Páginas Históricas do Concilio Vaticano II - ( 14ª página)
"Na mente de numerosos Padres Conciliares, o objetivo do II Concílio do Vaticano era contrapor-se à doutrina do primeiro sobre o primado papal, expondo de modo mais explícito a doutrina da colegialidade episcopal. (...) A colegialidade devia estabelecer o direito dos bispos de regê-la [a Igreja] em união com o Papa. (...) Entre os partidários da Aliança Européia, alguns teólogos sustentavam que o Papa tinha a obrigação de consciência de consultar o Colégio de Bispos quando tivesse que tratar de assuntos importantes. Mas nem todos os Padres Conciliares tinham esta opinião. (...).
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A votação que se realizou em 30 de outubro constituiu uma nova vitória para os liberais. Mons. Wright, Bispo de Pittsburg, nos Estados Unidos, membro liberal da Comissão de Teologia, disse que esta votação era da maior importância, pois provava que a maioria esmagadora dos Padres Conciliares 'era partidária das tendências do Concilio sobre esta grave questão'. Ele não dava nenhuma importância aos 408 votos negativos que se tinham pronunciado contra a colegialidade. (...).
... O Cardeal Frings pediu que os dois aspectos - administrativo e judiciário - da prática da Cúria Romana tivessem clara distinção. 'A mesma distinção igualmente deve ser aplicada ao Santo Ofício', prosseguiu ele. 'Em frequentes casos, seus métodos não correspondiam mais às condições modernas, e o resultado é que muitos ficam escandalizados'. A tarefa de conservar a Fé era extremamente difícil, continuou o Cardeal, mas, mesmo no Santo Ofício, 'ninguém deveria ser julgado e condenado sem ser ouvido e sem ter a possibilidade de corrigir a própria obra ou ação'. O Cardeal foi aplaudido repetidas vezes.
O Cardeal Ottaviani, secretário do Santo Ofício, inscrevera-se naquele dia na lista dos oradores. 'Eu me sinto obrigado a protestar energicamente contra o que acaba de ser dito contra o Santo Ofício, cujo Prefeito é o Soberano Pontífice. As palavras que acabam de ser pronunciadas provam uma grande ignorância - por respeito, abstenho-me de empregar outro termo - sobre o modo de proceder do Santo Ofício'. Ele esclareceu que os especialistas das universidades católicas de Roma eram sempre solicitados a examinar cuidadosamente os casos, de modo que os cardeais que constituem a Congregação do Santo Ofício pudessem julgar com conhecimento de causa. Em seguida, tais resoluções eram submetidas à aprovação do Sumo Pontífice.
Quanto à votação de 30 de outubro, ela somente tinha dado 'uma indicação da opinião dos Padres Conciliares'. Era de se lastimar, prosseguiu, que os pontos propostos pelos quatro Moderadores não tivessem sido previamente submetidos à Comissão de Teologia, que era competente na matéria, já que se tratava de dogma. Tais pontos continham expressões equívocas que deviam ter sido esclarecidas. Por exemplo: o que se dizia da colegialidade presumia a existência do Colégio Apostólico, do qual o Colégio de Bispos deveria ser sucessor. 'Há neste ponto, disse o Cardeal, confusão sobre a natureza da sucessão apostólica. É certo que os bispos são sucessores dos Apóstolos, mas eles não sucedem ao Colégio dos Apóstolos como Colégio, pela simples razão de que o Colégio dos Apóstolos, ao menos no sentido jurídico, não existia como tal'. Houve entre os Apóstolos um único exemplo de colegialidade, o do Concílio de Jerusalém: ninguém punha em dúvida que aí os Apóstolos agiram colegiadamente, 'exatamente como hoje ninguém duvida que os bispos, reunidos em Concílio, ajam colegiadamente com e sob o Papa'. As palavras de Cristo: 'Apascenta meus cordeiros' só foram dirigidas apenas a seu vigário e 'daí se conclui que quem quer ser contado no número dos cordeiros de Cristo deve estar submetido ao pastor universal designado por Cristo'. Ninguém pode ser exceção a esta regra: 'nem mesmos os bispos'.
Páginas Históricas do Concilio Vaticano II - ( 15ª )
"Mons. D'Souza, Arcebispo de Bhopal,
criticou os Cardeais Browne e Ottaviani por raciocinar como se a votação
indicativa de 30 de outubro 'fosse nula ou inexistente porque a colegialidade
ainda não tinha sido definida juridicamente(...) O bem comum da Igreja,
continuou o Arcebispo, seria grandemente servido 'se uma forma de Senado, por
assim dizer, se constituísse de bispos de diversos países, e pudesse governar a
Igreja com o Sumo Pontífice'. Mas seria ainda mais desejável, 'que, de um lado
se restringisse o poder da Cúria Romana, e de outro lado os bispos recebessem,
para o desempenho de seu ofício, todas as faculdades que lhes pertencem por
direito comum e por direito divino'. A Sé apostólica, acrescentou, 'conservaria
o direito de reservar para si os casos que o bem da Igreja Universal pede que
ela retenha'. Esta intervenção foi longamente aplaudida. (...)
Eu (ou seja, o autor Padre Ralph Wiltgen
S.V.D.) tinha uma entrevista com o Cardeal Ottaviani na casa dele, para
esclarecer um assunto. Entrando no recinto, ele se sentou e depois, com um ar
preocupado e ausente, me disse: 'Estou saindo de uma reunião da Comissão de
Teologia. As coisas estão ficando ruins; os franceses e os alemães conseguiram
unir todo o mundo contra nós (...)'
Dez dias após o embate Frings-Ottaviani, ao
qual a imprensa deu grande destaque, fui abordado por Mons. Romoli, Bispo
dominicano de Pescia, que passara oito anos no Santo Ofício. Ele me perguntou se
eu tinha interesse em uma informação para o Divine Word News Service
sobre o relatório do procedimento de condenação seguido pelo Santo Ofício.
Tinha informado sua intenção ao Cardeal Ottaviani, que ficara de acordo. Eu
(Padre Ralph) lhe garanti que publicaria a informação com prazer.
Perguntando-lhe se era verdade que o
tribunal supremo da Igreja condenava um acusado sem o ter ouvido previamente,
Mons. Romoli me respondeu: 'É preciso distinguir. Se um membro da Igreja acusa
outro de um crime de competência do Santo Ofício, o acusado é sempre ouvido, e
tem toda possibilidade de se defender. Ele pode ter a assistência de um advogado
aprovado pelo tribunal. As precauções tomadas para salvaguardar o acusado neste
caso são tão grandes e minuciosas que poderiam talvez parecer excessivas'.
Mas, observou, é completamente diferente no
caso de condenação de obras publicadas, 'pois aí se trata de teorias que,
consideradas em si mesmas, trazem o risco de prejudicar a integridade da
doutrina de Igreja e a salvação das almas'. Nestes casos, acrescentou, 'quando a
ortodoxia da doutrina católica não é claramente exposta, ou é posta em questão,
o Santo Ofício não ouve sempre a parte interessada antes de pronunciar o
veredicto'. Neste gênero de condenação, disse ele, não são as intenções do autor
que são postas em questão ou condenadas; o tribunal leva em consideração apenas
suas teorias consideradas em si mesmas.
Perguntado se não seria mais humano
questionar um autor antes de lhe condenar os escritos, Mons. Romoli respondeu
que isto seria perfeitamente possível no caso de um manuscrito ainda não
publicado. 'Mas, uma vez difundidas as doutrinas erradas ou falsas, para que
serviria um tal interrogatório?' Em nada mudaria quanto à influência exercida
pela obra publicada sobre o mundo católico. 'Antes de condenar uma obra
publicada ou de difundir um solene Monitum a seu respeito, o Santo Ofício
leva a efeito uma longa investigação séria e escrupulosa, consultando
especialistas altamente qualificados pertencentes a grupos linguísticos e
nacionais diversos, para que seu julgamento seja incontestavelmente objetivo e
certo. Acontece que estas investigações duram vários anos, tão grande é a
delicadeza com que o Santo Ofício trata esta matéria'.