagoas), Dom Oppermann (Uberaba). Dom Rifan não entra na conta porque a missa extraordinária é a norma e não a exceção no caso da Administração Apostólica.
A história do Motu Proprio no Brasil é bem padronizada.
Um pequeno grupo se forma, normalmente composto de jovens que redescobrem a fé através de estudo particular e muita pesquisa. O perfil desses jovens é basicamente o mesmo: desiludidos com aquilo que observam nas suas paróquias, na TV; vêem uma diferença gritante entre o catolicismo politizado/show do Brasil e aquilo que chaga de Roma. Esses jovens observam a contradição e procuram entender como pode existir tamanha diferença de posições (Roma x CNBB). Normalmente são jovens com um refinamento intelectual, gostam de literatura, não raro são bilíngües.
Através de uma busca individual e sincera, acabam esbarrando em sites que, de uma forma ou de outra, contam a história da grave crise da Igreja. A Montfort certamente tem/teve um papel singular na vida de praticamente 100% desses jovens.
Depois de entenderem mais ou menos o problema, compreendem que precisam agir e formam pequenos grupos de pessoas. Então é hora de sair “caçando” nomes para a missa. Os jovens explicam o que é a missa e conseguem algumas pessoas, normalmente curiosas (elas próprias não estavam buscando uma "nova missa"), para seus manifestos. Entregam os nomes ao pároco que, na ignorância, lhes diz que essa missa está proibida. Mais uma batalha, agora para “aggionar” o padre sobre os novos rumos da Igreja, começa.
Duas coisas acontecem neste ponto que conduzem os jovens ao bispo. Um, o padre se nega a celebrar ou o padre até se dispõe a rezar, mas confessa que o bispo odeia a missa e já proibiu todos os membros do clero de reza-la. A segunda opção é mais freqüente.
Pobre desses jovens! Vão ao encontro do bispo e recebem todo tipo de impedimento burocrático. O bispo lhes questiona sobre o latim. “Quantos de vocês sabem o latim?” pergunta ironicamente o epíscopo. “Ninguém conhece o latim”, respondem receosos. “Então por que querem uma missa em latim, uma língua morta que ninguém fala?”.
O bispo tenta convencer os pobres neocatólicos que o pedido é tolo, não passa de modismo, superficialidade. E os jovens argumentam sobre as vantagens teológicas da missa antiga, crendo ingenuamente que o bispo aceitará algum argumento. São tratados como os piores hereges que já pisaram na Cúria.
- Mas vocês são cismáticos! Acham que a missa tridentina tão boa é porque não aceitam a missa reformada de Paulo VI!
- Excelência, veja bem, uma coisa não tem nada a ver com a outra... É só ler o Motu Proprio e a carta que o Papa mandou que vai perceber que...
- Não, não! Não me venham com essa! O Papa escreveu para os franceses, para os italianos. Aqui a conversa é outra, a realidade é outra.
E após muitas discussões, reuniões infindáveis, o bispo decide que o melhor é acatar o pedido. Mas...
“Vocês terão a capela rural de ‘São Judas da Bota Perdida’ na menor cidade da nossa diocese para celebrar uma vez por mês. Não podem fazer alarde dessa missa, nada de propaganda ou divulgação em jornal, rádio, etc.” diz o benevolente epíscopo.
Há dioceses onde não há um único padre que queira rezar ou aprender a rezar essa missa. Em outras, ainda, é possível ver 25 monsenhores se unindo para criar tantos empecilhos que os jovens acabam desistindo.
Claro que há algumas variações nesses casos, estou generalizando a partir daquilo que já recebi de relatos dos internautas de diversas dioceses.
Em geral o pacote pela missa no Brasil é o “básico”. Inclui estritamente a liturgia, ou seja, uma missa na forma antiga uma vez por semana, de preferência não aos domingos.
Parece bom? Se pensarmos em Brasil, podemos dizer que já é muito. Mas se não há um acompanhamento de um bom padre, piedoso e conhecedor da doutrina, então tudo acaba rápido.
Aqui a figura do sacerdote começa a tomar relevo. Normalmente é o bispo quem designa um padre para “vigiar” esse grupo e garantir que continuem no gueto. Casos mais raros, onde o índice de sucesso é maior, são aqueles onde o grupo encontra um sacerdote que reza a missa e ainda proporciona atendimento espiritual adequado com a realidade tradicional. Curitiba parece ser um bom exemplo.
Contudo, em alguns casos o padre reza a missa por pura obrigação, um fardo desagradável imposto pelo bispo. Não ouve confissões, seu sermão é tão bom quanto daqueles “animados” da TV, faz tudo mecanicamente. Nesses casos o pequeno grupo começa a minguar. A essência transcendental da missa não consegue ultrapassar tantos obstáculos.
Lembro-me de um caso assim na Espanha, onde o padre rezou a missa tradicional com tanta má-vontade que o povo se revoltou.
O ideal seria o acolhimento desse grupo por um sacerdote que escolhesse livremente rezar a missa antiga, sem imposições. O bispo deveria simplesmente garantir um local adequado e indicar alguns padres que considera aptos ao oficio.
Numa diocese ideal não só a liturgia da missa estaria presente, mas o Oficio divino, o rosário em latim, catecismo público dentro da Igreja (e não em salões), formação de corais de canto gregoriano, etc. E o bispo ainda poderia participar dessas cerimônias, demonstrando que também está atento às necessidades desse pequeno grupo. Numa diocese ideal, é claro...
Tomemos como exemplo os EUA, onde bispos participam de retiros de grupos tradicionais. Isso só faz aumentar esses grupos, fortalece a unidade da diocese e a qualidade do laicato. Em algumas dioceses norte-americanas, como St Louis e Chicago, as confirmações no rito antigo são disputadíssimas. Os jovens são preparados dentro da doutrina católica e os pais notam a diferença quando comparam com os jovens crismandos das paróquias ordinárias. Isso cria um efeito condutor, uma paróquia melhorando a outra...
E a fé é ensinada e transmitida. Os bispos estadunidenses não possuem aquela paranóia que contamina os nossos bispos e eles até têm motivos de sobra para paranóia: os EUA são a capital internacional do sedevacantismo, possuem um seminário da FSSPX aberto e funcionando, têm muito mais problemas nos quesitos vocacional e financeiro.
Os fiéis do Motu Proprio são acompanhados de perto por bons sacerdotes, normalmente os melhores da diocese, praticamente toda catedral estadunidense está de portas abertas para eles, etc.
Isso só mostra que, no quesito hierarquia, de certa forma, os bispos brasileiros estão certos quando dizem que o Motu Proprio é direcionado apenas à Europa e EUA. Nós ainda não temos um episcopado tão bem preparado para entender esse grande documento.
fonte:Igreja una