André F. Falleiro Garcia
O Papa João Paulo II recebeu em audiência privada, anos atrás, uma celebridade do mundo do rock, o vocalista Bono, da banda irlandesa U2.
A fotografia instantânea tirada no ato revelou também a presença de dois bispos. Uma breve descrição do ambiente e das atitudes ajudará o leitor a compreender todo o alcance desse fato.
João Paulo II recebeu Bono
Um cortinado sóbrio e digno decora o ambiente em torno do trono papal. Não há símbolos religiosos no ambiente, a não ser a indumentária eclesiástica ornada com a cruz peitoral.
O roqueiro pergunta ao Papa se gostaria de usar os óculos de sol que lhe oferece e ele aceita. Nessa circunstância, todos os presentes apresentam uma atitude descontraída, a hilaridade é o tônus que marca o ambiente, em contraste com o respeito e compostura que ali deveriam ser mantidos.
A pessoa do Papa, o representante de Cristo na terra, é um símbolo vivo da sacralidade da Santa Igreja. Mas a atitude por ele tomada, como se vê na foto, é dessacralizante. Nesse ambiente de brincadeira e riso, o sagrado é escorraçado.
Mas há algo mais. Há uma péssima doutrina involucrada na cena, a doutrina progressista da evolução universal, que sustenta que o Espírito de Deus está presente na evolução do mundo. Dela estão impregnadas as mentalidades dos progressistas. Nela se pode encontrar uma explicação profunda para essa dessacralização, como se verá a seguir.
Com efeito, o Concílio Vaticano II e os Papas da era pós-conciliar infelizmente recepcionaram e consagraram na Santa Igreja a admiração pelo mundo moderno, suas novidades e seduções. Assim como na reforma litúrgica o sacerdote virou as costas para o sacrário e se voltou para a assembléia dos fiéis, os prelados progressistas se voltaram para o mundo em detrimento do sagrado.
A exaltação dos falsos valores mundanos é patente na foto. O centro das atenções não é o alto significado espiritual concentrado na pessoa do supremo dirigente da religião católica. O Pontífice paga tributo ao ídolo do momento e aos seus gostos extravagantes. Ao colocar os óculos de sol dados pelo vocalista roqueiro, João Paulo II quebra mais uma tradição de recato e modéstia mantida pelos seus antecessores.
Com esse gesto, deixa de apresentar a Santa Igreja como Mãe e Mestra da Verdade, e a mostra admiradora das coisas do mundo moderno, dos ídolos e das novidades revolucionárias que provocam a ruína das almas, especialmente dos jovens. E assim, o que mais manifesta a cacofonia infernal no mundo musical moderno — a música rock — recebe o apoio papal.
O Papa prestigiou Bono |
Nessa perspectiva, a Igreja não mais orienta e influencia a ordem temporal. Adapta-se a ela. Submete-se a ela. Reconhece a suposta presença de uma divindade cósmica imanente na humanidade e que se manifesta gradualmente no decurso da História.
Desse modo, a Igreja não vence o mundo, é vencida por ele. Como o mundo "está todo posto no mal",[1] sob a égide do pecado original, quando a Igreja omite esse ensinamento moral, o resultado que obtém é a mitificação do mundano e a sua própria dessacralização.
Ao final do encontro, o roqueiro recebeu de presente do Papa um rosário. Em livro recém publicado, Bono apresentou sua espiritualidade: uma mescla de princípios religiosos fundados no carma budista, na doutrina luterana da justificação e alguma coisa da doutrina católica.[2]
Para as mentalidades ecumênicas, o encontro de Bono com o Papa foi um grande sucesso. Para nós, mais um lance de autodemolição, no curso da guerra psicológica revolucionária travada dentro da Igreja.
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NOTAS:
[1] “Mundus totus positus est in maligno” (1 Jo V, 19).
[2] Michka Assayas, Bono. Bono: In Conversation With Michka Assayas. Penguin Group, USA, 2006, 387 pp.
fonte:sacralidade