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São Pedro Julião Eymard
BENTO XVI
Trecho do ANGELUS
Praça da Catedral de Santo Stefano, Vienna
Domingo, 9 setembro 2007
"Também a nós, na Celebração eucaristica, nos foi dado hoje o Filho de Deus. Quem comungou porta agora em si, de modo particular, o Senhor ressuscitado. Como Maria o portou no seu seio – um indefeso e pequenino ser humano, totalmente dependente do amor da mãe – Assim Jesus Cristo, sob a espécie do pão, se confiou a nós, caros irmãos. Amemos este Jesus que se doa assim totalmente às nossas mãos! Amemo-Lo como O amou Maria! E porteamo-Lo aos homens como Maria O portou a Isabel, suscitando jubilo e alegria! A Virgem deu ao Verbo de Deus um corpo humano, par que pudesse entrar no mundo. Doemos também nós o nosso corpo ao Senhor, tornemos o nosso corpo sempre mais um instrumento do amor de Deus, um templo do Espírito Santo! Levemos o Domingo com seu Dom imenso ao mundo!"
Neste trecho do Angelus do Santo Padre o Papa Bento XVI, recitado no último domingo dia 9 de setembro em Vienna, por ocasião de sua viagem pastoral `a Austria, captamos de maneira profunda um pouco do significado deste imenso Dom de Amor que é o Santíssimo Sacramento.
Nas próximas semanas o "Duc in altum!" quer leva-lo a meditar um pouco este Sublime Mistério de Amor. Faremos isso com o Santo da Eucaristia - São Pedro Julião Eymard que nasceu no século XIX e marcou toda a Igreja com o verdadeiro culto a Jesus Eucarístico, São Pedro Julião Eymard pertencia a uma família tão religiosa que a própria mãe o levava diariamente na Igreja para receber a benção do Santíssimo.
Certa vez o menino de cinco anos desapareceu de casa e quando o procuraram na igreja encontraram Pedro diante do sacrário com esta resposta lábios: "Estou falando com Jesus". Foi à luz do Cristo Eucarístico que Pedro descobriu sua vocação ao sacerdócio, a qual concretizou-se depois vencer as oposições do pai, tornando-se assim um padre secular e mais tarde religioso na Congregação dos Maristas.
São Pedro Eymard percebendo a indiferença do povo para com Jesus Eucarístico e inspirado por Nossa Senhora do Santíssimo Sacramento, fundou o Intitulo do Santíssimo Sacramento, pois tinha concluído: "É necessário tirar Cristo do sacrário, apresentá-lo ao povo como grande Senhor, Mestre, Salvador, vivo, real em nosso meio". Viajando toda a França, deixando vários escritos, abrangendo sacerdotes, religiosas e leigos na sua obra em honra ao Santíssimo e Diviníssimo Sacramento.
Para as nossas meditações do Deus conosco na Santíssima Eucaristia, entraremos em retiro com São Pedro Julião Eymard através de seus escritos.
TERCEIRO RETIRO (pg. 126 do Livro "A DIVINA EUCARISTIA - Escritos e Sermões de São Pedro Julião Eymard - volume 3")
Abertura do retiro
MEDITAÇÃO PREPARATÓRIA
"Conduzirei a alma dileta à solidão e ali lhe falarei ao coração" (Os 2,14 - Vulg.), diz o Espírito Santo. E que lhe dirá Jesus? Começará por lhe mostrar a sua Vontade em relação à sua alma, para depois atrai-la a si. E nisto temos as duas maiores provas de amor que Jesus possa dar a uma alma.
I
Não há coisa mais importante, ou mais urgente para mim, do que conhecer a vocação de Graça em que Deus me quer, já que disto depende minha salvação, minha perfeição, minha perseverança final - numa palavra - minha eternidade.
Ora, é no retiro que Deus me manifestará clara, suave e fortemente a sua Vontade adorável e sempre amável. E a prova disto, sinto-a no meu íntimo, porquanto que há muito que Ele me atrai e me convida a um recolhimento maior e a idéia do retiro por toda parte me acompanha. É Deus que me quer falar, mas só o fará a sós comigo. Ah! meu Deus, deixo então tudo, negócios, estudos, parentes, amigos, família e chego-me aos vossos pés para ouvir e meditar a vossa Palavra divina.
Venho me pôr, com São Paulo, interamente à disposição da vossa Vontade e dizer-vos com ele, com toda sinceridade: "Senhor, que quereis Vós que eu faça?" (at 9,6), ou com Davi: " Meu coração está pronto, Senhor, meu coração está pronto!" (Sl 56,8).
Mas, para poder ouvir nitidamente a voz de Deus, devo procurar a solidão, o silêncio profundo e destarte recolher-me bem em mim mesmo, pois Deus fala ao coração. Urge, por conseguinte, que eu esteja em casa para receber a visita do meu augusto soberano.
Afastarei, portanto, do meu espírito, todo pensamento, toda e qualquer preocupação estranha, para me ocupar de uma só coisa - o meu retiro.
II
No retiro, Jesus me atrairá a Si. E de que modo? Pela doçura e força do seu amor, donde receberei a Graça eficaz para cumprir com a sua Vontade conhecida.
Se, na sua Infinita Misericórdia, Deus me chamar a servi-lo na Vida Religiosa, eu o louvarei. É a Graça das graças. Mas para alcançar a Terra Prometida, é preciso abandonar o Egito e por de lado todo bem próprio. Para conquistar esta terra abençoada, é preciso atravessar o deserto, travar combates longos e penosos.
O mundo procurará seduzir-me, amedrontar-me. A natureza se assustará e, temendo os sacrifícios, pedirá uma delonga, prometendo tudo fazer futuramente. Meu pobre coração estremecerá ante tanto laços a quebrar, tantas tempestades a enfrentar.
Sozinho, não me é possivel vencer, Jesus, porém, no retiro, me falará: "Vinde e segui-me. Vinde a mim e Eu vos darei a paz já neste mundo e depois no Céu".
Levar-me á pela mão, conduzir-me-á ao Cenáculo e lá serei todo dele e Ele todo meu - e o amor se encarregará do restante.
Se Deus, pelo contrário, não me chamar à Vida Religiosa, Ele me dirá, e minha alma ficará em paz. Então deverei servi-lo no mundo, do melhor modo possível. Mas precisarei de virtude maior para lhe permanecer fiel por entre tantos inimigos, todo entregue à minha própria fraqueza. Deus, porém, não me recusará esta força, já que não procuro senão a sua santa Vontade.
Mas, para impedir que a carne, o sangue, ou o amor próprio sejam juizes da minha vocação, coloco-me desde já e incondicionalmente à disposição da Graça e da obediência.
Consagro-vos ó Maria, este retiro, o mais importante da mina vida. Dirigi-o, fazei-o comigo, para que possa cumprir fielmente com todos os exercícios e receber toda a Graça inerente.
PRIMEIRA MEDITAÇÃO
Da salvação
"Que vale ao homem ganhar o Universo se vier a perder a sua alma? E que não daria para resgatá-la, uma vez perdida?" (Mt 16,26), são palavras de Nosso Senhor.
I
Salvar a minha alma, tornar-me Santo, eis o principal negócio de minha vida. Ser rico, horado, prezado, servido, isto não tem valor algum e será antes um perigo, uma grande desgraça se der ocasião a que peque ou me leve a descuidar-me de minha salvação - pois na morte acaba tudo.
Com efeito,que me valerá perante Deus, ter feito fortuna, alcançado posição de destaque e de influência no mundo, ou gozado de todos os bens da vida, se nada fiz para o Céu, e se não amei e servi a Deus, meu derradeiro fim?
A obra de minha salvação e, por conseguinte, o meu primeiro dever enquanto tudo mais não passa de bagatela e loucura.
II
Salvar a minha alma é negócio pessoal. Não posso descansar em ninguém, nem com ninguém repartir o trabalho.
Trata-se de fazer penitência pelos pecdos cometidos e me corrigir dos meus vícios, combater as minhas paixões, praticar as virtudes de humildade, pureza, paciência - e isto ninguém o poderá fazer por mim. Trata-se de pagar a Deus a minha dívida de justiça e quem pode amar, honrar e servir a Deus em meu lugar? Eu, e só eu, posso fazer frutificar a Graça de Deus em mim e compor, pelos méritos de cada dia, a minha coroa eterna. "Assim como se semeia, assim se há de colher" (Gl 6,8 - Vulg.).
É porque as virtudes do próximo não me tornarão virtuoso, nem suas vitórias e seus triunfos me darão licro algum, mas sim me causarão uma grande confusão no derradeiro dia, quando o soberano Juiz me disser: " Bem poderieis ter feito aquilo que os outros souberam fazer".
III
Salvar a minha almaé negócio urgente - negócio preso a esta vida, e ai de mim se não estiver feito quando sobrevier a morte e soar a hora do Juizo!
A vida é curta e para reunir o montante da coroa do justo é mister apressar-me para que a morte não me tome de improviso, em plena labuta. E, no entanto, a morte me pode surpreender a qualquer momento, pois acompanha-me sempre contando os meus passos, fixados pelo decreto eterno e imutável do Criador. E, se me viesse a ferir já neste instante, poderia eu prestar contas em dia da minha administração? Estou eu pronto a comparecer diante do meu Juiz? Aproximar-me-ei com confiança, qual servo bom e fiel, que, tendo cumprido cabalmente com todas as vontades do seu mestre, aguarda, sereno, a recompensa?
Ah! Meu Deus! "Tende paciência comigo, e tudo vos hei de pagar". "Patientiam habe in me, et omnia reddam tibi" (Mt 18,26). Ainda alguns dias de Misericórdia e serei mais fiel. Conto fazer este retiro para me renovar no vosso santo Serviço, começar vida nova, tornar-me santo.
Ó Maria, Mãe de Graça e de Misericórdia, lanço-me aos vossos pés, peço-vos que me salveis do perigo de perder a minha alma, me coloqueis no caminho que leva ao Céu e me guardeis, para que um dia eu possa lá chegar, felizmente.
SEGUNDA PARTE
DIVINA EUCARISTIA - Escritos e Sermões de São Pedro Julião Eymard - volume 5 (A Eucaristia e a Vida Cristã")]
Amai ternamente a Deus; é todo o homem, toda a lei, toda a virtude. Ponde a vossa regra de vida na graça de seu Amor; as vossas virtudes numa só: a do amor, e então sereis mui agradável a Deus.
Amai muito Nosso Senhor, que é tão pouco amado, pois raras são as almas que se dão inteiramente a Ele! Ai de nós! Enquanto nos despendemos em prol do mundo falso e ilusório, de paixões vergonhosas e aviltantes, ou de vis criaturas, nada fazemos por Deus. Que humilhação para Nosso Senhor estar o demônio a reinar na terra! E como é desconhecido até no mundo da piedade, o mandamento de amar a Jesus Cristo de todo o coração!
(pg 166) ...O amor divino é um lagar
O amor dá sem medir.
O amor dá sem raciocinar.
O amor sofre sem se queixar.
O amor gosa, cresce no sacrifício.
O amor divino é um lagar que está sempre a espremer-nos a alma, afastando o humano, o demasiadamente natural, para dar lugar ao amor divino. A graça de amor vai sempre destruindo o amor próprio, na imolação da própria vontade. É forçoso deixar operar a esse Doce Salvado, que gosta de tudo transformar nesse templo de seu amor e de pegar no chicote para afugentar tudo o que não é Ele. É assim que Deus conduz as grandes almas.
O altar do Amor Divino é a Cruz. Nós mesmos somos a nossa Cruz. É infelizmente o pobre corpo que sofre, o coração que arde em desejos, a vontade que receia! É uma grande Cruz, mas a Graça de Nosso Senhor a suaviza. Coragem! Deixai-vos levar pelo bom Mestre qual criança sem vontade, sem outro amor que o seu amor, que a tudo tempera.
Eis o que lhes desejo, o que lhes almejo: o amor de Nosso Senhor, amor simples, filial, de abandono, mas amor que nada tem de si, que nada faz para si, que nada quer para si de humano, seja de quem for.
Só ambiciono para vós uma centelha de amor, mas uma destas centelhas candentes que consomem toda a liga, que purificam o ouro, tornando-o belíssimo.
Amai muito a Deus, é a suprema felicidade da vida, mas amai-o com um amor de espírito, em sua Beleza e Verdade divinas, amor de coração afetivo e inteiramente filial, amor dedicado, jovem como a chama do fogo, que nunca se recolhe em si. Fazei tudo por amor a Deus, sofrei tudo por ele, e esse bom Pai se agradará de nós. Ah! Quão felizes serieis se o amor fosse a regra, o motivo e a recompensa de vossos atos. Pode quem ama a Deus e é amado por Deus desejar ainda algo sobre a terra?
Sacramento de Amor
Mas para chegar a este ponto, deveis nutrir-vos a alma com a piedade, com o Amor divino, com a oração que a educa e alimenta. Nas considerações, nos afetos, nas resoluções da meditação, vede apenas meios que vos conduzam à união do Amor divino. Amai, e atiçai o fogo.
Nutri-vos também a alma com a Sagrada Comunhão, que é, por assim dizer, a Encarnação do Amor divino em vós, é-lhe a chama do dia; comungai, apesar de tudo, comungai todas as vezes que vo-lo for permitido. Alegareis que não sois dignos, e é verdade, como também os anjos não são dignos e toda a nossa santidade não nos merece uma só Comunhão em toda a nossa vida. Mas dela careceis, sois fracos e é o Alimento fortificante; quereis amar a Deus, e é o Sacramento do Amor. Visto sob este prisma, deveriamos até, se fosse possível, comungar em todas as horas do dia.
Finalmente, desenvolvei em vós o foco de amor, pelas leituras espirituais que nos restituem a liberdade de espírito e a frescura de pensamento.
Procurai um livro que vos faça bem sem cansar o espírito. Um livro que vos nutra o coração, que vos leve ao Amor de Deus, de Jesus, quer oculto, quer crucificado, quer eucarístico, ou em todos estes estados.
E, feito isto, depois de terdes procurado nutrir a alma com este fogo de Amor divino, ide e andai por onde quiserdes, pois seguis um caminho seguro. O circulo da vontade de Deus é bastante grande para nele exercitar-vos, correndo na santa alegria de sua lei. O amor vai a tudo, e tudo leva ao amor.
Para ser sobrenaturais
Ah! Se o relógio da vida pudesse volver às primeiras horas da existência, como haviamos de ser mais sobrenaturais! É preciso, porém, nos contentarmos com as poucas horas que ainda sobram para alcançarmos o meio-dia da eternidade.
Sejamos muito sobrenaturais em tudo! Eis a agulha da verdadeira vida; eis a semente que germina para o Céu os frutos da vida. Tudo consiste nisso e Deus só recompensa essa Vida de Jesus Cristo em nós.
Mas como nos tornar sobrenaturais? Pela Caridade divina ativa. E que vem a ser a Caridade divina ativa? É a cooperação de nossa vontade com a Graça que nos é dispensada. É o fiat de nós mesmos em Deus, é a adesão da alma a Deus. É, numa palavra, o Amor de Deus, lei, centro e fim de nossa vida.
Amai muito a Nosso Senhor. Seja o seu amor forte no coração, florecente nas obras, régio em toda a vida. O nosso divino Mestre é tão belo, tão bom, tão amoroso! Sejamos ciosos de sua escolha e orgulhosos da nossa.
TERCEIRA PARTE
A DIVINA EUCARISTIA - vol. 5 - pg. 169
A Sagrada Comunhão
Deus é Bom! A todos os homens substitui, a tudo sobrevive, é sempre o Bom Pai! Por isso, nós também nos devemos dar inteiramente a Ele, nesse santo abandono que torna a alma a cega de Deus, sua mendiga, pobre, mas quão feliz. Se conhecêssemos bem a Nosso Senhor, haviamos de estar sempre vivos e fortes! Ide lançar-vos amiúde aos seus pés; ide mergulhar mais ainda no foco divino de sua Eucaristia, e Ele vos há de nutrir.
Comungai todos os dias
Perseverai na prática fiel da Comunhão cotidiana. Ponde antes de tudo a vida e o regime espiritual e divino da vida, que Nosso Senhor mesmo vos deu. Nutri-vos a alma, pela manhã, para o dia todo, com esse Alimento celeste. Deixai aí todos os escrúpulos, todas as perplexidades, e ide adiante, levada pelo vento favorável ou pelo vento contrário; mas então será preciso multiplicar a confiança em Deus, navegando sempre com velas desfraldadas.
Sois de Deus, pertenceis sempre a Deus; é mister, pois, viver continuamente de Deus, repousar em Deus, alegrar-vos em Deus. Ora, como o podereis senão pela Sagrada Comunhão?
O Amo sustenta a serva: comungai, pois, todos os dias. Que será de vosso trabalho se não comerdes o Pão da Vida? Comeis para poderdes trabalhar. Gastando diariamente as forças, precisais refrescá-las e refazê-las incessantemente na fonte divina: a Comunhão vos é tão necessária à alma quanto a respiração aos pulmões.
Festim de família
Como sois a esposa peregrina de Jesus, guardai-lhe a fidelidade de honra e de amor. Ide a Ele para ser consolada, e fortificada por Ele, mas revertei-lhe toda a glória.
Abandonar a Sagrada Comunhão de cada dia seria abandonar o lugar que vos compete na festa dos filhos de Deus. Não é o momento de contemplar a vossa indignidade, ou esterilidade, mas sim a vossa fraqueza, o convite amoroso do bom Mestre e a companhia de vossa boa Mãe. Ide sempre, contanto que vos possais arrastar, embora indisposta, à Mesa Eucaristica, onde sois esperada, e voltareis curada, como o paralítico de Siloé.
Comungai, por conseguinte, mas fitando os olhos no Coração de Nosso Senhor, que vos chama, ouvindo a voz da obediência, que vos diz: ide! E não vos considerando no espelho de vossas ações, ou de vossas virtudes.
Decerto, quando a Comunhão sacramental não vos for possível, Deus a substituirá pela comunhão de sua Presença de Graça e de Amor; mas é mister desejar a primeira, porque Jesus e a Igreja assim o querem.
Comunhão do enfermo
A Sagrada Comunhão, bem como o pão material que nos alimenta o corpo, não é uma recompensa. Nosso Senhor não se chega a nós para coroar-nos as virtudes, mas para comunicar-nos a força de praticar atos de virtude, dar-nos os meios de viver como bons cristãos, ajudar-nos em nossa santificação. Deixar a Comunhão equivale, pois, a deixar o remédio e privar-nos da vida. Não é porque sois meiga, boa, humilde e recolhida, que esta vos é dada, mas para que assim vos torneis, para vos suportardes a vós mesma com humilde paciência.
A Santa Comunhão é a vida e a vossa única virtude. Digo única, pois é Jesus formando-se em vós. Considerai a Santa Comunhão como um puro dom da Bondade Misericordiosa de Deus, um convite à sua Mesa de Graça, porque sois pobre, fraca e doente; então ireis cheia de alegria. Não cogiteis em responsabilidade para com Nosso Senhor, mas em ação de graças - mais vale isso. Parti, pois, deste princípio: quanto mais pobre for, tanto mais preciso de Deus. Seja este o vosso passe para chegar-vos ao bom Mestre. É a Comunhão de enfermo, muito agradável a Deus, que vos há de sarar completamente.
Ide a Nosso Senhor como Madalena quando, pela primeira vez, foi lançar-se aos seus pés. Desprezai as inquetações, as tentações, os temores, digo mais, os próprios pecados, e ide procurar a Jesus com trajes pobres. Nosso Senhor só vos pede esta disposição, ou pelo menos esta obediência.
Comungai como uma leprosa pobre, mas contrita. Oferecei a Jesus todas essas tentações, todos esse horrores, como os trapos de vossa miséria; mas não escruteis, não raciocineis a respeito, pois basta o sentimento da própria miséria.
Por favor, não deixeis as Comunhões! Seria desarmar-vos, para depois cairdes de inanição. Alimentai bem a vossa fraqueza e sereis forte; lembrai-vos de que a Sagrada Comunhão é um vasto incêndio que devora num intante todas as palhas de nossas imperfeições cotidianas. Na meditação de cada dia respingai, porém, em torno de Nosso Senhor algumas migalhas divinas; pela manhã abstecei-vos do Maná, e então a paz e a força não vos hão de abandonar.
Comungais porque sois fraca
Mas tenho ainda uma moral bastante dura a pregar: procurai em Jesus somente força, alegria e consolo. Que Deus vos faça conhecer e apreciar esse tesouro oculto, e que nos coloca ainda acima das regiões das tempestades e das vicissitudes desta vida passageira.
Continuai, pois, as Comunhões porque sois fraca; e, já que deveis viver em Nosso Senhor, deveis também recebe-lO, pois esse doce salvador nos disse: "Aquele que me come, por mim viverá, aquele que come o meu Corpo e bebe meu Sangue, permanece em mim e eu nele".
Mais vale chegar-vos à Sagrada Comunhão revestida de misérias, que vos afastar por temor ou humildade. Seja, pelo contrário, um motivo poderoso para levar-vos a desejar ardentemente esse Pão dos fortes, e, de modo particular, dos fracos e dos pobres; o amor tende antes ao abandono que ao respeito, à confiança que o temor.
Que o Sol divino dissipe por si mesmo o gelo que vos cobre as ações e as misérias. Será mais rápido. Seja-vos esse festim real a alegria da vossa alma - outra não deveis ter! Seja a vossa vida, como a vida dos galhos da videira, a flor do lírio, o fruto do amor.
Quando Nosso Senhor, pela Sagrada Comunhão, se apossa de um coração, uma vez que seja, deixa inapagável a lembrança e o vestígio de sua passagem. É um reino conquistado, onde Jesus reinou pelo menos alguns dias.
Comungai para amar, comungai amando, comungai para amar mais. "Pedi e recebereis...". è a melhor das disposições.
Fim essencial da Comunhão
Se Nosso Senhor, na Sagrada Comunhão, vos fizer algumas vezes sentir a doçura de sua Graça, agradeçei a esse doce Salvador, gozai de sua Presença, de suas consolações, dessa prova pessoal de seu Amor, mas não esquecais de que o fim essencial e necessário da visita de Jesus não consiste nisto, e sobretudo não vos afasteis da Mesa sagrada por estar frio o vosso coração e serem grandes as vossas misérias. É uma tentação terível, um golpe mortal que vos quer inflingir o demônio. Haveis de penalizar a Nosso Senhor. Mas, pelo contrário, apertai o vosso coração nas mãos e atirai-o ao Mestre. Comungai qual pobre mendigo, qual enfermo, ou doente, mas sempre com humildade e confiança, com o desejo de melhorar e de amar muito a Nosso Senhor. Ide à Sagrada Comunhão como uma criança; que a confiança vos anime, que a simplicidade do amor vos sirva de oração, e um imenso desejo de amar de preparação.
Não cogiteis nem de progresso, nem de lucros, e sim daquilo que necessitais e do desejo que tendes de amar muito a Deus.
Pois nesta terra só uma coisa é necessária; amar a Deus e a Ele só servir, e é a Sagrada Comunhão que, fazendo-nos viver em Nosso Senhor, alimenta em nós esse amor e nos faz progredir no caminho da santidade.
Verdadeiro progresso
"Eu não progrido", afirmais. Mas eu vos digo que o verdadeiro progresso consiste em cumprir com a Santa Vontade de Deus, em dizer sem cessar: farei melhor.
Enquanto vos alimentardes de Jesus Cristo, o demônio nenhum mal vos pode fazer, e sereis forte e bem protegida, Ah! Não vos afastei da Comunhão, nem que vos mova um sentimento de humildade. É preferivel, mesmo depois de algum pecado venial, ir purificar-vos no fogo da divina Eucaristia.
Continuai sempre a fortificar-vos com o Pão dos fortes, pois a Santa Comunhão é o fim da vida e a sua perfeição, é a devoção régia que a tudo substitui. É-vos o magno exercício das virtudes cristãs, o sumo ato do amor, o orvalho matutino.
É preciso, por conseguinte, chegar-vos à Santa Comunhão como à Graça soberana de santificação, como uma criança meiga, que nada tem, como pobre de verdade, que de tudo carece e a quem Nosso Senhor se quer dar em sua predileção.
QUARTA PARTE
A DIVINA EUCARISTIA - vol. 5 - pg. 174
Vida de união a Deus
O homem por si mesmo, nada pode. Inclina-se ao mal, e se Deus não o sustentasse, seria capaz de todos os crimes. Asim como a vara, se não estiver unida ao cepo da videira, não pode produzir frutos, assim também não podemos nós produzir bons frutos se não estivermos unidos a Jesus Cristo.
Ah! Se pudéssemos compreender estas palavras de São Paulo: "Não sou mais eu quem vivo, mas Jesus Cristo que vive em mim"! E esta ainda: "É preciso que Jesus cresça em nós até o estado de homem perfeito"!
De fato, Jesus tem em cada homem um nascimento e um desenvolvimento espiritual. Ele quer glorificar o Pai em cada um de nós. Digamos, pois, com São João Batista: "É preciso que Ele cresça e que eu diminua".
Mas para que Ele permaneça e cresça em nós, é mister permanecemos Nele; é mister respondermos ao seu chamado.
Dar o coração e o espírito
Demos não somente o coração, mas também o espírito. Deus não pede este sacrifício a todos os homens. É por demais penoso. Pede-lhes somente o coração: "Meu filho, dá-me o seu coração".
Só a número muito pequeno pede o espírito, a inteligência, o juizo: "Aquele que quer ser meu discípulo renuncie a si mesmo, tome a sua cruz, e siga-me". Dar o coração é fácil, mas dar o pensamento, o juizo, a inteligência, é omais duro sacrifício. É queimar-se vivo. Custa muito. Não podemos, a princípio, compreender a idéia de Deus, mas, depois, que luz Ele nos dá! Sua sabedoria surge luminosa.
O Céu se regozija, a Santíssima Trindade se compraz em ouvir a alma cristã exclamar: "Não sou mais eu quem vivo, mas Jesus Cristo que vive em mim"! A sua verdade, velada ou brulhante, vive em meu espírito; o quadro de suas virtudes e de seus sofrimentos anima-se em minha imaginação; seu Coração, cercado de espinlhos, aberto pela lança, ardendo de Amor, seu Coração divino, absorve, penetra, anima-me o meu; as Chagas sacrossantas de seu Corpo imprimem-se no meu, qual selo divino da aliança eterna que firmou comigo; sua Vontade é a regra, a vida, o instinto da minha. Permaneço em Jesus, e Jesus permace em mim. Enquanto houver em mim um lugar para o sofrimento, um sentimento, um desejo, um afeto a vos sacrificar, ó meu Deus, deixai-me sobre o Calvário da vida. Sobra tempo para gozar, agora quero sofrer convosco, ousarei dizer por Vós? Digo, sim, por Vós, ó "Fogo devorador e consumidor"!
Alimentai-vos de Nosso Senhor
Como alcançar essa união divina?
Há inteira liberdade quanto à escolha dos meios, ou antes utilizai-vos de todos os meios para alcançar essa união. Que tudo vos fale de Deus, e falai Dele a todos aqueles com quem tendes relações, orando pelo os que não O conhecem, e pedindo a Deus que vos torne semehante às pessoas piedosas que conheceis - não para serdes mais bela, mas para melhor o servir.
Não vos seja o pensamento de Deus um pensamento abstrato. Estimulai sempre o caração, dedicai-vos sobretudo ao louvor e à ação de graças. Gostai de repitir a todo momento: Quão Bom é Deus! Só Ele é Bom!
Alimentai-vos de Nosso Senhor, de seu Espírito, de suas virtudes, de sua verdade evangélica, da comtemplação de seus Mistérios. Ponde a piedade na união a Nosso Senhor, a fim de perder a vida na Vida do Esposo divino da vossa alma.
Não vos afastei Dele, que vos disse: "Se permanecerdes em mim e se minhas palavras permanecerem em vós, tudo quanto quiserdes vos será concedido". Colocai-vos, não nos raios do sol, mas no próprio sol, e tereis todos os raios em essência; então nada será capaz de enfraquece-vos. Que os defeitos, e os próprios pecados, sejam purificados e corrigidos como a ferrugem da espada lançada à chama e logo consumida pela ação súbita do fogo.
Permanecei antes na luz da Bondade de Deus, que na sua doçura. A luz é o conhecimento de sua Perfeição, das minúcias e das razões do seu Amor, em seus dons, em sua manifestação ao homem.
Alegrai-vos quando Jesus vos mostrar a razão de sua Bondade, de seu Amor, de suas virtudes, e até, ou antes e sobretudo, das provações e dos sacrifícios que impõe à alma querida.
Estudai a Nosso Senhor e tratai de adivinhar, de surpreender-lhe os segredos, o porquê de seu Coração, e ficareis arrebatada. Subi sempre para alcançar-lhe o Coração, sede da felicidade de nossa vida. Arranjai-vos uma cela no Cenáculo e no Calvário, focos divinos do Amor, e Nosso Senhor se agradará.
Cultivai o santo recolhimento
Dai ao próximo as chamas de vosso coração delicado, mas deixai a este no Coração de Jesus, e nada tereis a recear, nada a temer.
Cultivai o santo recolhimento, isto é, vivei em sociedade de vida, de união e de amor com Deus, com Nosso Senhor. O santo recolhimento é a raiz da árvore, a vida das virtudes e até do amor divino; é a força da alma concentrada em Deus para daí irromper-se e expandir-se. Que Nosso Senhor vos conceda esta Graça das graças.
Permanecei sempre no interior, vivei em vosso interior, possuí-vos, virai-vos de fora para dentro, deixai-vos este mundo, retirai-vos com Jesus em vosso coração, onde Ele vos move a alma, falai-lhe a linguagem interior que só o amor entende e compreende.
Entretei uma doce e habitual conversação em vosso interior e não o percais de vista, se quiserdes conformar-vos àquele que dizia: "Jesus é a minha alegria e felicidade!" Lembrai-vos deste princípio de vida, de que só encontrareis felicidade no serviço de Deus na vida interior de oração e de Amor.
É em nós que o Espírito Santo ora e geme por meio de indizíveis suspiros de Amor. O Reino de Deus, a que se referem as Sagradas Escrituras, é o Reino interior de Deus no homem, que reina sobre a sua inteligência pela fé, sobre o seu coração pelo amor, sobre o seu corpo pela mortificação das paixões.
Amai, por conseguinte, a solidão da alma. é o santuário de Deus, onde enuncia os seus oráculos de amor; aí aprendereis em pouco tempo, a conhecer a Deus em sua Luz, a degusta-lO na essência da sua Bondade, a imitá-lO em seu espírito de Amor. Em tal escola estamos sempre a recomeçar, porque estamos sempre a meditar numa verdade nova; penetramos mais adiante nas profundezas da Ciência e da Virtude de Deus. Ah! Acreditai-me quando vos recomendo a oração de silêncio, de contemplação, de união a Nosso Senhor, é o único e verdadeiro centro de vida.
Ide em busca desse bom Mestre antes pelo dom que pelo trabalho, antes pelo amor que pelas virtudes, antes pelo recolhimento que pela ação. Numa palavra, colocai-vos em Deus e estareis em vosso centro divino. Tudo mais é lida penosa e difícil para alma, que então trabalha demasiado; mas aqui é Deus que trabalha nela, é o orvalho celeste que a penetra com suavidade. É mister correr a Deus pelo caminho mais curto e estar sempre a redobrar as forças.
Vida e Deus com Deus
Vós vos queixais das dificuldades que tendes em vos recolher. É que o recolhimento é um começo do Paraíso. mas, assim como para entrar no Céu é preciso passar pelo sofrimento, assim também, com o recolhimento. Podemos defini-lo como sendo a vida em Deus, com Deus. Ora, é isto o Céu.
Tende, pois, o recolhimento da intenção, depois o do afeto, e apriximai-vos tanto quanto possível do recolhimento do pensamento da presença habitual de Deus.
Ah! Se vissemos mais a Deus em tudo, se o consultássemos como fazem os Anjos, havíamos de proceder mais sabiamente, seríamos sempre senhores de nós mesmos, porque estariamos em tão boa companhia!
Eis a que vos deveis aplicar sobremodo. Começai pelas orações, afugentando as moscas na igreja, entregue unicamente a Deus e à vossa alma, e aos poucos ireis adquirindo maior domínio sobre vós mesmo.
Velai contra a dissipação do espírito. É muito prejudicial ao coração, porque, se espírito voa por toda parte, distraindo-se com tudo, preocupando-se com mil ninharias, o coração fica vazio, os bons pensamentos não o alimentam mais; a memória não lhe lembra a presença de Deus; a imaginação diverte-se e diverte o espírito, com as loucas invenções. Então, o pobre coração fica reduzido em sentimentos de piedade em relação a Deus, à inspiração da Graça, e, não estando bem arraigado em Deus, nem cheio de seu amor, e não vivendo do Espírito Santo, esgota-se logo e se aborrece.
Coragem! Precisamos labutar pelo santo recolhimento vivendo da Lei de Deus, da sua Verdade, dos dons da sua Bondade, dos testemunhos incessantes do seu Amor. É preciso constituir-vos um centro de vida, uma morada em Deus, a fim de que o Espírito de Nosso Senhor encha o vosso mal espiríto e seja luz, alegria e vida do coração.
O recolhimento será antes do coração do que do espírito. Tratai a Jesus interior, como tratais um hóspede querido, amigo, soberano; não o deixeis a sós por muito tempo; achai meio de lhe dizer uma palavrinha entre as ocupações; de lhe trazer um leve ramalhete de amor; não deixeis o fogo divino diminuir; alimentai-lhe cuidadosamente o foco pela união a Deus, pela oferta habitual de tudo o que se apresenta, e sobre tudo dos pequenos sacrifícios cotidanos; dai-vos generosamente a todos os deveres de estado, a tudo quanto a vossa posição exige. A gota d'água acaba por encher o copo, por formar um riacho, e depois um rio. Utilizai tudo para lenha, pois tudo aproveita, diz o santo apóstolo, a quem ama a Deus. Então Jesus, o vosso bom Mestre, terá prazer em permanecer convosco, esperar-vos-á com alegria.
QUINTA PARTE
A DIVINA EUCARISTIA - vol. 5 - pg. 181
A raiz é a vida da árvore
Desconfiai também da tentação de zelo, que nos leva a pensar nos outros e a descuidar-nos de nós mesmos.
Que o vosso zelo se prenda ao dever, mas acreditai no que vos digo, aspirai à vida interior pela atração do Amor divino.
É mister respirar bem em Deus, profundamente, dele viver. Afinal, só a vida íntima com Deus é vida verdadeira; a vida exterior só serve para esgotar a nossa virtude tão débil.
É evidente que a raiz é a vida e a força da árvore, mas fica oculta, porque precisa trabalhar no mistério e na paz.
Ora, dá-se o mesmo na vida espiritual; a caridade, as virtudes, as obras exteriores, a própria oração vocal, não são, e não devem ser, senão ramos; mas a vida dessas obras está toda no recolhimento, da união da alma em Deus. É-lhe alimento, luz e força. Eis porque deveis aproximar-vos de Deus na oração, ouvi-lo de preferência a estar sempre a falar-lhe; ficar aos seus pés prestando-lhe homenagens, de preferência a praticar atos de dedicação, onde a alma em geral perde o recolhimento e se evapora em sentimentos que lhe são estranhos.
Quato mais vos despenderdes no exterior, tanto mais deveis guarnecer e encher o vosso interior de Jesus.
Verdadeira atividade espiritual
A atividade da alma, eis o nosso grande inimigo. Parece aquecer-nos na piedade, mas é muitas vezes ardor fictício e debilitante. A verdadeira atividade espiritual é aquela que é feita em Deus, ou em torno de Deus, porque então a alma se une, pela caridade, a seu fim e à sua graça imediata. Eis porque nada é mais ativo que o verdadeiro Amor de Deus, porque é a chama atuando em seu foco.
Procurai tornar-vos interior, isto é, procurai viver com Deus, trabalhar de sociedade com Deus, ser feliz em Deus. Sabei alimentar-vos de sua divina Providência, natural e sobrenatural, de cada momento; conservai-vos ternamente unida a Deus pelo sentimento simples do coração e do desejo, de modo geral quando nada de especial vier estimular-vos o amor, e, de modo particular, quando receberdes alguma visita interior benfazeja.
Então a Luz divina há de inspirar e motivar o vosso pensamento, e dirigir os vossos juizos.
O fogo sustenta-se a si mesmo, quando o foco que o alimenta é bom. Todavia, se o seu alimento é a atividade, a verdadeira atividade do amor é íntima. Quando Deus quiser dar a essa chama um exercício exterior e torná-la incendiária, bastará um Sopro que vire a chama para lenha em redor; e quando esse Sopro vos visitar, então deixai que a chama devore tudo cabalmente. É Deus que a impele.
Possa a lei do Amor de Deus ser-vos sempre a regra, bem como o motivo do amor ao próximo, segundo a hierarquia dos deveres.
Possa o espírito da piedade vos levar a pairar acima de toda obrigação exterior. Alimentai o coração com a expansão habitual em Deus, o espírito com a prática cotidiana da meditação, a vontade com a abnegação da virtude.
Eis a lei de vossa santidade, que deveis adquirir e alimentar incessantemente.
Pedi repetidas vezes a Deus para amá-lo na caridade do próximo, para permanecer com Ele no meio do mundo, recolhida e calma, por mais absorvente que seja a ação. Nossa alma deveria ser um santuário impenetrável, onde só Deus operasse, e donde emanassem a força e a graça da vida.
Dificuldades da vida interior
Lembrai-vos de que a alma, quando se entrega à vida interior, quer maior generosidade e energia do que quando se dedica e se sacrifica toda à caridade ou aos deveres exteriores que sustentam por si a atividade natural e possuem uma Graça de força.
De início, tudo parece fácil e agradável, porque estamos sobre a impressão doce e amável da Graça, mas a hora de provação não tarda. E então dá-se o grande choque. Fizemos demais, ou não o bastante, nos primeiros tempos. Se não fizemos bastante, é a censura amarga, não da conciência, mas do demônio a dizer-nos que tudo está perdido, que fomos infiel. Se fizemos demais, é o desânimo quando surge a primeira infidelidade. Aí está o fruto do amor próprio. Contamos demasiadamente conosco.
A vida interior, coloca-nos constantemente às voltas com nós mesmos, acaba por cansar-nos a mísera virtude, a energia natural; e, se não tivermos cuidado, acabaremos por temer todo exercício interior. O espírito tem medo, o coração receia, e a vontade exclama: "é duro demais estar sempre a vigiar-me, a observar-me, a mortificar-me em tudo".
A natureza adormecida desperta prontamente, mais forte que nunca. É por isso que devemos vigiá-la muito, arrancar as raizes mais insignificantes, a fim de que a árvore de vida tenha toda a seiva da terra fértil.
Não vos apiedeis desses rebentos pequeninos que querem brotar de novo ao pé da árvore divina.
Ah! Combatei essas impressões. É preciso que o Amor divino as tome, ou como lenha para alimentar-lhe a chama, em se tratando daquelas que poderão ser nocivas; ou como semente, que as faça germinar, crescer e amadurecer. Nisso consiste o fundamento da vida espiritual.
Quando uma alma quer viver da vida espiritual, só tem um inimigo a recear: a indolência, a covardia.
Importa, pois, fazermo-nos violência, violência suave para com os outros, forte e violenta para conosco.
É a condição imposta à vida de recolhimento. Deixar o Egito e atravessar o mar Vermelho, é um momento difícil e doloroso, mas uma vez no deserto, sob as asas de Deus, como os pintos de que fala Nosso Senhor, então respiramos outro ar, vivemos de uma outra vida e compreendemos estas palavras tão pouco conhecidas: "Meu fardo é leve e meu jugo suave". E chegamos a acrescentar: "Não sabia que era tão doce fazer sacrifícios por Deus".
Como permanecer em Nosso Senhor
O vento não penetra numa casa bem fechada. A alma que sabe permanecer em Jesus tampouco experimenta o furor das tempestades. Procurai alcançar essa morada bem-aventurada. Jesus disse-nos: "Quem permanece em mim e eu nele, produz frutos em abundância".
Como permanecer em Jesus?
1º - Pelo amor à sua adorável e sempre amável Vontade!
2° - Pela contemplação de sua infinita Bondade, que se derrama incessantemente sobre nós.
Acompanhai-lhe a Providência divina, andando nas pisadas de sua Bondade pessoal, e vos causará admiração ver como ocupais a Deus, como o preocupais mesmo.
Este modo de encarar a Providência em sua Bondade e em seu Amor, é a suma felicidade da alma, e nos suscita sentimentos sempre novos. É como que um antegosto do Céu!
Seja, pois, vosso espírito todo de Deus e vosso coração seu eco e fruto, já que Deus visto é a lei, e a medida do amor, e o amor da virtude.
Sede de Deus, como o pássaro do ar, e o peixe do mar.
Que felicidade viver nessa atmosfera divina! Precisamos de fato ser muito generosos na mortificação para viver dessa vida interior de Jesus, mas o amor opera sem dor. O mundo é um Calvário que crucifica bons e maus. Quantos sacrifícios de abnegação surgem a cada instante! Fazei-os bem por amor a Deus.
Mas sede sempre graciosa no dever, generosa na virtude, piedosa no amor, e sereis tal qual Deus vos quer.
Regulamento de vida
Cabeça livre de toda preocupação, mas toda entregue à vontade de Deus no momento.
Coração todo a Deus, para adorá-lo, amá-lo e servi-lo segundo deseja.
Vontade infantil.
Presença de Deus, oferta habitual do que fazeis, espírito de mortificação, atenção aos sacrifícios de renúncia que Deus vos pede a cada instante, economia de tempo. Fazei tudo para Deus e tudo vos será proveitoso.
Trabalhar sem visar ao êxito, mas cuidando só do dever.
Relação com o próximo, somente de conveniência ou de caridade, simples e cristãs, ternas e boas para tudo o que sofre.
Oração como Deus a faz; tomando por base o dom e a ação de graças.
A Sagrada Comunhão: Pão de força e de vida. Chegar-se a ela pobre e débil, grata e amorosa.
Exame, sobre os deveres, e eis tudo.
Eu vos dou incessantemente ao divivo Mestre. Sede-lhe coisa, serva, adoradora.
Oração
Uma regra importante de santidade é saber encontrar tempo para cuidar da alma. O demônio no-lo faz desperdiçar.
Oração! Oração com Deus e por nós mesmos, eis a primeira lei.
E agora a segunda: a generosidade de cumprir com a santa Vontade de Deus a nosso respeito, pela abnegação própria, pelo amor do dever, fazendo tudo para agradar a Deus.
Sede uma alma de oração
Coragem! Tornai-vos santa! Já é tempo, e para tornar-vos uma grande santa, sede uma alma de oração e de generosidade, pois o essencial é querer e perseverar neste fim.
É tempo de cerrar fileiras em torno de Jesus, nosso Mestre. Procurai chegar-vos o mais possível a Ele, e permanecer no seu serviço.
A fortaleza é a virtude do soldado, o amor a da criança, a dedicação pura a do apóstolo e do religioso. Cultivai estas três virtudes e sejam elas vossa trindade de vida. A fortaleza provém do amor, amai, pois, e amai muito. O amor provém do foco de oração; sede, pois antes do mais, uma alma de oração, mas de uma oração toda vossa, afetiva, recolhida, que degusta Deus, e se nutre de Deus, aspirando sempre pelo desconhecido da Verdade, da Bondade, do Amor de Deus. A chama que não progride baixa logo ou perde o fulgor, e começa a declinar, apagando-se ou apenas fumegando. Eu desejaria que tivésseis uma só coisa: o desejo, a fome, a alegria da oração em Nosso Senhor! Que belo foco seria! Ora, o estômago que não se agrada da comida, que não digere, que não tem fome, está doente.
A regra de vida é como regime físico, deveis observá-lo, porque a vossa alma estará sempre contente quando se tiver nutrido de Deus. Só na oração encontrareis paz deliciosa, essa calma, esse repouso, que é muitas vezes mais sensível então do que na própria Comunhão. Na oração, Deus nos alimenta, na Sagrada Comunhão freqüentemente alimentamos a Deus com o pão do sofrimento e o fruto laborioso das virtudes. Eis por que muitas vezes sofremos depois da Sagrada Comunhão.
Meio infalível de santidade
Coragem! Entranhai-vos bem na meditação, é a bússola da vida e o alimento da virtude; é a graça da educação da alma pela Graça, pelo próprio Deus; é a senha matinal que vos fará passar bem o dia todo.
Não desanimeis nunca diante deste exercício fundamental, e não vos adimireis se o demônio, nosso inimigo, o atacar com violência. Santa Teresa disse que "o demônio considera a alma que persevera na oração como perdida para ele". É nas palavras de Santo Afonso de Ligório, o meio infalível de santidade: "A meditação e o pecado, não poodem morar juntos".
Decerto , a meditação, em geral é laboriosa. Semeamos nas penas e nas lágrimas, mas os frutos são deliciosos, e coisa estranha, quanto mais for árida, seca, cheia de tentações, mais será fecunda e perfeita. A meditação é um Calvário expiatório e santificante; os pesares que a acompanham tornam-se matéria das maiores virtudes e fonte de Graças preciosas. Quem tem o espírito de oração, tem tudo; é o remédio para todos os males.
Para orar bem
Para orar bem, é preciso fazer oração ao despertar do corpo e da alma, quando tudo em nós está em paz e recolhido. É preciso fazer oração antes de tudo o mais, e algumas pessoas fazem-na mesmo antes da oração vocal, afim de melhor se aproveitarem do recolhimento da alma.
Determinai-vos, pois, uma hora certa para meditar, seja trinta minutos, seja uma hora inteira, segundo o tempo disponível. Mas não vos permitais, antes da oração, nenhum exercício apto a dividir-vos a atenção. Quando não vos for possível fazer oração pela manhã, substitui-a, no correr do dia, por uma breve leitura espiritual, e a alma não ficará prejudicada, e não perdereis de vista nem a Deus, nem a vossa alma, nem a ordem do dever.
É preciso ainda, para alcançar êxito na oração, fazê-la, tanto quanto possível, em um lugar calmo e silencioso; é por isso que os contemplativos procuram as solidões, os antros das rochas; os recantos mais solitários da casa ou igreja. Então, sentem-se mais próximos de Deus.
Procurai um tema de oração que vos seja caro e que seja a alma de todos os outros. É naturalmente o Amor Divino, mas convém seguir o impulso da atração interior, seja da devoção à Paixão de Jesus, ao Santíssimo Sacramento, seja a santa pobreza, ou ao recolhimento na Presença Divina.
Não vos esquecais nunca destes dois grandes princípios: Primeiro, que o estado da alma na meditação, é efeito da vontade de Deus, e que, por conseguinte, é preciso meditar conforme as disposições do momento, que se tornam então regra e forma de nossos atos. Segundo que o êxito sobrenatural da meditação depende unicamente da Graça de Deus, e que, portanto, não a devemos fazer depender de belas reflexões, nem de sentimentos de fervor. Devemos, naturalmente, exercer as faculdades perante Deus; mas condicionadas à sua Graça.
Ide, pois, à oração como o menino pobre, e estareis sempre bem. A oração é, e só deve ser, o exercício humilde e confiante de nossa pobeza espiritual, e quanto mais pobres formos, tanto mais direitos temos à Caridade divina - este pensamento fez a riqueza de muitas almas sofredoras.
"A meditação é o ofício de nossa mendicidade perante Deus". diz Santo Agostinho. Ora, que faz o mendigo e quais são suas virtudes?
A primeira é a humildade. Eis porque permanece à porta e só emprega termos humildes.
A segunda é a paciência. sabe esperar, sabe aguardar, não se ofende com nada, utilizando-se das humilhações e das repulsas para ser mais eloqüente.
A terceira é o reconhecimento. Abre-lhe todas as portas e acaba por torná-lo estimado e querido.
Sede, pois, uma boa mendiga de Deus, utilizai-vos das distrações, das securas, dos próprios pecados, como de outros tantos títulos à infinita Bondade de Deus.
Resoluções positivas
Na oração não deveis permanecer no vago. As resoluções devem ser positivas. Tomai, durante quinze dias ou três semanas, um mesmo defeito a combater, uma mesma virtude a praticar. Nem sempre tereis ocasião de exercer a virtude oposta a tal defeito, mas podereis sempre pedi-la a Deus e fazer alguns atos positivos.
Tomai um livro que vos agrade, lendo-o até que uma idéia vos impressione a fim de evitar a indolência espiritual que tolhe o conhecimento próprio. Ao perceberdes que o espírito divaga e que as faculdades não se exercem, procurai outro tema. Se o estado de vossa alma for normal, fazei uma meditação qualquer tirada da Imitação, mas preparada, pelo menos quanto ao capítulo ou versículo.
Se estiverdes passando por um estado extraordinário, escolhei um assunto apropriado; na desolação, por exemplo, o capítulo 21 do primeiro livro, 9.º, 11.º e 12.º do segundo livro. Quando sentirdes repugnância pelos sacrifícios, meditai os capítulos que tratam do amor, os três sobre o Céu, ou seja, o 47.º, 48.º e 49.º.
Na dissipação, recorrei o primeiro capítulo do segundo livro e os primeiros do terceiro.
Não convém tratar a alma nesses diversos estados como se trata a um doente, desgostoso de tudo.
A grande resolução que se impõe é fazer, prontamente, e por amor, os sacrifícios de abnegação que Deus nos pedir durante o dia, e logo que no-los indicar.
Então, só nos resta uma coisa a fazer, vigiar atentamente o momento do sacrifício, ou antes, conservar-nos sempre na disposição de dizer a Deus: "Meu coração está pronto, ó meu Deus, para cumprir em tudo com a vossa vontade". Mas essa vigilância deve ser livre, sem jugo, sem contenção. É vigília do amor, e o amor não se cansa, vela enquanto dorme, vela enquanto trabalha; toda a sua perfeição está em fazer cada coisa como Deus a quer e no espírito de Deus.
Contemplação deliciosa
Mas para chegar a semelhante oração de vida, é mister labutar muito no esquecimento próprio, não se buscando em nada na oração, é mister sobretudo simplificar o trabalho do espírito pelo olhar simples e calmo das Verdades divinas. Deus, com efeito, só nos atrai a si pela sua Bondade, só nos apega a si por dons suavíssimos de seu Amor. O coração vive de comparações e dá-se ao bem maior conhecido e provado.
Aspirai, pois, na oração a vos alimentar de Deus de preferência, a vos purificar, a vos humilhar, nutri-vos, por conseguinte, a alma da Verdade personificada na Bondade de Deus para convosco, de sua Ternura, de seu Amor pessoal. O segredo da verdadeira oração está em querer ver a ação e o pensamento de Deus em seu Amor para convosco! Então a alma admirada, incitada, exclama: "Quão bom sois ó meu Deus! Que farei eu por vós? Que vos pode agradar?" É a chama a brotar do foco.
Quando a alma tem a felicidade de descobrir esse bom lado da oração, esta é uma contemplação deliciosa, em que a hora passa rápido.
Conversai com Deus
Ide, pois, a Deus pelo coração, pela expansão do coração, pela conversação íntima da alma a fim de alcançar essa paz que diz tudo, esse sentimento de Deus que tudo substitui, esse olhar carinhoso de Deus que tudo anima.
Aprendei a conversar com Jesus e Maria como conversais intimamente com vossa boa mãe. Aprendei a prestar conta minuciosa a Nosso Senhor de vossa alma, de vossa vida. Contai-lhe os vossos pensamentos, vossos desejos, vossas tristezas. Falai simples e singelamente com Nosso Senhor, como se fosse outro vós mesmo.
Comportai-vos tal filho amoroso, todo abandonado ao divino Mestre. E, nesse trabalho do amor, não faleis sempre, mas sabei guardar silêncio junto a Jesus, alegrai-vos em vê-lo, em fitar nele os olhos, em ouvi-lo, em saber-vos aos seus pés. A palavra genuína de amor é antes interior que exterior.
Deus não precisa de nossas reflexões nem de nossas palavras para ensinar-nos a amá-lo e dar-nos a sua santa Graça, mas ele quer que façamos tudo quanto estiver ao nosso alcance em Presença de sua soberana Majestade e para provar-lhe a nossa boa vontade. Depois, uma vez quando tivermos esgotado nossa pobreza, ele chega-se a nós e dá-nos sua santa Graça. Na meditação não convém, portanto, refletir muito, mas antes fazer atos de virtude. Se estiverdes, por exemplo, a meditar na Paixão de Nosso Senhor Jesus Cristo, fazei primeiro, um ato de amor, ao ver tudo o quanto esse bom Salvador sofreu por nós, e, depois um ato de reconhecimento, porque ele nos amou muito e sofreu muto por nós, e porque no-lo deu a conhecer, Fazei em seguida um ato de amor ao sofrimento em geral, e em modo particular àquele que vos toca no momento. Pedi, então, a graça e o amor de poder padecer por amor a Deus. Dirigi-vos à Virgem Santíssima, aos Santos, para que vos impetrem esta Graça, e tomai a resolução de sofrer bem, em silêncio e com toda a paciência, tal e tal coisa.
Eis uma excelente meditação.
Ah! Que felicidade para nós quando nos é dado descobrir semelhante conversação íntima com Nosso Senhor! Levamos o nosso tesouro por toda parte. É-nos o centro do coração e da vida. Não há felicidade possível na terra sem Jesus, não há, pois, outro meio senão viver com Jesus, o Esposo, o Pai, a vida de nossa alma.
Pedi a Nossa Senhora esse dom da oração, dom que a todos os dons encerra.
SEXTA PARTE
A DIVINA EUCARISTIA - vol. 5 - pg. 194
A Santa Vontade de Deus
Existe uma lei magna de santidade, sempre verdadeira, boa e fecunda em obras, é a lei da conformidade à santa e sempre amável Vontade de Deus. A Vontade de Deus antes de tudo, acima de tudo, em tudo e em todos, eis a mais cabal perfeição, a qual todos os outros meios de salvação devem estar sujeitos.
Regozijo-me em saber que encontrastes esta boa veia da graça, da paz e da alegria do Espírito Santo.
Qual filho nos braços da mãe
Firmemos de início um grande princípio:
O de irmos a Deus, aos deveres, ao próximo, animados pelo espírito de amor, de amor à Santa Vontade atual, e porque Deus assim o quer.
Então tudo não passa de um exercício variado dessa mesma Vontade. Essa Vontade divina e amável nos dirige e ficamos livres quanto ao mais.
Teremos, por conseguinte, um só pensamento geral, universal e particular: Deus o quer, Deus não quer mais, Deus não o quer.
O meio de alcançar o espírito desse magno princípio é orar, é meditar alguns dias sobre a sua excelência; é ler tudo que a isso se relaciona, como o Tratado da Conformidade à Vontade de Deus, de Rodriguez, e outros semelhantes; é fazer freqüentes aspirações de amor à Vontade dirigente, concomitante, subseqüente, de todas as nossas ações e de todos os nossos estados.
Ah! Como nos sentimos bem por toda parte com essa regra divina da amável providência! Estamos qual filho nos braços da mãe. Sejamos muito infantis nas Mãos de Deus. Ora a sua Graça impele-nos e então viajamos alegres; ora Ele contenta em nos dar mão, e então devemos andar, mas nada custa em compahia de Jesus. Freqüentemente, quando Ele nos deixa caminhar a sós, no lodo, no meio do deserto, clamamos pelo Bom Mestre. Ele assim fez para ensinar-nos que sozinhos nada podemos. Parece que esse bom Pai vos deixa algumas vezes experimentar a vossa fraqueza, apalpar a vossa miséria. Pois bem, bendizei-o ainda por essa Graça que faz sobressair o Amor que vos tem.
Ah! Tende certeza que Deus vos ama muito e gratuitamente, e tereis do que ter confiança. Ele quer sobretudo que vos convençais de que tudo quanto fazeis só vale ao seus Olhos segundo a abnegação da vossa vontade em cumprir com a sua. Agradeço a tão bom Mestre ter um zelo de Pai pela vossa alma e pela vossa vida.
Dormi em paz Deus vela
Acreditais no que vos digo: não vos preocupeis com o futuro, não desejeis uma vida mais livre, nem para praticar tranqüilamente o silêncio, o recolhimento exterior, a própria oração. Deixei a Nosso Senhor o cuidado de escolher a forma exterior da vossa vida segundo o seu bel-prazer; considerai todos os acontecimentos pessoais como provindos de seu Coração de Pai, lembrando-vos de que o perfeito amor de Deus ama a Deus em Deus, vai a Deus pela via mais curta, a via do abandono à Santa Vontade do momento. Vede quão boa, quão prudente, quão maternal é essa Providência Divina! Abandonai-vos a seus cuidados e deixaia tudo dirigir, tudo fazer. Dormi em paz, Deus vela por vós e sobre vós.
Mas como custa ao coração morrer a esse eu, e viver unicamente de Deus! Para nos ajudar a morrer Deus transtorna céu e terra, congrega em torno de nós as fraquezas humanas, as distrações, as securas, as desolações, as irritações interiores, e assim desapega-nos de nós mesmos; congrega as criaturas com seus defeitos, suas paixôes, suas exigências, suas importunidades, a fim de exercer-vos na prática da doçura, da paciência, e dizer-nos que o centro da paz só se encontra em Deus.
É que Deus é contrariador; quando desejamos rezar, Ele nos faz trabalhar naquilo que nos desagrada; quando queremos estar sós, faz-nos viver no meio de uma sociedade penosa, quiça profana. Saibamos, pois, dizer-lhe: "Meu Deus, meu amável Pai, a vossa Santa Vontade supre tudo, e em tudo vos hei de bendizer".
Ah! Procurai descansar em Deus, aos pés do bom Mestre, no silêncio, na aceitação, na adoração de sua santa e sempre amável Vontade.
Sede sempre alegre no serviço de Deus. Dai sempre tudo a Deus. Repousai tranqüilamente em sua Bondade. Vivei e procedei sempre em sua Caridade, e procedereis sagazmente.
Como a alma está bem quando vela e dorme sob a guarda dessa especial providência!
O mais belo triunfo do amor
Assim, pois, ver a Deus em tudo, ir a Deus por todas as coisas, abandonar-se inteiramente ao seu bel-prazer de cada instante, tal é a regra invariável da alma interior.eus, sua Glória, sua Santa Vontade, é toda a vida do cristão.
A única verdadeira felicidade da alma é permanecer na Santa Vontade de Deus, e se esta for cruciante, será o mais belo triunfo do amor. O homem mundano vai ao encontro dos acontecimentos, provoca-os, fá-los servir ao seus desejos. O homem de Deus aguarda o momento da Divina Providência, ajuda o impulso da Graça, dedica-se à Vontade integral de Deus, presente e futura, mas com esse abandono filial que deixa todo cuidado e toda glória a Deus, seu Pai.
Deus, a Graça e o tempo são as três grandes potências do cristão. Aquele que só quer a Deus e a sua Vontade atual, permanece na paz e no fervor.
Colocai-vos bem nesse centro divino, vivei da Vontade divina; caminhai à claridade dessa luz sempre brilhante. Acreditai que a Providência do amor de Nosso Senhor vos guarda e vos conduz; é a nuvem do deserto para os hebreus. Sabeis que Moisés e Aarão só mudavam a Arca de lugar quando essa nuvem se levantava e ia em sua frente. Entrai no deserto com os olhos fechados.
Como Deus o quer
Nosso bom Pai que está nos Céus tem sempre os Olhos de amor fitos em nós, e a sua Divina Providência prevê e ordena tudo para o nosso maior bem. Segui, pois, o curso dessa Divina Providência, caminhai exatamente conforme Deus o quer, à luz do sol que brilha, ou da lua, ou das estrelas, ou às apalpadelas preso ao fio da obediência. É regra segura.
Não vos apegueis aos meios de ir a Deus, mas a Deus só e à Vontade Divina do momento. Deixai-vos volver e revolver, tomar e deixar, cosolar e desolar por esse divino Mestre conforme Ele quiser, e ponde toda a vossa consolação em uma só coisa, no amor à Vontade Divina.
Vede Deus, o pensamento, o bel-prazer, a Vontade Divina em cada coisa. Aproximai-vos tanto quanto possível da Vida íntima de Deus, pela união do coração e pela adesão da vontade a tudo quanto quiser Ele de vós e a todo momento.
A vida da alma interior está, de fato, toda nestas duas leis: Deus o quer, Deus não o quer.
Toda a perfeição do amor consiste em fazer cada coisa como Deus a quer e no espírito de Deus.
Deus não precisa de vosso trabalho, mas precisa de vosso coração, de vossos sacrifícios. É o trabalho de cada dia. Vós o glorificais às vezes nada fazendo, ou antes fazendo aquilo que Ele quer. Coragem, deixai-vos levar pelo bom Mestre, qual filho sem vontade, sem outro amor que o seu amor, que tudo suaviza.
Procurai não ter olhos, nem ouvidos, nem gosto, nem desejo algum senão a Vontade de Deus, conforme se apresenta no momento. Segurai a Mão de Nosso Senhor e dizei-lhe: "Conduzi-me aonde quiserdes".
Que felicidade para nós só pensarmos, só desejarmos, só querermos uma única coisa: a Vontade de Deus! Meditai muitas vezes sobre este ponto. É a mina de ouro da caridade. É o jorro de água do amor que dá e do amor que recebe.
SÉTIMA PARTE
A DIVINA EUCARISTIA - vol. 5 - pg. 199
Só vós, Senhor, sois Bom
Não vos demoreis, em seguida, na consideração do que vem só do homem, só da humanidade. Esquecei a pobre miséria humana, suas palavras, suas intenções, suas ações naturais, nada disso vale um só fio de cabelo na balança da Divina Providência. Vede em tudo o que Deus quer de vós, os atos de virtude que suscita do concurso das criaturas livres e de sua Graça.
O mundo é deveras injusto. Sempre o foi, mesmo para com seu Criador e Salvador. Não concede seus favores aos bons serviços, às qualidades morais, à dedicação cristã. Como é consolador, nos momentos de injustiça e de ingratidão, erguer os olhos ao Céu e dizer: " Meu Pai seja feita a vossa Santa Vontade! Foi para nosso maior bem que isso se deu. Foi para nos mostrar que vós sois Bom!" Nem sempre discernimos a razão divina dos acontecimentos, mas devemos adorar o mistério da Divina Providência e tudo nos será pago com usura. O amor à Santíssima Vontade de Jesus vale mais que todos os dons, que todos os bens de nossa vontade.
A regra soberana da vida
A Santa Vontade atual de Deus, assinalada pela necessidade ou pela conveniência de estado em relação ao próximo, é a maior das Graças. É a mais valiosa de todas as obras de zelo, mais valiosa até que a Sagrada Comunhão, porque é a santidade para nós. Deve, pois, ser-nos a regra soberana da vida. Considerai as necessidades de posição e de vida como leis atuais da Vontade Divina, e as exigências dos deveres e das conveniências de posição como indícios de sua Santa Vontade.
Abandonai-vos inteiramente à sua Providência divina e amável. Deixai-vos conduzir pelos acontecimentos, pelas leis das obrigações de estado e do dever, mas sobretudo deixai-vos guiar pelo Sopro da Graça. Vossa alma, tal vela de um navio, desfralde-se à mercê deste sopro celestial, observando-o, a fim de seguir-lhe o impulso.
Deixai-vos guiar por Nosso Senhor, como criança, sem outro desejo que o seu bel-prazer, ciente de que só deveis seguir a Nosso Senhor, que anda sempre à vossa frente; a vós cabe unicamente por o pé na pisada divina.
Apegar-se somente a Deus
Não deveis vos apegar nem ao local, nem ao país, nem a nada de exterior, nem à vossa pessoa, nem às Graças do momento. Tudo passa. Só deveis apegar-vos a Deus, à sua Vontade atual, porque Deus, amando-vos infinitamente, só quer vosso maior bem, em tudo e por tudo. Então, todos os acontecimentos, com excessão do pecado, vêm do alto, e todas as modificações da vida são ditadas pelo alto. O sopro da Santa Vontade de Deus é sempre propício à vela da nossa navezinha, mas é preciso conserva-la defraldada e firme, os olhos fitos em Jesus Cristo, que vai na frente. Deixai a Deus o cuidado de dirigir a nave a essa ou àquela margem. Quanto a vós só tendes um dever, o de remar sob as ordens divinas.
Mas procurai sobretudo:
- a calma, em qualquer acontecimento;
- a indiferença por tudo o que não for Vontade de Deus;
- a condescendência e gentileza para com o próximo, a começar pela família;
- a librdade, em se tratando de dever e da caridade;
- ser todo para todos quando Deus assim o quiser;
- só de Deus e todo de Deus só, segundo a lei do amor.
Nessa Vontade Divina, atual e pessoal, está a Graça especial que nos santifica, e essa Graça especial está presa a cada hora, a cada ato; passada a hora, o tempo da ação, a Graça está finda.
Quão bela e fácilé semelhante regra de amor! Contentai-vos com a Santa Vontade de Deus do momento. Apegai-vos a tudo e a nada: a tudo quanto Deus quiser. e a nada, logo que Deus não quiser mais.
Dai-vos a todos e a tudo segundo o bel-prazer divino.
Vivei dia a dia; digo mais, momento a momento.
Dai tudo para obter tudo, e isso inteiro e em retalhos.
Renuciai à própria vontade
Nunca estamos mais certos de fazer a Vontade de Deus do que quando não fazemos a nossa.
Nuca estamos mais livres, mais tranqüilos do que no abandono filial a essa tão amável Vontade de Deus. Alegrai-vos, pois, quando a noitinha, podeis dizer a Deus: "Meu Deus, hoje renunciei o dia todo à minha própria vontade".
Lembrai-vos sempre de que a alma interior nunca deve sair inteiramente de si, mas ter sempre o olhar fito em Deus presente e no seu dever; deve conversar interiormente com o seu bom Mestre, encontrando a Deus no meio das criaturas e do mundo.
Assim sendo, estareis sempre contente de Deus e de todos, nas missões divinas que exercerem para convosco, nunca porém, de vós mesmo. Estareis sempre alegre, porque Deus se encarregará de vossos negócios melhor do que vós.
Estareis sempre livre, e quando Deus modificar vosso trabalho, aceitá-lo-eis com prazer, porque o seu bel-prazer é o vosso.
O que me agrada pedir a Deus para vós é essa fidelidade invariável no amor à sua santa e sempre amável Vontade; que a consolação ou a desolação, a alegria ou o pesar, a presença ou a ausência das criaturas, não altere o interior da alma, que colocareis acima das regiões dos temporais e das variações atmosféricas, e que tudo, pelo contrário, produza em vós apenas mudança de exercício, de ação, enquanto a vontade permanece unida à Santa Vontade de Deus. Ditosa da alma que vive dessa vida divina! É-lhe dado compreender então as palavras ardentes de São Paulo: "Que me ha de separar do amor de Jesus Cristo? - Nada!"
O fruto dessa conformidade divina será primeiro a paciência, a igualdade de ânimo exterior, e depois a paz interior, a força e a generosidade na ação. uma alma que quer viver de Deus consulta, antes do mais, a Santa Vontade, receando consultar o coração, a própria razão, de que desconfia; para ela a Vontade de Deus conhecida constitui-lhe a lei suprema, é sua lei invariável, e sua primeira ciência.
Ai de nós se não tivéssemos essa consolação em nosso exílio! Quão desgraçados seriamos! A vida não passaria de uma agonia sem esperança! Maa quando podemos dizer: "Faço a Santa Vontade de Deus, tenho certeza de ser-lhe agradável, de glorifica-lo na minh condição atual", que para nós é centro, regra, consolação, universo.
Seja a Santa Vontade de Amor de Deus assim e sempre e amavelmente cumprida em vós! Seja qual for a graça, a virtude, o estado, contanto que lhe agrade, pois Deus visa sempre o vosso melhor bem. Seja o sim do coração a resposta a tudo. Lembri-vos de que um ato de abandono vale mil atos expontâneos de virtude.
Resposta a uma dificuldade
É fácil, alegais, discernir a Vontade de Deus nos deveres de estado, mas é difícil saber discernir as inspirações relativas a coisas não obrigatórias, como sejam: renunciar a um prazer lícito, fazer uma mortificação qualquer, e mais ainda.
Passo a responder:
1.º - Segui as inspirações de conselho, que se fazem acompanhar da paz e da atração da Graça: Deus vo-lo pede ao vosso coraçõa generoso.
Rejeitai aquelas que estão em antagonismo com outros deveres, que colocam a alma na tristeza da inquietação, da perturbação, deixando-a no vago, sem saber se Deus a isso quer ou não quer; é uma falsa luz.
2.º - Sede mais generosa nas mortificações de sensualidade, quando vos ocorrer previamente, mas deixai-as uma vez começado o ato. Já é tarde. Não passa então de escrúpulo e piedade, ou de uma conciência perplexa.
3.º - Desprezai todo receio em relação a uma vida demasiadamente perfeita, que provém do fato de que vos coloqueis na mortificação, no meio, e não na liberdade da vida em Deus, no magno princípio de vida.
Fomentar a vida interior
Confesso que, se não cuidássemos de alimentar e fomentar a vida interior, em breve, estaríamos exaustos, fracos, cambaleantes. A vegetação da terra carece da noite, e o homem do sono. Adormecei amiúde no Coração de Jesus, como São João. Que belas coisas aprendemos nesse sono suave do silêncio interior da alma em Jesus! Que despertar corajoso em seguida!
Mas alegais muita dissipação, e não poder concentrar-vos, porquanto a atividade vos leva sempre a exteriorizar-vos.
Acredito que seja verdade. Então que fazer? Nada.
Trair docemente a imaginação, a atividade de espírito, a irritação de coração, e entregá-las, uma após outra, a Nosso Senhor, pescá-las nas redes de sua Santa Vontade. E quanto menor a violência, o ruído, a comoção, tanto melhor será. Fazer como os pescadores, e então a pesca será milagrosa.
O Céu na terra
Imita o Anjo Rafael em vossas relações com o próximo. Ele deixa o Céu, o lugar de destaque que ocupa junto ao Trono de Deus, e baixa a esta terra de miséria, revestindo uma aparência de vida, pobre, humilde, servil, junto ao jovem Tobias, a quem serve como se fosse seu amo; nunca aparenta pressa em coisa alguma, tudo faz com calma e liberdade de coração. E por quê? Porque Deus o quer, e por isso o enviou, e o anjo acha-se mais feliz nessa missão do que se estivesse no Céu a fazer sua própria vontade (se lhe fosse possível). Mas notai que, embora levando vida humana, alimenta-se sempre de sua comida invisível e divina, alimenta-se da vista de Deus, do cumprimento de Sua Santa Vontade. E isso contitui-lhe o Céu na terra.
Seja assim também convosco. Sede qual jornaleira que faz tudo quanto lhe pedem, sem se afligir com o que lhe cabe fazer amanhã. Conservai a alma junto a Jesus no Santíssimo Sacramento, depois entregai-vos a todos e a tudo com paz e liberdade: seja sempre o espírito como o sol, belo e bom; o coração livre como o ar; e Deus em vós, a vontade tendo por única escolha a Vontade de Deus atual amando tudo quanto Deus ama, indiferente a tudo que não se dirige a Deus, despresando tudo que lhe seja contrário.
Seja sempre o divino Mestre vosso chefe, seja sua Santa Lei, vossa lei soberana; seu Santo Amor, o fogo de todo amor.
Numa palavra, vivei do positivo da Verdade, da Graça, da Bondade divina, e finalmente do Amor que dá e recebe com amor.
Confiança e abandono
Deus ama-nos pessoalmente com um grande Amor de Benevolência, com um Amor infinito e eterno.
O Amor de Benevolência consiste em querer pura e exclusivamente o bem, e o melhor bem da pessoa amada.
Em Deus, o Amor de Benevolência é pessoal. Deus ama tal pessoa, ama cada um de nós, como estivessemos sós no mundo, porque o seu Amor é um e infinito.
Salários de amor divino
Todos os atributos de Deus estão à disposição do Amor de Benevolência que nos tem, a fim de nos santificar em seu Amor e em sua Graça, e poder comunicar-nos, na eternidade, sua Felicidade e Glória, porque o amor pede união, e a união, fim e triunfo do amor, constitui sociedade de bens e de vida. O amor não quer ser feliz a sós.
Os grandes atributos de Deus, que estão à disposição do Amor de Benevolência que ele tem à alma, são os seguintes:
A Sabedoria divina, que escolhe aquilo que melhor convém ao bem e ao estado atual da alma querida; a Prudência divina que aplica esses meios de santificação; o Poder divino, que nos ajuda, nos sustenta, nos defende; a Misericórdia divina, que dispõe sempre de um coração de mãe, para nos perdoar, nos levantar, pois a criança tem dois inimigos, isto é dois títulos à misericórdia: sua fraqueza e leviandade, sua tolice e presunção; a Providência divina, que combina todos os acontecimentos de tempo, de circunstâncias, em torno dessa alma querida, como o centro do movimento celeste e terrestre, a fim de que tudo lhe sirva para o seu fim sobrenatural.
É por isso que certas criaturas nos exercem a virtude e nos fazem sofrer, a fim de nos lembrar que estamos no exílio, no tempo de expiação, de amor crucificado com Jesus Cristo, nosso bom Salvador. Outras nos mostram o caminho durante algum tempo, e depois desaparecem, porque Deus substitui o Anjo Rafael, Moisés, Josué, . Outras são um espelho onde vemos refletidas nossas misérias (pelo menos possível) em relação ao mal e as más disposições de Adão. Outras são um livro de vida santa. Outras, pobres de Deus. Diz a Imitação que "não há criatura tão pequena e tão vil que não represente neste mundo a Bondade de Deus". não nos manifestam os próprios pecadores a Bondade de Deus, que lhes faz o bem até material, que os convida, os aguarda, pronto a perdoar?
É a Providência divina que não só nos coloca no caminho as criaturas que nos devem fazer exercer algum ato de virtude, como também determina, em sua Bondade Divina para com a alma, o estado do corpo, padecente ou são, porque é o regime indicado para o dia, a fim de glorificar a Deus deste ou daquele modo; é o boletim cotidiano assinado pela Providência divina.
Os estados naturais da alma, em se tratando das Graças que Deus dá e das obras que vai pedir, são também regidos por essa amável Providência, que ora dá mais vida ao espírito, ora ao coração, mas sempre à vontade, porque é a dona da casa, a serva de Deus.
Os estados espirituais da alma são sobretudo objeto da direção da divina Providência, porque são as verdadeiras condições de santificação.
Lei do dever
Daí se segue a grande lei de vida: devemos caminhar na direção do Sopro da Graça, devemos honrar a Deus pelos estados naturais e sobrenaturais, e nos servirmos de tudo o quanto a divina Providência nos oferece à passagem; devemos ver em tudo essa santa e amável Vontade em torno de nós e em nós, obrando sob sua direção, consultando sua inspiração, oferecendo-lhe a primeira intenção em tudo, prestando-lhe homenagem em qualquer imprevisto, em qualquer encontro, reconhecendo-a por toda a parte, supondo-a quando não a vemos nem ouvimos, pois gosta de se velar, gosta da obediência da fé e do amor de dedicação.
A conclusão segue-se:
O melhor estado para glorificar a Deus é o meu estado presente.
A melhor Graça é a Graça do momento. A lei do dever é aquela que o amor inspira e que o amor cumpre.
Guardai bem esta definição - é de Nosso Senhor discursando depois da Ceia: "AQmo o meu Pai, cumpro a sua Vontade e permaneço em seu Amor".
Ah! Permanecei no Amor de Deus, ou antes permanecei em sua Bondade, pois querer permanecer no Amor, suscitaria inúmeras tentações. Amo-o eu?
Ama-me Ele?
Permanecei pois na casa da Bondade divina e paterna de Deus qual criança que nada sabe, nada faz, tudo estraga, mas vive nessa doce Bondade.
Dai a mão a Deus
Aplicai-vos a ver em vós, em torno de vós, dentro de vós, essa Vontade de Amor de Deus que se ocupa de vós como se mais ninguém houvesse neste mundo. Adorai as razões de sua Providência divina, sempre sábia e amável. Ide a Nosso Senhor sem corpo, sem alma - deixai tudo isso na entrada, como servos - e conservai-vos sempre unida pela vontade a seu Amor. Caminhai simplismente, passo a passo, vossa mão na mão de Deus, qual cega, comendo o pão que ele vos der, qual verdadeira mendiga, vivendo de sua Graça atual, e encontrareis sempre boa pousada, boa família, boa mesa preparada pela divina Providência.
Recebei sempre com alegria e amor os bens de Deus. Notai de preferência sua Bondade, e não vossa malícia, suas Graças, e não vossos pecados, seus Benefícios, e não vossos pesares, sua Força, e não vossa fraqueza, seu Amor, e não vossa tibieza. Então, apegar-vos-ei pelo coração e pela vida a essa Bondade amável e incessante.
Vivei de gratidão, como o pobre. Esquecei vossas misérias, vossos próprios pecados, para viver um pouco como no Céu, onde há louvor e agradecimentos; onde o amor pela Santíssima Trindade é sempre novo e mais perfeito; onde os pecados são vistos somente por meio da Misericórdia de Deus, as obras por meio da sua Graça, onde a felicidade é qual raio de Beatitude Divina.
Importa servir a Nosso Senhor com alegria. Haverá algo de comparável a servi-lo com amor? E o amor produz alegria, dedicação. E nada é mais justo. Considerai sempre, por conseguinte, as inefáveis Bondades de Deus para convosco, sua Mão tão paternal, tão previdente, tão amável, até nos menores sacrifícios que vos pede. Vede a todas as coisas através do prisma divino, e tudo lhe revestirá o belo colorido! Lembrai-vos de que a tristeza natural mata corpo e espírito, e a tristeza espirítual, coração e piedade. Bem sei que há uma boa tristeza, mas nem eu a esta desejo. Prefiro ver-vos descansando no Coração de Jesus com São João, do que aos seus pés com Madalena.
Paz na confiança em Deus
Conservai, por favor, o coração e o espírito sempre ao alto, junto ao vosso bom Pai e Salvador. Quem voa não olha para os pés.
Nem sempre podemos ser felizes pelo sentimento; podemos, todavia, sê-lo pela vontade unida á de Deus.
Não descanseis, quanto ao estado da alma, nos frutos dos serviços prestados a Deus, menos ainda no sentimento do bem, porque tudo isso varia muito, e não contitui a verdade. Deveis estabelecer a vossa paz - atenção - na confiança em Deus, porque Deus é Bom e vos quer bem como a um filho.
Firmai, pois, a confiança de vida na sua Providência que vela a todo instante sobre vós. Tudo visa, em nome de Deus, cumprir uma missão de salvação junto a vós. Recebei, por conseguinte, todas as coisas como enviadas celestiais.
Firmai a confiança de vida na santa e amável Vontade de Deus, porque aquilo que Deus quer é sempre o mais conveniente para vós e o mais glorioso para ele.
Servi, pois, a Deus, em todos os estados de alma, e de corpo, em todos os deveres, com fidelidade sempre igual. Trabalhi no dia, e só par Deus. Cantai sem cessar o cântico de amor, já que Deus vos ama tanto, e vós não aspirais senão a amá-lo cada vez mais.
Firmai sobretudo a confiança no amor que Deus vos tem, Amor tão grande, tão constante, tão. paternal.
Entregai-vos a Deus de momento em momento
O santo abandono ao Amor de Deus produz na alma efeito igual ao amor do filho pela mãe, que o carrega e dele cuida. A criança dorme em paz no meio dos maiores perigos, porque nada tem a recear. Procedei da mesma forma. Tende sempre essa confiança infantil em nosso bom Pai que está no Céu; entregai-vos a ele de monmento em momento e dependei dele em todas as coisas. Deus não tem nem passado nem futuro, ele é sempre. Pois bem! Permanecei em seu Ser de Amor, em sua divina Providência atual, e confiai-lhe o futuro e o passado. Deixai-vos levar pela Bondade Divina, qual criança de um ano.
Sede indiferente a todas as coisas, amai só aquelas que Deus ama, e procurai só aquelas que são do seu bel-prazer. Quem dorme no regaço da divina Providência, dorme um sono tranqüilo, e quem é levado nas asas dessa amável Providência faz feliz viagem.
Confiai-vos a Nosso Senhor e à sua Providência toda paternal. Nada á de faltar, mormente na vida espiritual, a quem estiver bem unido ao nosso divino Esposo. Ao esposo cabe sustentar, defender e aperfeiçoar a esposa e cuidar dela.
Sob os raios do Amor Divino
Não vos afastei nunca de Jesus, o bom jesus de vosso coração. Seja qual for o tempo, sede sempre dele, pois o tempo é sempre belo para alma que vive sob os raios do Amor Divino.
E, afinal, que importa se agradamos a Nosso Senhor na doença ou na saúde, num estado de sensibilidade ou de fervor, de submissão ou de práticas piedosas, conquanto lhe agrade o que fazemos. O essencial é firmarmos na confiança em Deus, nutrir-nos de sua Verdade, dedicar-nos à sua Glória pelo nosso amor soberano, amando-o por toda parte e acima de tudo.
Observai bem esta lei do Amor Divino, de não querer senão o que Deus quer, como o quer e quando o quer. O santo abandono é o mais puro, é o maior amor.
Seja o amor a alma e o fundo de tudo, e quando dominar esse sentimento, deixai a tudo mais. Os meios são inúteis a quem já alcançou o fim.
Mas não deveis ignorar que o Amor Divino é insaciável como o fogo, e está sempre a pedir, fazendo sofrer enquanto consome tudo o quanto lhe é estranho.
Deixai-vos levar pelo bom Mestre
Guardai em paz a alma, a fim de atender aos impulsos interiores do Espírito Santo e lhe ser-lhes fiel.
E conservareis a alma em paz, colocando-a incessantemente em um estado generoso de tudo sofrer, de tudo deixar para cuidar de outra coisa, numa palavra, de contrariar a própria vontade, quando a Vontade de Deus vo-lo pedir.
É a nossa miserável vontade que nos irrita e nos contraria quando quer com demasiada energia, ou então é um sentimento de independência que teme demais o jugo santo da Cruz. Deixai-vos levar pelo Sopro da Graça do momento; a vela obediente só a essa brisa pode receber, pois todas as outras, se não vierem do alto, agitam-na.
A graça diz sempre paz e sacrifício, amor e zelo, dom e felicidade. Deixai-vos levar pelo bom Mestre, que vos leva aonde quer e pelo caminho que lhe agrada. É, aliás, sempre o melhor, embora o resultado não seja sempre patente.
Guardai sempre o coração unido ao Coração divino de Nosso Senhor, a fim de que o seu Amor se vos torne a vida, o princípio das ações, o centro do repouso.
Ide com alegria por toda partequando Deus o quiser, pois em toda parte está o Tabernáculo, o Céu, Deus, nosso Amor.
Sempre atenta à Vontade Divina
Nosso Senhor saudava os Apóstolos com as seguintes palavras; "A Paz esteja esteja convosco". Desejo-vos sinceramente essa paz, paz de confiança que se abandona filialmente a Deus e se confia tanto à sua Bondade como à sua Misericórdia.
Essa paz de consciência repousa primeiro na humildade, para suportar a própria miséria, e depois na simplicidade da obedi~encia, para obrar no espírito de Fé.
Não alcançareis essa paz de coração nem pela perturbação, nem pela inquietação, mas pelo abandono à sua divina Bondade e Misericórdia.
Ide ao encontro do bom Mestre, como a criança despida de mérito e de força, vai ao coração da mãe. Um ato de submissão e de abandono é superior a tudo quanto vos fosse possível fazer e vosso lugar querido deve ser junto ao divino Mestre, para vê-lo, ouvi-lo e sentir-vos perto dele.
Vivei de um Deus, de Nosso Senhor Eucarístico. De outro modo não podereis tornar-vos uma vítima de amor habitual. Observai com diligência a marcha da divina Providência em relação a vós. Deus faz tudo, organiza tudo, prevê tudo para vos levar a si. Não cuideis, pois, nem do passado, nem do futuro, mas do presente, atenta à Vontade de Divina do vosso bom Mestre, e ele vos levará pela mão através de todas as dificuldades, até a graça e à perfeição do seu Amor.
Lembrai-vos de que a água do riacho, do rio, aproxima-se do mar da eternidade. Nossa barquinha segue-lhe o curso, arvorando a bandeira celeste.
Renúncia a si mesmo
Todo o segredo da vida religiosa, e até da vida cristã, está neste pensamento: mortificação soberana pelo dever em primeiro lugar. É tudo. É a raiz da árvore, a seiva das virtudes e do verdadeiro amor a Deus.
Sem mortificação não há virtude
É princípio básico que sem mortificação não há virtude; sem espírito de mortificação não há progresso possível. Só chegamos à vida espiritual pela morte. A lenha que se torna carvão ardente deve sofrer, despojar-se de todo elemento estranho.
De fato, sem mortificação não haverá homens religiosos em verdade. Essas piedades de água de rosas, que descansam em sentimentos de alegria e de felicidade, assemelham-se a viagens em carros de luxo.
Não lhes tenho a menor fé nem confiança. É mister, pois, formar primeiro homens de virtude, isto é, de sacrifício. Afinal, Nosso Senhor estabeleceu as bases da perfeição evangélica: "Abneget semetipsum". Quem ama a liberdade, os confortos, a saudezinha, os pequenos privilégios, não pratica o abneget, e sim o amor de si mesmo.
Como chegar ao amor divino
Se não virtude sem mortificação, ainda menos haverá amor de Deus. A renúncia a si mesmo é a condição essencial, fundamental para amar a Deus. Vamos ao Amor Divino pela pureza do sacrifício do coração e da vontade, progredimos nesse santo Amor pela suave abnegação da vida e pela dependência contínua à sua Vontade sempre amável.
Nosso Senhor quer reinar em vós, por esse jugo contínuo da renúncia e quer que a piedade, as virtudes, o amor revistam em vós esse caráter universal. Bendizei-lhe por esse caminho, caminho rico que abrevia a marcha do deserto e oferece menos perigos. Deus é e deve ser para vós o sol de cada dia. Todos os dias levanta-se para vós, embora nem sempre do mesmo modo. Deveis amar sempre esse sol divino de justiça e de amor, quer surja radiante, quer surja velado por entre os ardores do verão, ou sujeito às influências dos gelos invernais. É sempre o mesmo Sol.
Tratai, por conseguinte, de não viver de esmolas de pessoas, de diretores, de livros, de imagens, nem mesmo de belos cânticos. Tudo isso é tão pobre em si, e se esgota rapidamente; Mas vivei de Nosso Senhor, em Nosso Senhor e por Nosso Senhor. " Quem permanece em mim e eu nele, fará grandes coisas", disse ele.
Permanecei, pois, em Nosso Senhor. Mas como? - Perguntais. Deixando-vos a vós mesmo.
Amai ternamente o divino Mestre e sofrei por amor a ele. Labutai nessa abnegação heróica da vontade, crente de que tudo quanto é feito com suave abnegação é infinitamente mais agradável a Deus do que qualquer outra ação, aparentemente mais perfeita. Lembrai-vos sempre de que as maiores Graças de Nosso Senhor, para a santificação da alma, encerram-se nas ocasiões de abnegação da própria vontade à Vontade de Deus, ou de outrém; e quando puderdes dizer: eu renunciei a mim mesmo, Nosso Senhor vos responderá: Fiseste, meu filho, um ato de perfeito amor.
Total esquecimento de si mesmo
Deixar-se, esquecer-se, renunciar-se, perder-se a si mesmo, é, ai de nós! Muito difícil. Nossa mísera natureza, caindo nas mãos de Jesus, está sempre a recear, e quer se agarrar aos abrolhos que se lhe deparam no caminho ou caem sob suas mãos.
Mas Nosso Senhor não se contenta com um dom pela metade. Ele quer o esquecimento total, o abandono absoluto de vós mesmo. Ele vos quer numa vida de abnegação e de pobreza espiritual, mas também em pleno abandono nas Mãos divinas, qual criança pequena. Todas as provações que vos tocam diariamente são as asas que vos envia para ajudar-vos a despojar o velho homem e vos entregar, em todo o vosso nada, a Jesus. Deijai-vos despojar, tudo arrancar, para poder pertencer inteiramente a Deus.
Guardai esse grande segredo da vida espiritual que vos confio: cortai a febre interiorpelo esquecimento de vós mesmo e ainda mais dos outros; ocupai-vos de Nosso Senhor e procurai agradar-lhe ao Coração, por todos os atrativos de suas Graças, por todas as jóias de seus Méritos, bem como os da Santíssima Virgem e dos Santos.
OITAVA PARTE
A DIVINA EUCARISTIA - vol. 5 - pg. 217
Deus é bom jardineiro
Quanto à prática, esta renúncia encontra-se sobretudo na submissão à Vontade Divina pelo cumprimento exatos dos deveres de estado e pelo sacrifício dos gostos pessoais em favor do próximo.
É bom, naturalmente, e já é perfeito, não ofender mais a Deus. Mas deixar Deus operar em vós é melhor. Ele sabe isolar, podar, cortar, enxertar, cultivar e regar - é, portanto, ótimo jardineiro. Nosso Senhor, quando quer enriquecer a alma, estabelece em torno dela o vácuo. Quer reinar a sós, e, para esse fim, dirige todas as setas. Deixai-vos ferir por elas; à vida segue-se a morte; o amor penetra pelo sofrimento. Mas notai bem o que vos digo: deixai-vos ferir, isto é, deixai-vos Deus fazer o que entender, volver-vos e revolver-vos, falar ou calar-se, visitar-vos ou esconder-se, provar-vos pelas criaturas ou por Ele mesmo. Que importa, conquanto possais amar e ser amada pelo doce Salvador?
Habituai-vos a ver passar passar o mundo como as gotas de um riacho deixai-as correr murmurando, agitando-se, enterchocando-se. Quandto a vós, descansai aos pés de Nosso Senhor, e se as criaturas vierem a faltar-vos ou a provar-vos, ouvi a Deus que vos diz: "Eu te basto!" Não há estado mais feliz que o da pessoa que só almeja agradar a Deus, só ter a estima e a proteção de Deus, e a do próximo como e enquanto Deus o quiser. Então, nem ventos, nem tempesdades humanas a perturbarão, porque Deus é o seu tudo.
A lenha do fogo divino
Quando Deus está contente, estejamos nós também contentes! Quando Deus nos ama, que nos importa o resto! Quando Deus está por nós, porque nos inquietar, nos entristecer com o que está contra nós? Nesse centro divino do Coração de Jesus, porque temer os temporais de fora? Se Jesus parece dormir, nem assim devemos recear, mas fiquemos a velar aos seus pés e descansemos tranqüilos. A calma e a bonança só se encontram nessa morada divina, a verdadeira virtude é aquela que nos faz viver de Jesus, o piro amor é o da abnegação.
Aproximai-vos sempre de Nosso Senhor com inteira simplicidade de espírito e santo abandono, vendo só duas coisas: de um lado, vossa miséria, do outro sua Bondade, o amor que vos tem; mas trabalhai forte e constantemente no sacrifício da própria vontade por amor de Deus, pois é esta a lenha do fogo divino.
Mortificai esse amor-próprio, que está sempre a renascer.
Se o mundo vos ignorar, se vos esquecer, bendizei a Deus; haveis então de amá-lo com maior pureza - assim faziam e suspiravam os Santos.
Estrada real
Na meditação, tendei sempre ao amor de Nosso Senhor paela imolação própria: a Graça do amor vai sempre destruindo o amor-próprio imolando a própria vontade.
Que fazer senão deixa-lo operar conforme quer? Nosso divino Salvador gosta de tudo transtornar nesse templo de seu amor, que é o nosso coração, e tomar o chicote para afugentar tudo que não é ele.
Coragem! Sede de Deus pelo sacrifício; é o caminho mais curto, mais perfeito, é a estrada real.
Guardai bem o coração, é a cidadela, o centro de união divina.
Sede boa para com vosso próximo, não, porém, para ganhar-lhe a estima e a amizade - seria um adultério espiritual.
Dai a mão a Deus na estrada da vida e ide diretamente ao dever e à virtude.
Amor do próximo
Agrada-me ver que sabeis deixar a Deus pelo próximo, de bom grado e sem escrúpulos. Nisto consiste o verdadeiro amor de Deus, amor que só ama uma coisa, sua Santa Vontade, que só procura uma coisa, o bel-prazer divino. Continuai assim, e exercei-vos sempre na paciência, na doçura, na tolerância, na igualdade de ânimo, numa palavra, na caridade. Ser boa, amável e graciosa nos pequenos sacrifícios é a flor do Amor Divino.
Amareis sempre esse bom Mestre e o fareis amar no meio das dificuldades e misérias, e deixarei que vos roubem o tempo, as ocupações, os gostos, e tudo isso de bom grado, e por todos. O coração, porém, estará com Jesus, e com a abnegação do seu amor.
Coragem! Vivei de Nosso Senhor, em Nosso Senhor, por Nosso Senhor. Abandonai-vos cabalmente ao gládio de seu Amor: ninguém vive melhor e mais fortemente que na morte do amor.
A genuína felicidade consiste nisto. Dessa morte a si mesmo jorra a verdadeira vida, calma e serena já nesta terra, enquanto aguarda a Bem-aventurança eterna.
NONA PARTE
A DIVINA EUCARISTIA - vol. 5 - pg. 220
Tudo por Deus
Há um princípio, grande, universal e eterno, que é preciso ter sempre diante dos olhos e diante de Deus: é ser todo de Deus e todo a Deus; saber ser todo a Deus como fim, todo à Vontade atual de Deus como meio.
Deveis ser toda de Jesus, como a virgem de seu Coração, a serva de seu Sacramento, a apóstola de seu Amor.
Deveis pertencer a Jesus na liberdade dos meios, na unidade de fim.
Deveis ser de Jesus, como os anjos do Céu, no júbilo, na alegria do seu serviço, na simplicidade do dom irrevogável, que não se toma em consideração, ou raramente. A chama que sai do fogo a ele não torna, mas, impelida por outra, está sempre a subir; não lhe sobra nem tempo, nem movimento para voltar atrás.
Deus só basta à alma. Em possuí-lo estão todos os bens, em amá-lo todos os prazeres, em servi-lo toda a glória. Nada pode suprir a Deus, que tudo supre divinamente. Podemos privar-nos de tudo, exceto de Deus. A riquesa soberana está em visar, em tender a ter sempre menos, até chegar ao nada de Jesus Cristo. Só a ele devemos agradar, só a ele dar-nos; quanto aos homens não passam de espinhos.
Para ser todo de Deus
Guardai bem estas três regras de conduta que vos dito:
A primeira é fazer tudo para agradar a Deus. Seja essa a vossa intenção geral e particular nas ações. Esta regra vale antes como sentimento do que como pensamento atual, alia-se a tudo e deixai-vos na vossa simplicidade de ação. A intenção geral basta; quando, todavia, surgir algo mais penoso a cumprir, um sacrifício que custa, então a intenção particular faz muito bem à alma. Agradar a Deus é amar o que ele ama, querer o que ele quer, e também rejeitar todo mal.
A segunda regra é entregar-se a tudo com espírito de simplicidade, isto é, fazer todas as coisas com espírito de liberdade interior, preso a tal só à medida que Deus o quiser enquanto o quiser; com espírito de paz, fazendo todas as coisas com ordem, uma após outra, com moderação, com paciência; trabalhando para fazer tudo bem, e não para ver-se livre. Tomai por modelo a criancinha que faz tudo por obediência e não se apega a nada.
A terceira regra é viver um pouco mais em Deus, como centro, e então nada vos há de estorvar, nem dissipar. Acompanhar-vos-á o sentimento da Presença de Deus, que tudo vivifica e tudo vê, dirigindo a alma em suas veredas.
Que o coração seja sempre todo de Deus, pela pureza de intenção, pelo afeto ao seu Amor, pela confiança em sua Divina Misericórdia. Fazei amiúde aspirações de amor ao divino Mestre. Essas aspirações são para a alma o que a respiração é para o coração, são-lhe a vida. É preciso chegar ao ponto em que só Jesus vos baste, Ditosa direção a de Jesus! Mas é mister então encerrar-se em seu divino Coração, para aí ser moído, impregnado de seu espírito e cinzelado pelas suas Mãos divinas.
Sem reserva nem divisão
Ah! Sede toda de Nosso Senhor, como ele é todo vosso. Não haja reserva alguma no dom, divisão alguma no coração, centro algum, senão sua adorável e sempre amável Vontade.
Pode, quem conhece bem a Jesus, comparar-lhe algo? Pode, quem degustou as delícias de seu Amor, viver sem ele? Nunca! Seria demasiada desgraça. Que felicidade para vós poder ser toda desse bom Mestre e querer estar sempre com ele! Tal escolha é superior a todas as coroas e às mais belas posições no mundo. Rico é aquele de quem é todo o bem.
Sede como a criança que sente, ama e agradece. Deus pensa por vós.
Não vos mirei no espelho do amor-próprio, assustar-vos -íeis. Nem no das criaturas teríeis medo; nem na balança do mérito, pois a pobreza levaria vantagem; nem nas falsas luzes das palavras humanas; mas contemplai-vos no Coração tão terno de Jesus, através da sua Bondade: tão maternal, tão meiga, e não tereis medo algum.
Evitai tomar nota daquilo que dais ao divino Mestre, de medir aquilo que vos falta. Lançai-vos, qual palha, qual pedaço de ferro ferrugento, nesse foco incandescente. E tão rapidamente vos haveis de purificar, de refazer, de abrasar, de incendiar!
Coragem! O mais belo sacrifício oferecido a Jesus é o eu; a mais bela homenagem o coração; a mais bela coroa, a da for matutina que se abre ao sol nascente e se fecha ao pôr-do-sol.
A melhor parte com Maria
Sede sempre toda de Nosso Senhor, a exemplo da Santíssima Virgem, como sua virgem e serva real. Ah! Bem soubestes escolher a melhor parte! Quão belo em pureza, quão bom em Bondade, quão santo em amor é aquele que é o Esposo e o Rei de vosso coração e a lei única de vossa vida! Sede sempre toda dele!
Lembrai-vos de que a serva está toda a serviço do amo, servindo-o com alegria e dedicação.
Lembrai-vos de que a esposa está toda ao amor do divino Esposo, só procurando agradar-lhe e comprazer-se nele.
Vivei da divina Eucaristia, e para a divina Eucaristia. como os Anjos, que só vivem de Deus no Céu.
Amai-o bem, e servi regiamente a esse bom Rei, ao Esposo divino de vosso coração! Não é justo que ele tenha almas grandes aos olhos do mundo, almas a quem o século deseja seduzir?
Quisera ver-vos com a mais bela coroado mundo, a mais bela fortuna nupcial;quisera ver-vos, como sois, toda de Jesus, serva ditosa, a esposa eterna do Rei de Amor. Jesus, vosso bom Mestre, tem tão poucas almas de escol, tão poucas servas régias! Deveis valer por mil, e vosso serviço por dez mil, pela piedade eucarística, ardente e generosa.
Diretamente a Jesus
A Eucaristia! Eis o vosso centro, a vossa vida, a vossa morte.
É o Emanuel pessoal, cuja companheira fiel deveis ser. Amai a vida só por causa da divina Eucaristia, como amamos o Céu por causa de Deus, e não pela nossa.
Que o Amor Divino seja para vós o critério da lei, da virtude, da caridade e sobretudo a balança do santuário para poderdes julgar, estimar, desprezar, desejar, combater, segundo a sua Graça de amor.
Esse bom Mestre vos quer sozinha, para não mais vos pertencer a vós, mas só a ele. Ele quer ser o meio, o bem, a direção da vossa vida, rumo a ele, e eis porque tudo quanto apeteceis como meio de edificação, de intrução, de socorros, vos falta. É perda insignificante, já que vos dirigis diretamente a Jesus e que todos os cuidados se unem, pois se concentram todos em seu Serviço divino, em seu Amor, em sua Vontade Divina.
Ambiciono-vos uma coisa, persuadido de que tanto a Glória de Deus como a vossa virtude haviam de lucrar: é que vos esqueçais a vós mesma, no amor de Nosso Senhor, e considereis como pouca coisa tudo quanto sofreis,tudo quanto dais. Mas sobretudo não sejais tão suscetível quanto ao amor sensível, à paz e à doçura do amor.
Há pobres a quem Deus alimenta sem esforço algum de sua parte, a quem dá o Paraíso, para que lhe digam sempre um grande obrigado, que vão ao Céu revestindo as aparências dos gozos e que, todavia, sofrem de tudo e por todos; que parecem nada fazer de bom, nem de valor, mas cujo coração é todo de Deus, cuja vontade é submissa, que amam pela força do amor, e não pela sua doçura e seus impulsos - almas belas que fazem o seu próprio purgatório, que são agradáveis a Deus, que se chegam sempre a ele por todos os tempos e em todos os lugares. Sede vós também assim.
Acreditai-me e aproximai-vos de Nosso Senhor qual pobre, paupérrima até, mas pobre querida, , privilegiada, cuja única virtude é o reconhecimento, cujo único mérito é saber pedir e receber, querendo tudo dever, e sempre, ao seu benfeitor; aumentando a soma das dívidas, diária e alegremente, permanecendo insolvente, mas amorosa.
"Bem-aventurados os pobres! Deles é o Reino do Céu".
Garanto que o divino Mestre ama a semelhante estado.
Bela e divina sociedade de vida
Gozai de Deus, nunca, porém, das criaturas.Deus não o quer, nem vós tampouco. Gozai, pois, de Deus, das Graças recebidas, do Tabernáculo, de vosso boníssimo Mestre. Dele gozar e só a ele querer. Dele gozar é viver por ele e para ele aos seus Pés, junto ao seu Coração, em sua divina Pessoa.
Aos seus pés escutando-o qual Maria: é o Pão de Vida e de Inteligência, é a refeição da alma que reconforta o corpo; é a oração de silêncio, de simples olhar, de júbilo por estar sob a influência desse Sol divino.
Junto ao seu Coração, na Sagrada Comunhão, ou quando o coração sofre, ou a alma está triste. Embora Jesus pareça morto, o seu Coração não morre, e, até depois da morte, seu Sangue correu abundante.
Em sua divina Pessoa, Jesus disse: "Aquele que come a minha Carne permanece em mim e eu nele". Bela e divina sociedade de vida! Permanecer em Jesus, junto a Jesus, é ser-lhe a serva adoradora.
Ah! permanecei aos pés de Jesus, conforme vos quiser, vos colocar, vos formar; o estado de alma inspira´o pensamento, a oração, o amor natural; é preciso guardar a personalidade na presença de Deus. Ele muda o tempo para variar os trabalhos e os produtos da terra. Ora, a alma é a terra da Graça. Procurai estabilizar-vos no espírito do Amor Divino na variedade dos deveres, das ações e dos estados interiores.
Deus me ama - haverá algo de mais belo, de mais empolgante! Deus só deseja em tudo o meu bem, sou toda dele e não quero senão a ele: a minha miséria é o meu título; a minha pobreza a minha riqueza; minhas imperfeições, a necessidade que tenho da sua Graça.
Ponhamos isso em prática, e havemos de ver o Reino de Deus em nós.
O dom integral feito a Deus
Desejo-vos esse Reinado de Deus, o Reinado Eucarístico de Nosso Senhor. Notai bem que não digo a devoção, a virtude, o próprio amor, mas o Reinado, isto é, o dom integral feito a Deus, a esse bom Mestre, para ser-lhe objeto campo, coração, vida e até morte. Esse dom de si é a única prova do verdadeiro amor; é tudo quanto Deus pede. " Filho dá-me o teu coração", diz-nos ele. E ainda: "Amarás o Senhor teu Deus com todo teu espírito, com todo o teu coração, com toda a tua alma, com todas as tuas forças". Eis o primeiro e o maior dos mandamentos que nos é toda a vida e todo o fim neste mundo e no outro.
É imprescindível alcançar esse ponto, porquanto, de outro modo, não passaríeis da lenha encostada ao fogo para secar, que pode fumegar, gemer, chorar, aquecer-se, mas nunca queimar, pois não está no foco, absorvido pelo seu poder. Coragem, bem sabeis que para acender a vela é preciso ir diretamente à chama, e não ao ar que a envolve.
Renovai diariamente esse dom integral de vós mesmo ao Amor e à Glória de Jesus Eucarístico, e vereis sempre surgir algo a imolar e a dar.
Ai de nós! Quão poucas almas eucarísticas pertencem assim inteiramente a Jesus Cristo! Queremos sempre mais alguma coisa ao lado de Jesus Cristo, ou fora dele, e daí a febre, a incerteza. É que Jesus Cristo não reina como Senhor único.
A Esposa do Coração Eucarístico
Quanto a vós dai-vos toda ao divino Mestre sem reserva do interior; o exterior já lhe pertence há muito. Mas o dom interior de si mesmo é o dom genuíno, porque então Nosso Senhor é dono do campo a cultivar, da árvore a enxertar. É Salvador, porém na escolha das Graças de santificação pelo caminho do despojamento, primeiro, da renúncia, e, depois, da forma de vida segundo a sua Vontade.
Servi-vos de tudo como meio, não descanseis, porém, senão em Jesus. Cuidai de tudo qual serva, mas pertencei somente ao vosso único Mestre e Senhor, Jesus. Não vos esqueçais de que sois a esposa do Coração Eucarístico: e quevosso dote, bem como vosso ornato, é a pureza de coração. Sede, por conseguinte, bela de pureza, límpida de intenções, desinteressada nas ações, desapegada nos afetos. Sede livre na vida de amor, como o amor é livre e feliz em seu centro de ação. Não haja teias de aranha, nem febres de amor-próprio, nem mendicidades estéreis junto à aqueles que nada vos podem dar. Tendes o Coração de Jesus, baste-vos isto; deixai passar as tempestades que nada produzem.
O sol não muda de natureza, embora nuvens passageiras possam velá-lo. Ah! Nunca guardeis nuvens negras. Tais nuvens só podem ser prejudiciais, e, por serem negras, são más e provêm do demônio.
Sede de fogo
Bem sei que não podemos estar sempre na alegria do Céu, mas podemos estar sempre na obediência a Nosso Senhor e na paciência que aguarda a volta do sol, que não tardará.
O essencial é confirmar-vos bem na confiança em Deus, alimentar-vos de sua Verdade, dedicar-vos à sua Glória pelo amor soberano, amando-o em tudo, por toda parte, acima de tudo!
Sede de fogo, primeiro sob as cinzas, todo concentrado em si mesmo, para acumular força de explosão. Sede depois qual chama que ilumina, que aquece e consome tudo em redor. Amamos muito pouco ao divino Mestre, e nosso amor é tão finito! É mister indenizá-lo, tornando-o conhecido, amado e servido. Se a Fé nos faz discípulos de Jesus, o Amor nos faz apóstolos.
ÚLTIMA PARTE
A DIVINA EUCARISTIA - vol. 5 - pg. 229
O sofrimento
O caminho do justo é marginado por duas cercas: uma é a Graça, espargida cá e lá pela estrada, para servir de riacho, de pão e de força ao peregrino; a outra, é a Cruz de Nosso Senhor, que reveste todas as formas, mas é sempre cruz, e, a medida que progredimos, as cruzes tornam-se mais numerosas e freqüentemente mais cruciantes para a natureza; são, todavia, encimadas por um belo diadema, e nos anunciam a vizinhança do Paraíso.
Não, jamais houve felicidade na terra depois que Deus disse a Adão pecador: "Comerás o teu pão com o suor do rosto". jamais a haverá para os discípulos de Jesus Cristo, e sim perseguições, cruzes a carregar, sacrifícios contínuos a fazer. Eis o que Jesus nos reserva neste mundo, eis com que já vos alimenta a muito tempo.
É preciso, pois, sofrer, e de todo lado, e em todo lugar. É a semente do Calvário espalhada sobre a terra; é o bastão de viagem do cristão, é-lhe a espada de combate, o cetro e a coroa. O Amor Divino parece penetrar sempre no coração e transpassá-lo pela chama celeste. Pois bem! Viva a Cruz de Deus! E viva as criaturas que no-la dão ou que nos crucificam!
A Cruz vem de Deus
Viva a Cruz neste mundo! Mas a Cruz de Deus, aquela que nos vem de seu Coração de Pai.
O divino Mestre visita-nos algumas vezes com a graça do Calvário, mas também com a força do Amor. É bom ver esse Amor de Deus, adoçando-lhe a Cruz. Essa filha dileta do Céu, que é o sofrimento, tem de vir, senão havíamos de permanecer em nosso Tabor. Mas tudo passa célere. O sol é mais belo, uma vez passada a tempestade, ou dissipadas as nuvens que lhe tolhem o brilho.
Compenetrai-vos de que o estado de sofrimento vem sempre de Deus. É o estado que elege para o nosso maior bem, a fim de nos conceder alguma Graça de escol. Se, portanto, a mísera natureza sofre um instante, levantai-a, pelo santo abandono, mas não desanimeis. Deixai-vos crucificar sem dó na santa obediência e no amor de Nosso Senhor Jesus. Estimai-vos feliz de sofrer aquilo que o divino Mestre vos envia em seu santo Amor. Bedizei a Deus, já que, na sua Bondade, ele vos concede aquilo que há de mais precioso, de mais suave, a provar de seu Amor.
Uma parcela da Cruz de Nosso Senhor
Não alegueis que é um castigo. Não é castigo, é uma parcela da Cruz de Nosso Senhor. Se a Cruz nos toca, não devemos renegá-la em sua origem divina, mas recebê-la qual digna filha do Calvário, qual qual gota de Sangue do doce Salvador.
O divino Mestre estende-vos na Cruz, quer-vos, pois, crucificada com ele. Mas que diferença! A ele são inimigos que o cruciam, a vós, são suas mãos divinas, é seu Amor, a fim de poder dar-vos o preço de sua Morte e a glória de sua Cruz. Que felicidade sofrer por amor e para o Amor! Sabei sofrer por amor de Jesus. O amor que não sofre não merece o nome de amor.
Nosso Senhor só vos pedde um exercício, um pensamento: permanecer unida ao seu Amor pela Cruz, pelo total abandono, pela santa pobreza dos meios e socorros exteriores. União bela e ditosa, que se realiza no holocausto.
Aplicai-vos, pois, e sempre, ao Amor de Jesus Crucificado, e nele encontrareis tesouros e delícias desconhecidas das almas que não ousam subir o monte Calvário. Jó, no monturo, era grande, e tinha mais majestade que no seu trono cintilante de ouro. Jesus era maior no Calvário que no Tabor. Querendo engrandecer o cristão, atrai-o a Si: "Quando me elevar da terra, atrairei tudo a mim". Quando fores toda de Jesus, ele operará, se necessário for, milagres em vosso favor. Os anjos serviram-no quando, após quarenta dias de jejum e de lutas, ele teve fome.
Ai de nós! Não contempleis a cruz natural do sofrimento, mas contemplai essa cruz em Nosso Senhor, e mudará de aspecto. Lembrai-vos de que a Cruz é Jesus vindo descansar um pouco junto a vós, a caminho do Calvário, e daí ao Céu.
Passar, glorificar a Deus e morrer, é uma bela divisa. E sob que emblema apresentá-la? Não conheço outro senão a Jesus Crucificado, ou a alma na Cruz com Jesus.
Florescências de santidade
Um dos principais fins do sofrimento, na intenção do Senhor que o envia, é purificar a alma, a fim de que, desapegada dos bens e dos gozos terrestres, se toda e cabalmente ao Amor Divino.
O sofrimento é, pois, a florescência da Santidade, porquanto sabeis que a videira geme antes de florescer, bem como a linda amendoeira.
É por isso que nosso bom Mestre irá sempre purificando o coração, para apegá-lo mais intimamente a si. Deixai-o operar à vontade. Ele não fará mais do que arrancar as matérias estranhas misturadas ao ouro, purificando-o. Amai a Jesus, em todos os estados de seu amor; e quando estiverdes triste, com a alma desolada, amai com Jesus desolado, mas amando sempre cada vez mais.
Ah! Quem está crucificado com Jesus, chora e alegra-se.
Chora, porque a natureza repugna o sofrimento e ela teme o Reinado de Deus. Se vier a gemer, se tiver medo, não será de estranhar, nem convém castigá-la demais, mas dizer com o real profeta: "Por que estás triste, ó minha alma, e por que estás perturbada? Espera em teu Deus que é tão bom!"
Mas ao mesmo tempo alegra-se, pois a Graça sabe apreciar o sofrimento, e o amor fá-lo amar e desejar, porque a essência do amor nesta vida está na imolação e na dor.
Como, porém, dificultamos a Deus afastar aquilo que lhe tole a Graça, aquilo que impede o Reinado de seu Amor em nós! Deixai-o operar livremente! Embora a faca do sacrifício corte profundamente, é para aniquilarmos mais depressa a vil natureza.
A Graça dos sofrimentos
É pela Cruz que vamos a Jesus, que nos unimos a Jesus e que vivemos de seu Amor. Grande Graça é a Graça dos sofrimentos, e grande virtude é saber sofrer a sós em seu Amor.
No Calvário não é possível perder-nos. Há só uma vereda que leva diretamente a Jesus, e é preciso trilhá-la sempre, só parando depois de lhe atingirmos o Coração. Sabei encontrar a Jesus na Cruz,e, melhor ainda, permanecer aos seus pés. Muito bem estamos onde o Amor Divino nos coloca, mas é mister portar-nos conforme Deus o quer.
A Cruz de Jesus, eis o vosso quinhão; mas seu Amor,eis a vossa força. Sede grande no amor, para sobrepujar as cruzes, mais forte que a própria morte. Ide a Nosso Senhor pelo coração e pelo abandono; é a estreda real da Eucaristia, mais curta, mais doce, mais nobre que qualquer outra.
Ah! Não é quando Deus nos carrega, quando nos nutre de doçuras, quando nos faz partilhar os seus favores, que o nosso amor tem mérito, mas quando, como Jó, nossa alma o louva na adversidade; quando, como o Salvador, no Horto das Oliveiras, bebe o cálice oferecido e sofre com maior amor ainda todos os abandonos do Pai celeste. Então o amor é dadivoso e triunfante.
Sede muito fiel a essa Graça de imolação que Nosso Senhor vos renova cada dia; tornai-vos cordeiro com o Cordeiro de Deus; deixai-vos imolar como o Esposo divino de vosso coração: o Cordeiro divino é manso e humilde.
Sofrer e morrer por Deus
Quem deseja talhar uma pedra a fim de ornar um palácio não procura uma pedra defeituosa, calcinada, que se quebraria, inútil, aos primeiros golpes do canteiro. Quem procura um amigo, prova-o antes de abrir-lhe o coração. Não vos deveis admirar se Deus assim proceder convosco. Que fazer? Julgar-se feliz por ter algo que ofercer a Deus, pois não é dado a todos seguir assim tão de perto a Nosso Senhor.
Lembrai-vos sempre da bela resposta de São João da Cruz quando Nosso Senhor, a fim de recompensá-lo pelo seu grande amor, lhe perguntou: "Que Graças quer que te dê?" "Senhor, a Graça de sofrer e de ser desprezado por amor a vós", respondeu essa grande alma. Ah! Amar a Deus é por ele sofrer; amá-lo muito, é querer sofrer muito; amá-lo perfeitamente é morrer por ele.
Morte ditosa que nos abre as portas da Bem-aventurança Eterna. Sabeis que São Paulo disse: "Quoniam per multas tribulationes oportet nos intrare in regnum Dei". É por muitas tribulações que havemos de entrar no Reino de Deus" (At 14,21) - Vulg.).
Tal a estrada do Céu, para quem sabe segui-la carregado da Cruz de Jesus. Levai cuidadosamente a vossa. O caminho não é longo, e o repouso é eterno; a crucifixão dura pocas horas, a glória que se lhe segue é eterna! E Deus o quer. Que estas palavras divinas vos sustentem, vos fortifiquem, vos consolem.
A semente da Glória
Examinai tudo, consultai a vontade, e sempre a resposta derradeira será que, para entrar no Céu, é mister sofrer na terra.
Fomos talhados para sofrer, porque fomos criados para o Céu de Jesus Crucificado. A semente da Glória é o sofrimento. Ora, como Nosso Senhor nos quer Glorifificar divina e eternamente, coloca-nos na necessidade de sofrer. Mas saibamos sofrer com amor, sofrer só com Deus só.
Quando o coração está inteiramente crucificado e a alma desolada, os outros nos devem julgar felizes e contentes. Oh! Como Deus se alegra quando a alma lhe diz então com tanto heroísmo: "Meu Deus, amo-vos acima de tudo!"
Que posso eu desejar-vos? O Céu mais tarde, e já neste mundo, um maior amor a Deus: no sofrimento. É o caminho seguro, a via curta e perfeita, pela qual passaram todos os Santos, todas as almas favorecidas de Deus; é o martírio de cada dia a preparar-nos para o Céu.
A cruz é sempre panosa, sempre pesada à natureza, e não nos acostumamos ao sofrimento. Deus, no entanto, permite-o para tornar nossos méritos sempre maiores, renovando sempre os sacrifícios. Coragem! Em breve chegaremos à mansão de paz e de felicidade celestes. Deixemos os homens crucificarem-nos, mas fitemos os olhos no Céu, que é o nosso fim. Conquanto aí chegemos sem demora, que importa tudo o mais e o alinhamento da estrada? ... Digo mais, tanto mais preciosa será esta, quanto mais curta e segura for para nós levar ao termo. No Céu, a Cruz de Jesus é para ele cetro e trono de glória.
Não conteis os espinhos
Não vos deixeis abater, nem sequer perturbar pelas múltiplas tribulações que atravessais. São simples Graças e meios para unir-vos cada vez mais ao sumo Bem. Não vos demoreis a comtemplar as flores do caminho, não conteis os espinhos, nem as pedrinhas da estrada; calçai-as rapidamente e vinde a Nosso Senhor, os pés ensangüentados, mas sem os mirar, sem vos queixar. Fortificai-vos bem no Amor a Jesus Cristo, e nas verdadeiras provas de seu Amor, que são a cruz, o desapego das criaturas, a imolação de si mesmo à sua maior Glória, e sentireis em vós, nova vida, oceano de paz e necessidade de sofrer para dar algo ao Amor Divino, para lançar um pouco de lenha no fogo. Não com=ntempleis o tempo, nem as nuvens, pois nada fareis de estável; mas ide além , ao sol que não muda de lugar, que dá simplesmente luz e calor a tudo o que gravita em torno dele. Recebei as cruzes como mudanças de tempo, e conservai-vos em paz com a Graça de Deus. Quão forte e feliz é a alma que se fixa assim em Deus
Beijar a Cruz
O sofrimento, que na intenção de Deus se destinava-se a purificar-nos, a santificar-nos, a aproximar-nos dele, a levar-nos ao Céu, pruduz infelizmente, muitas vezes, produz efeito contrário. É que não sabemos sofrer.
Quando a cruz vier abater-se sobre nós, quando os espinhos nos ferirem a testa, não devemos morder nem a cruz, nem os espinhos, mas beijá-los, pois trazem a Jesus Cristo, nosso divino Mestre. É preciso saber elevar-se acima das tempestades e da tormenta, submeter-se a Deus humildemente, confiar-se a ele; é preciso ter paciência e esperar o sol da justiça, porquanto a vida do homem é uma vida passageira, cheia de provações e de mudanças; feliz de quem coloca a virtude acima das tempestades e das tormentas que lhe inronpem aos pés.
É preciso sobretudo descansar à sombra da árvore da vida do Calvário, sobre o peito ardente do Salvador, e procurar viver mais dele, para ele e só nele. É preciso conservar-se ainda mais unido a Deus, à sua Santa Cruz, e aguardar amorosamente a hora divina. Bem sei que, enquanto estamos sobre a cruz, no meio das dores da crucifixão, fica-nos apenas um pensamento, um sentimento do sacrifício; tudo sofre então, tudo se torna em sofrimento, tudo aumenta as provações. Coragem! É mister amar a Jesus na Cruz até a morte, até a sepultura, até a ressureição, até a ascensão triunfante.
Na tormenta
Quando queremos nadar na tormenta, procuramos conservar a cabeça fora d'água e fechar os olhos ao defrontar a onda. Guardai sempre o coração na submissão divina; fechai os olhos para não ver os horrores do mar e clamai a Deus, que seguramente virá em socorro. Depois, quando tudo está sofrendo, quando tudo faz sofrer, agradecei a deus que vos purifica e santifica por meio das criaturas, e vos faz reparar por vós e pelos outros.
Mas o essencial, que nada deve arrefecer, é obrar na Fé pura em relação à Misericórdia, à Bondade e ao Poder de Deus; é servi-lo nobremente por ele mesmo, pela sua Vontade e sua Glória, pela abnegação do bem-estar e do contentamento próprio, da doçura de seu serviço, de suas doces consolações, dessa confiança tão suave de que ele nos ama com amor de satisfação.
O bom sofrimento
Alegais não amar o sofrimento. Tampouco o amaram os Santos de modo natural. Mas tende confiança, o sofrimento que geme, que luta no velho homem, é muitas vezes o mais perfeito. Depois façamos como os pobres doentes, recolhamos as lágrimas, os gemidos, os suspiros, e lancemo-los aos pés de Nosso Senhor, a fim de oferecê-los ainda como homenagem e reparação de amor; é o amor do pobre, quem sofre não tem coragem de raciocinar, mas pode bendizer a Deus e honrá-lo de modo mais perfeito pela submissão à sua santa e sempre amável Vontade. Vamos! Fitemos os olhos no Céu eterno e tão divino que Jesus nos dá. Tenhamos coragem e confiança, pois no Céu muito regozijaremos de ter sofrido algo por amor do Senhor Jesus.
Ó Céu radiante, já começo a desejar-te, não para deixar de sofrer, mas a fim de amar perfeitamente a Deus. Meu Deus! Não: o sofrimento é coisa bela! Sobretudo quando é misterioso, oculto, e se vela sobre as aparências do contentamento. Bom sofrimento, que nos desapega de nós mesmos e nos imola ao puro Amor de Jesus.
Coragem, o tempo está passando, o Céu se aproximando e também Deus em seu eterno Amor.
Nas provações espirituais
Entre os sofrimentos que enchem a vida, e que concorrem para que não nos apeguemos a ela, senão como meio de nos levar ao Céu, há alguns que são especialmente penosos: são as provações espirituais. Tristeza de coração, de consciência e de devoção, eis o pão cotidiano das almas: que querem ficar a sós com Cristo em Deus.
Ora, quem quiser seguir uma vereda mais interior, por meio da oração e de uma vida mais escondida com Deus, deve contar com epetidos sofrimentos interiores. A alma, tornando-se mais delicada, sente vivamente a ausência sensível de Deus, e Deus, tornando-se mais íntimo e mais amigo da alma, faz-lhe logo perceber as infidelidades, a fim de chamá-la novamente ao dever.
Delicadezas da amizade
E Deus também, muitas vezes, reserva-se esse segredo para conservar a alma no mistério da obediência e na imolação plena da razão. A alma purifica-se nesse estado cruciante de tudo quanto nela é demasiado natural. Então a paz interior da consciência já não repousa em atos, ou no testemunho interior da consciência, mas no ato de fé à obediiência cega.
Nem comvém, tampouco, que o caminho da terra da promissão seja demasiadamente belo e agradável para que não nos apeguemos ao deserto e ao caminho.
Nosso Senhor ama-nos demais para deixar-nos encontrar felicidade fora dele e sem ele. A existência seria natural demais, se nos fosse dado a simpatia da vida.
Deixai, pois, Nosso Senhor operar, e segui-o com reconhecimento.
O soldado revela-se no campo de batalha, o gênio na obra, a verdadeira piedade na provação.
Quisesse eu a vossa alma de modo natural, e pediria ardentemente a Deus que vos afastasse todas as cruzes e tristezas, e que vos fizesse sair sair de vós mesmo; não posso, porém, maldizer o vento propício que dirige a vela ao porto abençoado de Deus; o navio, embora mais agitado, vai mais célere.
Calma e paciência
Em nomentos de provações, de sofrimentos, de tentações, de revolta, de irratação, entregai cuidadosamente a alma à Virgem Santíssima, vossa Mãe. a Jesus vosso doce salvador. Basta isso, repetindo com o profeta: " Senhor, sofro violência, respondei por mim". Aplicai-vos como única consolação humana, ao silêncio que vos diz respeito, à doçura exterior, a fim de prender os inimigos, e ide sempre para frente, pois nguém examina o fogo, foge dele.
Tomai cuidadosamente o coração nas duas mãos, a fim de guardá-lo na paz do Senhor, mas pode a paz na guerra, na pobresa, na paciência em suportar a pobreza espiritual.
Fazei ,ais ainda, e agradecei a Deus com amor, porque ele quer provar-vos a Fé, purificai-vos a caridade, aperfeiçoar-vos a confiança, forçar-vos a permanecer nele, e não nos meios. Amai o sofrimento que Deus vos envia, mas nele não demoreis, e sim na paciência, na submissão, na oferta, no abandono que são as virtudes do estado padecente.
Sem interesse próprio
Se Nosso senhor vos deixa fria, seca, estéril, sem consolações, deveis confessar que não as mereceis; tais consolações, em verdade, não vos fariam bem, pois havíeis que julgar-vos mais interior, mais virtuosa do que na verdade sois. Convém lembrar-vos disto.
O bom Mestre quer provar-vos a fé e a generosidade, e saber se o amareis e trabalhareis por puro amor, sem interesse próprio. Então, se o amardes fielmente, o seu divino Coração se alegrará, contente de encontrar uma alma a velar com ele no Horto das Oliveiras, no Jardim do puro amor!
O que vos causa, porém, maior pesar são as meditações, acompanhadas de aridez e de sonolência; é as friezas das Comunhões.
Continuai-, no entanto, sempre, e, um belo dia, Nosso Senhor satisfeito com vossa paciência em aguardá-lo, tranformará essas nuvens em chuva benfazeja.
Quando estiverdes nesse estado de impotência, em vez de querer refletir e considerar as verdades, produzi antes atos das virtudes de fé, de confiança, de humildade, de amor, como se fossêis muito feliz.
Quanto mais frios forem os atos, quanto mais secos, tanto mais perfeitos serão, porque estarão livres pelo menos de todo vestígio de amor-próprio.
conviria talvez escolher, nesses estados de esterilidade, um capítulo da imitação de acordo com as disposições atuais e lê-lo, pausadamente para que vos penetrem docemente na alma. Experimentai-o na meditação.
Quanto à Sagrada Comunhão, recitai os atos, quando não puderdes fazer de melhor; não haja, porém, esforço mental, violência de coração; isso só serviria para agitar, para cansar a alma e tirá-la desse estado de paz, de recolhimento que é preferível a tudo.
Servir a Deus por Deus só
Continuai a servir a Deus só por ele, pela fidelidade da dedicação amorosa. Se não vos forem dadas consolações, tendes, no entanto, aquilo que vale mais, a foça e a paz da confiança em Deus. Guardai a todo preço estes dois bens, pois pairam acima das ondas do mar e das nuvens da terra. Que o serviço de deus tenha preferência sobre os gostos pessoais. Que a fidelidade em cumprir sua Saqnta vontade vos seja a primeira de todas as virtudes, o ato primeiro da Caridade divina. Não vos esqueçais de que o amor do Horto das Oliveiras e do Calvário, supera a glória do Tabor; que permanecer fiel a Jesus triste, solitário, abandonado, é próprio das almas perfeitas, da Santíssima virgem, de São João, de Santa Maria Madalena.
Não vos supreendam a secura e a aridez espirituais; é o deserto da terra d promissão, a fornalha de purificação, o caminho da libertação do mundo, o combate e o grito da alma exclamando: "Ó meu Jesus, só vós sois Bom, e o Bem da minha alma, e a Vida da minha vida".
Apraz a Deus lançar a alma em um abismo misterioso, a fim de desapegá-la de tudo e apegá-la mais puramente a si. Nessa prensa a alma agoniza, é verdade, mas para revestir-se de uma vida nova. Deus fá-la desgostar-se de tudo, para que se apegue a ele mais fortemente. Mostra-lhe o vazio de tudo o que não é ele.
À natureza, diziam os antigos, repugna o vácuo. Deus, todavia, ama o vácuo de coração, e suscita-o quando não existe. Imenso em seu amor, quer sê-lo igualmente em seu reinado em nossa alma, envolvendo-a no infinito divino, enchendo-a de Amor divino; eis porque cria este vácuo em vós. É, de uma vez, lição e Graça. Mas guardai-vos da tristeza e da irritação interiores que acompanham e se seguem, de ordinário, ao despojamento da alma; porque seria expor-vos às mais penosas, às mais perniciosas tentações. A operação divina recorre de leve a tais meios, mas não os deveis cultivar nemalimentar, a ponto de constituir um estado. Guardai-vos disso como da morte, ou antes, sofrei-o como sofreríeis uma dor operatória.
Não alimenteis a febre com o receio ou a tristeza, masdeixai-a cair na inanição, e tudo irá bem.
Meu Deus e meu tudo
Nos momentos de indizível dor, fazei a Nosso Senhor a oferta de vós mesmo e dizei-lhe: "Eu sofro, eu morro, mas que me importa isso, se meu coração e minha vida vos pertencem; amar-vos-ei mais que meu pesar e minha tristeza", e então vereis surgir em vossa frente, um novo horizonte de esperança e de amor. É mister que o Céu do espírito esteja sempre sereno para ver e contemplar a lei da vida, a Verdade e a Bondade de Deus.
Não é exato que quem possui a Deus possui tudo? Deus substitui a tudo de modo infinito. É pai, mãe, amigo, protetor, consolador. "Meu Deus e meu tudo!", gostava de repitir São Francisco de Assis.
Sim, agarrai-vos à confiança e ao santo abandono; é a cadeia que não se rompe, o sol que não se eclipsa, a verdadeira vida do coração.
Nas tentações
Quanto às tentações, ocultai-as sempre em uma das Chagas de Nosso Senhor e amável Salvador. E, em plena tempestade, ocultai-vos no buraco da pedra preciosa, isto é, em Nosso Senhor Crucificado. Não examineis os efeitos e as razões das tentações, mas ides sempre adiante, pois careceis de ficar sempre na miséria da humilhação e no declive rápido de vossa fraqueza. Deus está convosco, eis a vossa consolação, vossa força.
Fazei um ato de obediência, e não raciocineis com pesares, não examineis as perturbações, contentai-vos em dizer a Deus: "Ó meu Jesus, perdoai-me tudo que vos desagradou, pois antes quero a morte que o pecado." Depois descansai em paz no seio da Misericórdia Divina. Sereis mais agradável a Deus se não vos voltardes a contemplar Sodoma e Gomorra incendiadas, mas se contemplardes a Cruz e o Amor de Jesus, que vos precedem, e depois o Céu, termo da viagem.
Jesus, que não veio para romper o caniço vergado, sustenta-o, e, se permitir ao vento agitá-lo e dobrá-lo para terra, o deixará erguer a cabeça novamente ao céu. O demônio tentou também o divino Mestre; apareceu-lhe revestindo diversas formas, e fez mais ainda, teve a ousadia de levar a Jesus, que se sujeitou, para depois repeli-lo com poucas palavras, sem perder a calma e sem recorrer ao milagre.
Depois de ter acompanhado Jesus ao Tabor, ao Horto, ao Calvário, é preciso ainda participar de suas tentações. Tende confiança. Jesus enfrenta os demonios e modera-lhes o furor; está em vós para convosco combater. Na verdade o demônio não está só; a imaginação, o coração, o corpo, tudo se liga a ele contra a pobre alma. Não vos perturbeis. No auge do tumulto popular é inútil raciocinar, ou gritar para apaziguar o povo. O melhor é deix´-lo gritar, pois em breve se cansará, e depois se envergonhará. O demônio inpira menor medo quando tenta de maneira sensível. Coragem! Passado o primeiro susto, tranqüilizai-vos e conservai-vos bem pequenina junto ao Coração do divino Mestre, qual criancinha amedrontada no regaço materno.
Em paz no meio da guerra
Se vos fosse possível prestar menos atenção ao ruído interior, a tão variadas impressões, e viver em paz na guerra, seria deveras consolador. Lembrai-vos de que Nosso Senhor vos quer em tal estado e que nele lhe rendeis maior glória do que em qualquer outro, sendo que vossas mesmas misérias e infidelidades se podem tornar uma bela matéria de confiança em sua Bondade.
A tempestade purifica a atmosfera, mas é passageira, e o sol surge em seguida, mais belo e mais brilhante. Os suspiros, os gemidos, as lágrimas de um coração que só Jesus ama são muito doces na expansão da reciprocidade do Amor Divino; as humilhações e os sofrimentos aliviam a impotência do pobre coração, o martírio ser-lhe-ia felicidade. Mas acreditais que os gemidos e as lágrimas de Madalena, junto ao túmulo do Salvador, que a agonia de Maria aos pés de seu Jesus expirando na Cruz, não resultaram de um amor mais heróico?E o Amor de Jesus tão bom e tão terno, sofrendo sozinho e abandonado por seu Pai e pelos homens, não terá sido o derradeiro grau do amor que sofre e se imola todo inteiro? Ah! Viva Jesus, viva a sua Cruz!
é verdade que Jesus se queixou ao Pai: "Meu Pai, porque me abandonastes?" Pois bem! Podeis queixar-vos também, mas amorosamente, e depois do combate: é o grito do amor imolado. Quando o inimigo de Jesus e de nossa salvação vos atacar furiosamente, deveis humilhar-vos mais que o próprio demônio, dizendo a Nosso Senhor: "Ai de mim, vós não lhe concedestes as mesmas Graças que a mim; ele não tem Salvador, e eu tenho um que é também Pai; ele só vos ofendeu uma vez, eu fui ingrato, e infiel, milhares de vezes; é, pois, muito justo que ele seja o execultor de vossa Justiça. Ó meu Pai, eu me abismo no nada, mas vós sois Pai, não me abandoneis; dai-me a mão e conduzi-me; minha vontade e meu coração pertencem a vós, à vossa Justiça".
No Coração de Jesus
Que o Coração ardente de Amor de Jesus vos seja força, asilo, centro e calvário, que seja o túmulo do vosso ser, e depois a ressurreição, a vida, a glória.
Deus não vos há de abandonar, mas ele quer que o honreis no abandono e nos horrores das trevas, horrores esses que contituem o suplício do inferno; mas nesta vida é a Glória de Deus e sua Misericórdia que triunfam dos demônios. As desolações interiores agradam mais ao Coração de vosso Esposo divino que todos os gozos e todas as luzes do Tabor.
Se habitásseis além das nuvens e das tempestades, defrontando sempre um sol radiante, pouca atenção darieis aos ventos e às neblinas rasteiras! Deixai, pois, que Nosso Senhor faça o que bem quiser, e segui-o, cheio de amor e de gratidão por tudo.
Coragem! Tende o coração sempre ao alto, sempre contente; que o espírito seja leve para carregar as tristezas, catanando o amor do tempo e da Pátria eterna.
FONTE:DUC IN ALTUM