Missa Votiva em honra de Nossa Senhora de Fátima, 10 de Setembro de 2010
Rvdo. Pe. Scptt A. Haynes, SJC, Cônegos Regulares de São João Câncio, Chicago
Quando os emissários de Vladimir, príncipe de Kiev voltaram após assistir a Divina Liturgia na Catedral de Santa Sofia em Constantinopla no século X, escreveram em seu relatório: "Não sabíamos se estávamos no céu ou na terra, pois certamente tal esplendor e beleza não existe em outro lugar da Terra. Não conseguimos descrevê-lo; só sabemos que Deus lá habita entre os homens, e que o seu serviço ultrapassa a cerimónia de todos os outros lugares. Sua beleza é simplesmente inesquecível".
O amor da beleza e sua expressão em obras de arte não é a beleza em si mas manifesta uma homenagem a Deus, pois, segundo Santo Tomás de Aquino, "a beleza é um dos nomes de Deus". Assim, quando a Igreja é convocada para celebrar os divinos mistérios, ela emprega todas as artes que tocam os sentidos, porque aquilo que é verdadeiramente belo nos agrada quando o contemplamos.
É por isso que Santa Teresa d'Avila declarou: "Fico sempre profundamente tocada pela grandiosidade das cerimónias da Igreja". A capacidade única do canto gregoriano para evocar em nós o espírito de oração contemplativa, os paramentos festivos, o uso do incenso, velas, objectos de ouro e prata, água benta etc. - tudo isso nos auxilia na adoração do Deus Uno e Trino, que criou a beleza, a sustenta, a redimiu e é Ele mesmo a própria beleza. A Igreja sempre envolveu o Santo Sacrifício da Missa num ambiente de reverência e mistério. Ao utilizar os bens da Criação, em sua transcendente existência, Ela leva seus filhos a Deus; e pelos mesmos meios, Deus desce a eles. Na Idade Média colocava-se grande ênfase na sagrada beleza da Missa. Hoje, devemos novamente tomarmos consciência dela.
O Cardeal Joseph Ratzinger uma vez lamentou-se: "Desde o Concílio Vaticano II, a Igreja voltou as costa à beleza". Palavras ousadas. E se forem verdadeiras? Se verdadeiramente nos empobrecemos neste aspecto, deixando-nos vitimar por uma mentalidade iconoclasta, talvez tenha sido porque "vivemos em uma época sem imaginação", como disse certa vez Paul Claudel. Ao reflectir sobre a visita dos representantes do príncipe Vladimir de Kiev a Constantinopla, o Papa Bento XVI observou que a delegação e o príncipe aceitaram a verdade do Cristianismo não pelo poder de persuasão de seus (conhecimentos) teológicos mas pela beleza do mistério de sua Sagrada Liturgia. Se estamos falhando na divina missão que o Senhor nos confiou de converter o mundo à nossa fé, talvez devamos começar por restaurar a reverência, o silêncio, a adoração e uma atmosfera de sagrada beleza em nossa santa liturgia. Se nossas Igrejas não forem os lugares mais sagrados da Terra, a verdadeira reverência e beleza tampouco podem existir noutro lugar.
Na Epístola de São Paulo aos Hebreus, Cristo é chamado leiturgos, o "Liturgista" que preside a todos os nossos rituais, em que Ele mesmo celebra a Liturgia. Visto que Cristo é o leiturgos e a Beleza Encarnada, toda beleza deve reflecti-lO e dEle fluir na Liturgia. Cristo, o Verbo feito carne é a suprema obra-prima. Cristo é a mais perfeita sinfonia. Cristo é a mais bela pintura. Cristo é o ritmo cósmico no poema eterno. Disse São João da Cruz: "Deus passa través do matagal do mundo e por onde quer que deite seu olhar, transforma todas as coisas em beleza". São Paulo escreveu a Timóteo: "Ele é o Rei dos reis e o Senhor dos senhores. Sua imortalidade habita numa luz inacessível". Contudo, na Divina Liturgia da Missa, ousamos aproximarmos-nos daquele que habita na luz inacessível.
A fim de celebrar a Sagrada Liturgia com a devida reverência e beleza, a Igreja deve ser capaz de "distinguir entre o sagrado e o profano". Quando falsas "inculturações" poluem o culto litúrgico, devemos estar atentos às palavras do Papa Paulo VI em 1971: "nem tudo é válido, nem tudo é lícito, nem tudo é bom". O Santo Sacerdote afirmou em seguida que as coisas seculares, baratas, de inferior qualidade e sem valor artístico "não são destinadas a cruzar o limiar do templo de Deus". Como católicos, devemos sobretudo contemplar a beleza de Cristo na Sagrada Liturgia que o Vaticano II chama de "acção sagrada que ultrapassa todas as outras". Isto começa com nossa fidelidade externa às rubricas, mas nos leva à intima união com Cristo, pois "aqueles que O adoram devem faz~e-lo em espírito e em verdade".
Aqui em Fátima, o Anjo da Paz apareceu pela primeira vez a Francisco, Jacinta e Lúcia em 1916 para preparar o terreno para as aparições de Maria. Ao aparecer pela terceira vez, com deslumbrante beleza diante dos três videntes, segurava na mão esquerda um cálice e, com a mão direita sobre o cálice segurava uma hóstia da qual via-se gotas do preciosíssimo Sangue de Cristo cair no sagrado Cálice. Deixando hóstia e cálice suspensos no ar, prostrou-se o anjo tocando o chão com a testa. Disse então, três vezes, a seguinte oração: "Santíssima Trindade, Pai, Filho e Espírito Santo, adoro-vos profundamente. Ofereço-Vos o preciosíssimo Corpo, Sangue, Alma e Divindade de Nosso Senhor Jesus Cristo, presente em todos os sacrários da terra, em reparação por todos os ultrajes, sacrilégios e indiferenças com que Ele mesmo é ofendido. E peço, pelos méritos infinitos de seu Sacratíssimo Coração e pela intercessão do Imaculado Coração de Maria, a conversão dos pobres pecadores."
O Anjo então levantou-se e tornou o Cálice e a Hóstia em suas mãos. Deu a Hóstia em comunhão a Lúcia e o conteúdo do cálice a Jacinta e Francisco, dizendo: "Tomai e bebei o Corpo e o Sangue de Jesus Cristo, horrivelmente ultrajado pelos homens ingratos. Reparai os seus pecados e consolai o vosso Deus". A seriedade com que Francisco (tomou) estas palavras foi demostrada nos poucos anos de vida que lhe restaram. Assim Francisco foi de tal maneira trespassado com o amor do que ele chamou de "Deus oculto", que muitas vezes passava horas de joelho em silenciosa adoração diante do sacrário.
A beleza espiritual da Sagrada Eucaristia deve transformar a vida dos católicos do mesmo modo que transformou os pastorinhos de Fátima. Disse o Papa Bento XVI que "o encontro com o belo pode se tornar a ferida da flecha que nos atinge o coração e abre assim os nossos olhos". Esta beleza espiritual forma no cristão um coração semelhante ao de Cristo em termos de beleza moral. E quando a beleza espiritual da Sagrada Liturgia transforma uma alma, o homem torna-se capaz de criar coisas belas tais como arte, arquitectura, poesia e música. Esta beleza humana, formada pela beleza de Cristo na Sagrada Liturgia, imita o génio criativo de Deus, que deu a este mundo uma inerente beleza natural.
Quando o rosto belo e radiante de Cristo, nosso Salvador se torna o centro do culto sagrado, toda a criação anseia por clamar com o salmista: "toda a obra, que Ele faz é cheia de esplendor e beleza". A beleza na liturgia resulta da ordem. É por isso que a Liturgia, por sua própria natureza, exige a ordem e não pode existir sem rubricas ou cerimónias. A beleza brilha através dos gestos da Sagrada Liturgia. Assim, os actos de culto exterior, como persignar-se, fazer genuflexão, ajoelhar e inclinar-se, tornam-se meios de interiorizar reverência e beleza em nossas vidas humanas. Disse certa vez o antigo mestre-de-cerimónias do Papa: "Todo gesto litúrgico, sendo um gesto de Cristo, é chamado a expressar a beleza".
Assim, se estamos a celebrar o Santo Sacrifício da Missa na forma ordinária ou extraordinária do Rito Romano, quer o façamos em português, inglês, francês, latim ou em qualquer outro idioma, devemos celebrar a Missa com beleza e esplendor. Se queremos evitar uma ruptura na celebração da sagrada Liturgia, devemos manter a reverência e beleza inerente à celebração da Eucaristia. Para cumprir o que Cristo nos ordena: "Sede Santos, porque Eu sou Santo"1, devemos preservar a hermenêutica da continuidade em relação ao ritos sagrados e cerimónias e garantir a sanidade da Missa, não só aderindo às rubricas mas atendo-nos às as antigas tradições litúrgicas para preservar o sentido do sagrado, evitando a doentia mania moderna de fazer tudo que se quer. O Cardeal Joseph Ratzinger, em suas meditações sobre a Via Sacra em 2004, afirmou que "quando a liturgia se transforma em uma festa que a comunidade dá a si mesma, num festival de auto-afirmação", ela se torna análoga à adoração idólatra de Israel ao bezerro de ouro, um culto de auto-afirmação do ego.
Entre as diferentes maneiras em que a liturgia manifesta o senso do sagrado, uma das mais subtis é o uso de véus para cobrir os vasos sagrados usados para conter o Santíssimo Sacramento. Refiro-me ao sacrário, ao cálice, ao cibório, e à custódia. E mesmo quando o véu é removido do cálice, a liturgia prevê outras formas de ocultar a Sagrada Hóstia. A cada momento da dupla consagração, quando o celebrante pronuncia as palavras que trazem Nosso Senhor ao altar sob as espécies do pão e do vinho, ele se inclina sobre o pão e o vinho e coloca os braços sobre o altar, símbolo de Cristo. Tal gesto destina-se a mostrar a união do sacerdote com Cristo naquele momento, ao mesmo tempo ajudando o sacerdote a concentrar toda sua atenção na consagração. Do ponto de vista físico, o sacerdote a essa altura cobre literalmente as espécies, velando-as, por assim dizer, e produzindo o mesmo efeito que qualquer outro véu, a saber: manifestando a sacralidade do momento da Consagração. Nesta simples rubrica, a cerimónia da Santa Missa na forma extraordinária suavemente incute nos fiéis uma atitude de respeito, reverência e senso do sagrado com relação a Nosso Senhor no Santíssimo Sacramento.
Caros amigos de Jesus e Maria, ao chegarmos ao banquete de núpcias do Cordeiro de Deus para receber a Sagrada Eucaristia, façamo-lo com boas disposições, livres do pecado mortal e fervorosos. Saudemos a Cristo, Esposo de nossas almas, com beleza e reverência, envolvidos no verdadeiro senso do sagrado da mesma forma como o santo Anjo de Fátima explicou às crianças a importância de rezar e fazer sacrifícios em reparação pelas ofensas cometidas contra Deus, Ele lhes disse: "Ofereçam tudo como sacrifício a Deus num acto de reparação pelas pecados com que Ele é ofendido e de súplica pela conversão dos pecadores".
Viemos hoje a Fátima para iniciar a conferência litúrgica "Sancta Missa" sobre a forma extraordinária do Rito Romano a fim de que, com nosso Santo Sacerdote o Papa Bento XVI, possamos nos servir a fundo dos tesouro de graça da Igreja na medida em que acolhamos as tradições litúrgicas de nossos antepassados. Ao celebramos aqui em Fátima esta Missa solene segundo o Missal Romano de 1962 por ocasião da festa da Natividade de Nossas Senhora , pedimos humildemente que a beleza e reverência da Santa Missa em sua forma extraordinária seja uma tremenda fonte de graças para a Igreja na conversão dos pecadores, e que o zelo, a espiritualidade e o ministério dos sacerdotes seja revigorado por esta antiga forma da Missa em latim, que produziu tantos sacerdotes santos através dos séculos. Gratos a Deus pela corajosas liderança do Papa Bento XVI, apresentamos estas e todas as nossas súplicas a Nossa Senhora de Fátima com amorosa confiança, pois ela é nossa Mãe! Queira Deus que sejamos fiéis e obedientes filhos seus.
1 - 1 Pedro 1:13-16
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