segunda-feira, 3 de junho de 2013

A Sagrada Liturgia – Dom Athanasius Schneider


A Sagrada Liturgia – Dom Athanasius Schneider

fonte: Fratres in Unum.com
Para falarmos corretamente da nova evangelização, é indispensável fixarmos, primeiramente, o nosso olhar sobre Aquele que é overdadeiro evangelizador, isto é, Nosso Senhor e Salvador Jesus Cristo, o Verbo de Deus feito Homem. O Filho de Deus veio a esta terra para expiar e redimir o maior pecado, o pecado por excelência. E o pecado por excelência da humanidade consiste na recusa de adorar a Deus, na recusa de Lhe reservar o primeiro lugar, o lugar de honra. Este pecado dos homens consiste no fato de não se dar atenção a Deus, no fato de que não se tem mais o sentido das coisas, ou dos detalhes que emergem de Deus e da adoração que Lhe é devida, no fato de não se querer ver a Deus, no fato de não se querer ajoelhar diante de Deus.
Em face de uma tal atitude, a encarnação de Deus é embaraçosa; embaraçosa, igual e consequentemente, a presença real de Deus no mistério eucarístico; embaraçosa a centralidade da presença eucarística de Deus nas igrejas. O homem pecador quer, com efeito, pôr-se no centro, tanto dentro da igreja como durante a celebração eucarística, ele quer ser visto, quer ser reparado.
Esta é a razão pela qual se prefere colocar de lado Jesus Eucaristia, Deus encarnado, presente no tabernáculo sob a forma eucarística. Mesmo a representação do Crucificado sobre a Cruz no meio do altar, durante a celebração voltada para o povo, é embaraçosa, porque o rosto do padre se encontraria ofuscado. Dessa forma, a imagem do Crucificado ao centro, assim como Jesus Eucaristia no tabernáculo igualmente no centro do altar, são embaraçosos. Consequentemente, a Cruz e o Tabernáculo são deslocados para o canto. Durante a celebração, os assistentes devem poder observar permanentemente o rosto do padre, e este adquire prazer em se colocar, literamente, no centro da casa de Deus. E se por azar Jesus Eucaristia, apesar de tudo, for deixado em seu tabernáculo no centro do altar, porque o ministério dos monumentos históricos, mesmo sob um regime ateu, proibiu que se O deslocasse por razões de conservação do patrimônio artístico, o padre, frequentemente ao longo de toda a celebração litúrgica, Lhe dá, sem escrúpulos, as costas.
Quantas vezes corajosos fiéis adoradores de Cristo, na sua simplicidade e humildade, terão bradado: “Bendito sejais, Monumentos históricos! Vós ao menos nos deixastes Jesus no centro de nossa igreja”.
Apenas a partir da adoração e da glorificação de Deus é que a Igreja pode anunciar de maneira adequada a palavra da verdade, ou seja, evangelizar. Antes que o mundo ouvisse Jesus, o Verbo eterno feito carne, a pregar e anunciar o reino, Ele se ocultou e adorou durante trinta anos. Esta permanece para sempre a lei para a vida e a ação da Igreja, bem como para todos os evangelizadores. “É na maneira de se tratar a liturgia que se decide a sorte da Fé e a Igreja”, disse o Cardeal Ratzinger, o nosso atual Santo Padre, o Papa Bento XVI. O Concílio Vaticano II quis recordar à Igreja qual realidade e qual ação deveriam ter o primeiro lugar em sua vida. É por isso que o primeiro documento conciliar foi consagrado à liturgia. A este respeito, o Concílio nos dá os seguintes princípios: na Igreja, e conseqüentemente na liturgia, o humano deve se orientar ao divino e lhe ser subordinado, do mesmo modo o visível em relação ao invisível, a ação em relação à contemplação e o presente em relação à cidade futura, à qual aspiramos (cf. Sacrosanctum Concilium, 2). A nossa liturgia terrestre participa, de acordo com o ensinamento do Vaticano II, de um antegozo da liturgia celestial da cidade santa de Jerusalém (cf. idem, 2).
Conseqüentemente, tudo na liturgia da Santa Missa deve servir ao que exprime de maneira mais nítida a realidade do sacrifício de Cristo, isto é, as orações de adoração, de agradecimento, de expiação, de petição, que o eterno Sumo Sacerdote apresentou a Seu Pai.
O rito e todos os detalhes do Santo Sacrifício da Missa devem se centrar sobre a glorificação e a adoração a Deus, insistindo na centralidade da presença de Cristo, seja no sinal e na representação do Crucificado, seja na Sua presença Eucarística no tabernáculo, e, sobretudo, no momento da Consagração e da Santa Comunhão. Tanto mais isso é respeitado, menos o homem se mantém no centro da celebração, menos a celebração se assemelha a um círculo fechado, mas está aberta, até de uma maneira externa, a Cristo, como em uma procissão que se dirige a Ele com o padre à sua frente; mais uma tal celebração litúrgica refletirá de maneira verdadeira o sacrifício de adoração de Cristo na Cruz; mais ricos serão os frutos que os participantes receberão em sua alma proveniente da glorificação de Deus; mais Deus os exaltará.
Mais o padre e os fiéis procurarão, em verdade, durante as celebrações eucarísticas, a glória de Deus e não a glória dos homens, e não procurarão receber a glória uns dos outros, mais Deus os honrará deixando que suas almas participem de maneira mais intensa e mais fértil da Glória e da Honra da Sua vida divina.
Atualmente, e em diversos lugares da terra, numerosas são as celebrações da Santa Missa onde se poderia dizer a seu propósito as seguintes palavras, invertendo as palavras do Salmo 113, versículo 9: “A nós, Senhor, e ao nosso nome seja dada a glória” e, ademais, a propósito de tais celebrações são aplicáveis as palavras de Jesus: “Como podeis crer, vós que recebeis a glória uns dos outros, e não buscais a glória que é só de Deus?” (João 5, 44).
O Concílio Vaticano II emitiu, relativo a uma reforma litúrgica, os seguintes princípios:
1. O humano, o temporal, a atividade devem, durante a celebração litúrgica, orientar-se ao divino, ao eterno, à contemplação, e ter um papel subordinado em relação a eles (cf. Sacrosanctum Concilium, 2).
2. Durante a celebração litúrgica, dever-se-á incentivar a tomada de consciência de que a liturgia terrestre participa da liturgia celestial (cf. Sacrosanctum Concilium, 8).
3. Não deve haver absolutamente nenhuma inovação, portanto, nenhuma criação nova de ritos litúrgicos, sobretudo no rito da missa, salvo se por um benefício verdadeiro e certo em prol da Igreja, e sob condição de que se proceda com prudência e que, eventualmente, as formas novas substituam as formas existentes de maneira orgânica (cf. Sacrosanctum Concilium, 23).
4. Os ritos da missa devem ser de tal modo que o sagrado seja expresso mais explicitamente (cf. Sacrosanctum Concilium, 21).
5. O latim deve ser conservado na liturgia e sobretudo na Santa Missa (cf. Sacrosanctum Concilium, 36 e 54).
6. O canto gregoriano tem o primeiro lugar na liturgia (cf. Sacrosanctum Concilium, 116).
Os padres conciliares viam as suas propostas de reforma como a continuação da reforma de São Pio X (cf. Sacrosanctum Concilium, 112 e 117) e do Servo de Deus Pio XII, e, com efeito, na constituição litúrgica, é a encíclica Mediator Dei, do Papa Po XII, a que eles mais citaram.
O Papa Pio XII deixou à Igreja, entre outros, um princípio importante da doutrina sobre a Sagrada Liturgia, a saber, a condenação do que se chama o arqueologismo litúrgico, cujas propostas coincidiam largamente com as do sínodo jansenista e protestantizante de Pistóia, de 1786 (cf. “Mediator Dei”, n° 63-64), e que, com efeito, evoca os pensamentos teológicos de Martinho Lutero.
É por isso que já o Concílio de Trento condenou as idéias litúrgicas protestantes, em particular a acentuação exagerada da noção de banquete na celebração eucaristica, em detrimento do carácter sacrifical, a supressão de sinais unívocos da sacralidade como expressão do mistério da liturgia (cf. Concílio de Trento, sessio XXII).
As declarações litúrgicas doutrinais do magistério, como, neste caso, as do Concílio de Trento e da encíclica Mediator Dei, que se refletem numa praxis litúrgica secular, ou mesmo milenar, constante e universal, portanto, fazem parte desse elemento da santa tradição que não se pode abandonar sem incorrer em grandes prejuízos no nível espiritual. Estas declarações doutrinais sobre a liturgia são retomadas pelo Vaticano II, como se pode constatar lendo os princípios gerais do culto divino na constituição litúrgica Sacrosanctum Concilium.
Como erro concreto no pensamento e no agir do arqueologismo litúrgico, o Papa Pio XII cita a proposta apresentada de dar ao altar a forma de mesa (cf. Mediator Dei n° 62). Se já o Papa Pio XII recusou o altar na forma de mesa, imagine como a fortiori teria recusado a proposta de uma celebração ao redor de uma mesa “versus populum”!
Se a Sacrosanctum Concilium ensina no n° 2 que, na liturgia, a contemplação deve ter a prioridade e que toda celebração da missa deve ser orientada para os mistérios celestiais (cf. idem n° 2 e n° 8), encontramos aí um eco fiel da seguinte declaração do Concílio de Trento, que dizia: “Já que a natureza humana é tal, que não pode, facilmente e sem socorros exteriores, elevar-se a meditar as coisas divinas, por isso a Igreja, piedosa Mãe que é, instituiu certos ritos para se recitarem na missa, uns em voz submissa, outros em voz alta. Juntou a isto cerimônias, como bênçãos místicas, luzes, vestimentas e outras coisas congêneres da Tradição apostólica, com que se fizesse perceptível a majestade de tão grande sacrifício, e para que o entendimento dos fiéis se excitasse, por meio destes sinais visíveis da religião e da piedade, à contemplação das coisas altíssimas que se ocultam neste sacrifício.” (sessio XXII, cap. 5 — fonte da tradução aqui)
Os ensinamentos citados do magistério da Igreja e, sobretudo, os de Mediator Dei, eram indubitavelmente reconhecidos pelos Padres Conciliares como plenamente válidos; conseqüentemente, devem continuar hoje ainda a ser plenamente válidos para todos os filhos da Igreja.
Em sua carta dirigida a todos os bispos da Igreja Católica que Bento XVI acrescentou ao Motu Proprio Summorum Pontificum, de 7 de julho de 2007, o Papa faz esta declaração importante: “Na história da liturgia, há crescimento e progresso, mas não ruptura. O que foi sagrado para as gerações passadas deve permanecer sagrado e grande para nós”. Dizendo isso, o Papa exprime o princípio fundamental da liturgia que o Concílio de Trento, o Papa Pio XII e Concílio Vaticano II ensinaram.
Quando se olha, sem idéias preconcebidas e de forma objetiva, a prática litúrgica da esmagadora maioria das igrejas em todo o mundo católico onde a forma ordinária do rito romano está em uso, ninguém pode negar, com toda franqueza, que os seis princípios litúrgicos mencionados do Concílio Vaticano II não são, ou são muito pouco, respeitados, embora se declare erroneamente que esta prática da liturgia foi desejada pelo Vaticano II. Há um certo número de aspectos concretos na prática litúrgica dominante atual, no rito ordinário, que representam uma verdadeira ruptura com a prática litúrgica constante de há mais de um milênio. Trata-se dos cinco usos litúrgicos seguintes, que se pode designar como sendo as cinco chagas do corpo místico litúrgico de Cristo. Trata-se de feridas, porque representam uma violenta ruptura com o passado, porque enfatizam menos o carácter sacrifical que é, todavia, absolutamente, o carácter central e essencial da missa, e enfatizam o banquete; tudo isso diminui os sinais externos de adoração divina, pois colocam menos em relevo o carácter do mistério naquilo que ele tem de celestial e eterno.
No que diz respeito a estas cinco chegas, com exceção de uma delas (as novas orações do ofertório), as outras não são previstas na forma ordinária do rito da missa, mas foram introduzidas pela prática de um modo deplorável.
A primeira chaga, e a mais evidente, é a celebração do sacrifício da missa em que padre celebra voltado para os fiéis, especialmente durante a oração eucarística e a consagração, o momento mais elevado e sagrado da adoração devida a Deus. Esta forma externa corresponde, por natureza, mais à forma com que nos comportamos quando compartilhamos uma refeição. Estamos na presença de um círculo fechado. E esta forma absolutamente não está em conformidade com o momento da oração e, ainda menos, com o da adoração. Ora, esta forma não foi desejada de modo algum pelo Concílio Vaticano II e nunca foi recomendada pelo magistério dos Papas pós-conciliares. O Papa Bento XVI escreve em seu prefácio ao primeiro volume de suas obras completas: “A idéia de que o padre e a assembléia devam se olhar durante a oração nasceu entre os modernos e é totalmente alheia à cristandade tradicional. O padre e a assembléia não se dirigem mutuamente uma oração, mas ao Senhor. É por isso que na oração eles olham para a mesma direção: quer para o leste, como símbolo cósmico do retorno do Senhor, ou então, onde isso não é possível, para uma imagem de Cristo situada na abside, para uma cruz ou simplesmente juntos para o alto”.
A forma de celebração em que todos dirigem seu olhar à mesma direcção (conversi ad orientem, ad Crucem, ad Dominum) é mesmo evocada nas rubricas do novo rio da missa (cf. Ordo Missae, n. 25, n. 133 e n. 134). A celebração que se chama “versus populum” não corresponde certamente à ideia da Santa Liturgia tal como é mencionada nas declarações de Sacrosanctum Concilium n°2 e n° 8.
A segunda chaga é a comunhão na mão difundida praticamente por toda a parte do mundo. Não somente este modo de receber a comunhão não foi evocado de modo algum pelos Padres Conciliares do Vaticano II, mas foi, de fato, introduzido por um certo número de bispos em desobediência à Santa Sé e em desprezo ao voto negativo, em 1968, da maioria do corpo episcopal. Só posteriormente o Papa Paulo VI a legitimou, sob condições especiais e à contragosto.
O Papa Bento XVI, desde a festa de Corpus Christi de 2008, só distribui a comunhão aos fiéis de joelhos e sobre a língua, e isso não somente em Roma, mas também em todas as igrejas locais que visita. Com isso, ele dá à Igreja toda um exemplo claro do magistério prático em matéria litúrgica. Se a maioria qualificada do corpo episcopal, três anos após o concílio, recusou a comunhão na mão como algo nocivo, quanto mais os Padres conciliares o teriam feito igualmente!
A terceira chaga são as novas orações do ofertório. São uma criação inteiramente nova e nunca estiveram em uso na Igreja. Elas exprimem menos a evocação do mistério do Sacrifício da Cruz do que a de um banquete, recordando as orações da ceia sabática judaica. Na tradição mais que milenar da Igreja de Ocidente e do Oriente, as orações do ofertório sempre foram centradas expressamente no mistério do Sacrifício da Cruz (cf. p. exemplo Paul Tirot, Histoire des prières d’offertoire dans la liturgie romaine du VIIème au XVIème siècle, Roma 1985). Tal criação absolutamente nova está, sem dúvida alguma, em contradição com a formulação clara do Vaticano II, que recorda: “Innovationes ne fiant … novae formae ex formis iam exstantibus organice crescant ” (Sacrosanctum Concilium, 23).
A quarta chaga é o desaparecimento total do latim na imensa maioria das celebrações eucarísticas na forma ordinária, na totalidade dos países católicos. Eis aí uma infração direta às decisões do Vaticano II.
A quinta chaga é o exercício dos serviços litúrgicos de leitor e de acólito por mulheres, bem como o exercício destes mesmos serviços em trajes civis, adentrando o coro durante a Santa Missa diretamente do espaço reservado ao fiéis. Este costume nunca existiu na Igreja, ou pelo menos nunca foi bem-vindo. Ele confere à celebração da missa católica o caráter exterior de algo de informal, ou melhor, o caráter e o estilo de uma assembléia profana. O segundo Concílio de Nicéia já proibia tais práticas em 787, editando este cânon: “Se alguém não é ordenado, não lhe é autorizado fazer a leitura no ambão durante a santa liturgia” (can. 14). Esta norma constantemente foi respeitada na Igreja. Somente os subdiáconos ou os leitores tinham o direito de fazer a leitura durante a liturgia da Missa. Em caso de substituição dos leitores e acólitos ausentes, os homens ou rapazes em hábitos litúrgicos podem fazê-lo, mas não mulheres, já que o sexo masculino, no plano da ordenação não sacramental dos leitores e acólitos, representa simbolicamente o último laço com as ordens menores.
Nos textos do Vaticano II não é feita nenhuma menção à supressão das ordens menores e do subdiaconato, nem a introdução de novos ministérios. Na Sacrosanctum Concilium n° 28, o concílio faz a distinção entre “minister” e “fidelis” durante a celebração litúrgica, e determina que ambos têm o direito de não fazer senão o que lhes corresponde em razão da natureza da liturgia. O n° 29 menciona os “ministrantes”, ou seja, os servos do altar que não receberam nenhuma ordenação. Em oposição a eles, haveria, de acordo com os termos jurídicos da época, os “ministri”, ou seja, os que receberam uma ordem, seja maior ou menor.
Pelo Motu Proprio Summorum Pontificum, o Papa Bento XVI determina que as duas formas do rito romano devem ser vistas e tratadas com o mesmo respeito, pois a Igreja permanece a mesma antes e depois do concílio. Na carta de acompanhamento ao Motu Proprio, o Papa deseja que as duas formas se enriqueçam mutuamente. Além disso, deseja que na nova forma se manifeste “de maneira mais intensa do que frequentemente tem acontecido até agora, aquela sacralidade que atrai muitos para o uso antigo.”
As quatro chagas litúrgicas ou usos infelizes (celebração versus populum, comunhão na mão, abandono total do latim e do canto gregoriano e a intervenção das mulheres no serviço da leitura e do acolitato) não têm, em si, nada que ver com a forma ordinária da missa e estão, ademais, em contradição com os princípios litúrgicos do Vaticano II. Se fosse colocado um termo a estes usos, retornaríamos ao verdadeiro ensinamento litúrgico do Vaticano II. E neste momento, as duas formas do rito romano se aproximariam enormemente, de modo que, ao menos exteriormente, não se teria como constatar uma ruptura entre elas e, consequentemente, como constatar uma ruptura entre a Igreja de antes do concílio e aquela de depois.
No que diz respeito às novas orações do ofertório, seria desejável que a Santa Sé as substituísse pelas orações correspondentes da forma extraordinária ou, pelo menos, que permitisse a sua utilização ad libitum. Assim, não apenas exteriormente, mas interiormente, a ruptura entre as duas formas seria evitada. A ruptura na liturgia, é exatamente ela o que a maioria dos Padres conciliares não quiseram; testemunham-no as atas do concílio, pois nos dois mil anos de história da liturgia na Santa Igreja nunca houve ruptura litúrgica e, por conseguinte, não deve jamais haver. Pelo contrário, dever haver uma continuidade como convém que seja ao magistério.
As cinco feridas do corpo litúrgico da Igreja evocadas aqui reclamam uma cura. Elas representam uma ruptura comparável àquela do exílio de Avignon. A situação de uma ruptura tão nítida numa expressão da vida da Igreja está longe de ser sem importância — outrora a ausência dos Papas na cidade de Roma, hoje a ruptura visível entre a liturgia de antes e de depois do concílio. Esta situação, portanto, pede por uma cura.
É por isso que há, hoje, a necessidade de novos santos, de uma ou várias Santa Catarina de Sena. Há necessidade da “vox populi fidelis” que reclama a supressão desta ruptura litúrgica. Mas o trágico da história é que hoje, como outrora no tempo do exílio de Avignon, uma grande maioria do clero, sobretudo do alto clero, se satisfaz com este exílio, com esta ruptura.
Antes que se possa esperar os frutos eficazes e duradouros da nova evangelização, é necessário primeiramente que se estabeleça no interior da Igreja um processo de conversão. Como se pode convidar os outros a se converter enquanto, entre os que convidam, não ocorreu ainda nenhuma conversão convincente em direção a Deus, já que, na liturgia, eles não estão voltados suficientemente para Deus, tanto interior como exteriormente. Celebra-se o sacrifício da missa, o sacrifício da adoração de Cristo, o maior mistério da fé, o ato de adoração mais sublime num círculo fechado, olhando-se uns aos outros.
Falta a “conversio ad Dominum” necessária, mesmo exteriormente, fisicamente. Dado que durante a liturgia, trata-se Cristo como se ele não fosse Deus e não se manifesta isso com sinais externos claros de uma adoração devida ao Deus único, no fato dos fiéis receberem a Santa Comunhão de pé e, ademais, tomando-A em suas mãos como um alimento comum, ao pegá-la com os dedos e ao colocar eles mesmos na boca. Há aqui o perigo de uma espécie de arianismo ou de um semi-arianismo eucarístico.
Uma das condições necessárias a uma frutuosa nova evangelização seria o seguinte testemunho de toda a Igreja no âmbito do culto litúrgico público, observando ao menos estes dois aspectos do culto divino, a saber:
1) Que por toda a terra a Santa Missa seja celebrada, mesmo na forma ordinária, na “conversio ad Dominum”, interior e também, necessariamente, exteriormente.
2) Que os fiéis dobrem os joelhos diante de Cristo no momento da Sagrada Comunhão, como pede São Paulo, evocando o nome e a pessoa de Cristo (cf. Fl. 2,10), e que O recebam com o maior amor e o maior respeito possível, como Lhe corresponde enquanto Deus verdadeiro.
Graças a Deus, o Papa Bento XVI iniciou, por duas medidas concretas, o processo de regresso do exílio litúrgico de Avignon, isto é, pelo Motu Proprio Summorum Pontificum e pela reintrodução do rito da comunhão tradicional.
São ainda necessárias muitas orações e, talvez, uma nova Santa Catarina de Sena, a fim de que prossigam os outros passos, de forma a curar as cinco chagas no corpo litúrgico e místico da Igreja e que Deus seja venerado na liturgia com aquele amor, aquele respeito, aquele sentido do sublime que sempre foram a realidade da Igreja e de seu ensinamento, especialmente através do Concílio de Trento, do Papa Pio XII em sua encíclica Mediator Dei, do Concílio Vaticano II em sua constituição Sacrosanctum Concilium e do Papa Bento XVI em sua teologia da liturgia, de seu magistério litúrgico prático e do Motu proprio supracitado.
Ninguém pode evangelizar se antes não adorar, ou mesmo se não adorar permanentemente e não der a Deus, o Cristo Eucarístico, a verdadeira prioridade na maneira de celebrar e em toda a sua vida. Com efeito, para retomar as palavras do Cardeal Joseph Ratzinger: “Na maneira de se tratar a liturgia é que se decide a sorte da Fé e da Igreja”.
Dom Athanasius Schneider, Réunicatho, 15 de laneiro de 2012.