segunda-feira, 25 de janeiro de 2010

O Calvário e a Missa - 5º Parte: Comunhão


A Comunhão


"Tenho Sede".
(S. João 19, 28)

O Nosso bem-amado Salvador, chega à comunhão da Sua Missa quando, no íntimo do Sagrado Coração, parte este grito: "Tenho sede".

Não se trata, certamente, de sede de água, pois a Terra, e tudo quanto ela encerra, Lhe pertenciam, e Ele acalmou as ondas quando as águas enfurecidas pareciam querer ultrapassar os seus limites.

Quando Lhe ofereceram de beber, Ele não aceitou. Era outra, era diferente a sede que atormentava Jesus - era a sede das almas e dos corações humanos. Esse grito foi uma apelo à comunhão - o último da longa série de apelos que o Pastor que é Jesus, dirigiu aos homens.

O próprio fato de ter sido traduzido pelo mais pungente de todos os sofrimentos humanos, que é a sede, dá a medida da sua profunidade e da sua força. A humanidade pode sentir-se faminta de Deus, mas Deus sente-Se sequioso da humanidade.

Ele sentiu essa sede na Criação, quando a fez participante da divindade no jardim do paraíso, e ainda na Revelação, quando tentou chamar a Si o coração afastado do homem, contando-lhe os segredos do Seu amor.

Essa sede renovou-se na Incarnação, quando Jesus Se tornou semelhante àquele que amava, revestindo a forma e as aparências humanas. Na Cruz, o Salvador manifestou a mesma sede na Redenção pelo maior amor que jamais existiu, pois que ofereceu a própria vida por aqueles a quem amava. Esse foi o apelo final para a comunhão, antes de se correr a cortina sobre o Grande Drama da vida de Jesus sobre a terra.

Todo o amor dos pais pelos filhos e dos esposo pela esposa, reunidos num amor imenso, representariam apenas uma insignificante parcela, a mais ínfima fração do amor de Deus pelo homem, revelado naquele grito de sede. Ele significou, simultaneamente, não apenas a sede que sentiu por todos os humildes, pelos corações famintos, pelas almas vazias, mas a infinita intensidade do Seu desejo em satisfazer os nossos anseios.

A nossa sede de Deus não encerra algo de misterioso, porque a boca sequiosa suspira pela fonte, a planta volta-se para o sol e os rios correm na direção do mar. Dada, porém, a nossa insignificância e a mesquinhez do nosso amor para com Deus, o amor que Ele nos dedica é, realmente, um mistério. Esse é o significado da sede divina pela Comunhão conosco.

O Salvador já expressara isso mesmo, na parábola da ovelha tresmalhada, ao dizer que O não satisfazia a presença das noventa e nove ovelhas que O seguiam, pois só a recuperação de uma ovelha perdida poderia dar-Lhe alegria completa.

Esta verdade foi novamente expressa na Cruz. Nada podia satisfazer devidamente a Sua sede, senão o coração de cada homem, mulher ou criança, que, uma vez nascidos para Ele, só n'Ele poderiam encontrar a paz e a felicidade.

Esta prece pela comunhão baseia-se no amor, pois este, pela sua própria natureza, é propenso à união. É o amor de cada um de nós pelo próximo que se firma a unidade de um estado. É do amor do homem e da mulher que resulta a união de dois seres numa só carne.

O amor de Deus pelo homem apela, portanto, para a unidade baseada na Incarnação - unidade de todos os homens no Corpo e no Sangue de Cristo. Foi para selar esse amor por nós que Ele Se deu na Sagrada Comunhão, para que, assim como Ele e a Sua natureza humana, nascendo das entranhas da Sua Mãe Santíssima, formaram um só na unidade na Sua Pessoa, também Ele e nós, nascidos das entranhas da humanidade, pudéssemos ser um só na unidade do Corpo Místico de Cristo.

E é por essa razão que empregamos a palavra "receber", quando falamos da Comunhão com Nosso Senhor na Eucaristia, pois, literalmente, "recebemos" a Vida Diviva, exatamente como a criancinha recebe a vida através de sua mãe. Cada vida é sustentada pela comunhão com uma Vida mais elevada.

Se as plantas falassem, elas diriam ao orvalho e ao sol: "Só entrando em comunhão comigo, participareis das minhas leis e poderes, e revelareis a vida que em vós existe".

Se os animais pudessem falar, eles diriam às plantas: "Só participareis da minha vida, entrando em comunhão comigo".

Todos nós também, os seres humanos, dizemos aos seres inferiores da Criação: "A não ser que entreis em comunhão comigo, não participareis da minha vida humana". Porque é, pois, que Nosso Senhor não havia de dizer-nos também: "A não ser que entreis em comunhão comigo, a Vida não entrará em Vós".

O inferior é transformado em superior: as plantas em animais, os animais no homem, e este, por caminho mais elevado, é "divinizado", se corresponder àquele apelo, isto é, por intermédio da Vida de Cristo.

A comunhão é, pois, a primeira maneira de recebermos a Vida Divina, à qual não temos mais direito do que a pedra-mármore tem de vir algum dia a dar flor. É apenas uma pura dádiva do Todo-Poderoso que nos amou ao ponto de querer unir-Se a nós, não por meio dos laços da carne, mas sim pelos sagrados laços do Espírito, cujo amor não está sujeito à saciedade, pois é feito de êxtase e alegria.

Quão depressa nos teríamos esquecido de guardar nas nossas almas as dádivas e a imagem de Jesus de Belém e de Nazaré! Deus Nosso Senhor bem sabia que seria assim, mas sabia também quanto precisávamos d'Ele e daí, a dádiva de Si próprio na comunhão, na qual existe um outro aspecto em que raras vezes pensamos.

A comunhão implica não somente a recepção da Vida Divina mas também a oferta, pois todo o amor é recíproco. Não há amor unilateral, pois, por sua natureza, o amor exige reciprocidade.

Deus tem sede de nós, mas isso quer dizer que o homem também tem sede de Deus.

Quando vamos receber a Sagrada Comunhão, não devemos nunca esquecer que não vamos apenas "receber" Deus Nosso Senhor, mas sim retribuir também a Sua dádiva, oferecendo-nos a nós próprios na reciprocidade do amor.

Existe ainda um outro aspecto da Comunhão, além da recepção da Vida Divina. São João refere-se a esse aspecto e São Paulo dá-nos essa verdade completamente na sua Epístola aos Coríntios.

A Comunhão não é apenas uma incorporação na Vida de Cristo, mas também uma incorporação na Sua Morte.

"Todas as vezes que comerdes este pão e beberdes deste cálice comemorais a morte do Senhor, até que Ele venha".

A vida natural tem duas faces: a anabólica e a catabólica.
A vida sobrenatural tem também duas faces: a reconstrução, segundo o modelo que é Cristo, e a destruição do velho Adão.

A Comunhão implica, portanto, não apenas receber, mas também dar. Não pode haver ascensão a uma vida superior, se não se extinguir a vida inferior.


O Domingo de Páscoa pressupõe uma Sexta-Feira Santa. O amor implica uma dádiva mútua que termina na própria recuperação. Assim, a Mesa da Eucaristia é um lugar de troca, e não um lugar de exclusiva recepção.

Acaso poderíamos receber toda a Vida de Cristo, sem Lhe darmos nada em troca?
Acaso poderíamos esgotar o cálice, sem contribuir com algo para o encher?

Devemos receber o pão, se oferecer o grão que deve ser moído; receber o vinho, sem dar as uvas que devem ser esmagadas?

Se durante a nossa vida fôssemos sempre à Comunhão para receber a Vida Divina, e A levássemos conosco, sem deixar nada em troca, seríamos parasitas do Corpo Místico de Cristo.

Devemos, pois, levar conosco, para a Mesa da Eucaristia, o espírito de sacrifício, a mortificação da inferioridade do nosso ser, as cruzes suportadas com paciência, a crucificação do nosso egoísmo, a morte da nossa concupiscência, e, inclusivamente, a nossa falta de merecimentos para receber a Comunhão.

Só nestas circunstâncias a Comunhão será o que realmente sempre deve ser, isto é, uma troca, um comércio entre Cristo e a alma, na qual Ele dá a sua Morte, em troca das nossas vidas, e a Sua Vida pelos Seus filhos adotivos.

Nós damos-Lhe o nosso tempo, Ele dá-nos a Sua Eternidade; nós damos-Lhe a nossa humanidade; Ele dá-nos a Sua Divindade; nós damos-Lhe a nossa insignificância, Ele dá-Nos a Sua plenitude, toda a Sua grandeza.

Compreenderemos, realmente, toda a grandeza do amor?

Não teremos dito já, em momentos de afetuosa expansão por uma criancinha, numa linguagem que pode variar, mas cujo sentido é o mesmo: "Amo-a tanto, como se ela fizesse parte do meu ser"?

E porquê? Precisamente porque todo o amor anseia pela unidade.

Pela ordem natural, Deus dispensou prazeres à união dos laços da carne, mas esses não podem comparar-se ao prazer da união espiritual, nos quais a divindade se sobrepõe à humanidade esta se reveste de aspecto divino, pois toda a nossa aspiração vai para Deus, e Deus vem até nós, e cessamos de ser simples seres humanos para começarmos a ser filhos de Deus.

Se alguma vez na nossa vida tivestes um momento em que uma nobre afeição vos elevou... se alguma vez amastes alguém de todo o vosso coração, é caso para perguntar o que sentiríeis unindo-vos completamente ao grande Coração do Amor.

Se o coração humano pode dar e sentir tão nobres e elevadas alegrias, o que poderá dar-nos o grande Coração de Cristo?

Oh! Se a simples centelha, já de si, é brilhante, como será a própria chama!

Teremos nós a plena consciência da íntima ligação que existe entre a Comunhão e o Sacrifício, por parte de Nosso Senhor e por parte das Suas humildes criaturas, que somos nós?

A Missa torna-nos inseparáveis, pois não há Comunhão sem uma Consagração. Não há recepção do pão e do vinho que oferecemos, a não ser que tenham sido transubstanciados no Corpo e no Sangue de Cristo.

A Comunhão é a conseqüência do Calvário.

Toda a natureza testemunha esta verdade; a nossa vida, alimenta-se sacrificando os animais dos campos e as plantas da terra. É da crucificação que nós recebemos a vida. Matamo-los, não para destruir, mas sim para realizar.

E, agora, por um belo paradoxo do Divino Amor, Deus faz da Sua Cruz o meio da nossa salvação. Os homens mataram Jesus, crucificaram-nO na Cruz, mas o Amor do Seu coração eterno não foi extinto nem vencido. Ele quis dar-nos a própria vida que Lhe tirámos, o próprio alimento que destruímos, alimentar-nos com o pão e o vinho que sepultamos.

Ele transformou o nosso próprio crime numa culpa abençoada, transformando a Crucificação em Redenção, a Consagração em Comunhão, a morte na vida eterna.

O homem é, precisamente, o mais misterioso de todos os seres. Compreende-se que o homem seja amado, mas o que não se compreende é que não retribua o amor que recebe.

Qual a razão que há para se fazer de Deus Nosso Senhor, o Grande Desamado?
Que razão existe para não se amar o próprio Amor?
Por que Lhe damos fel e vinagre, quando Ele exclama: "Tenho Sede"...?

(O Calvário e a Missa - Arcebispo Fulton J. Sheen - 5º Parte - Comunhão)
fonte:A grande guerra