sábado, 27 de fevereiro de 2010

"SE AS MISSAS FOSSEM CELEBRADAS NO MODO TRADICIONAL, AS IGREJAS ESTARIAM CHEIAS" DIZ O PE. LAGUÉRIE,FUNDADOR DO INSTITUTO DO BOM PASTOR


Entrevista do Pe. Laguérie, superior geral do Instituto Bom Pastor


"Se as missas fossem feitas no modo tradicional, as igrejas estariam cheias. Toda vez que a liturgia é deteriorada, as igrejas se esvaziam", diz Laguérie, nomeado pelo Vaticano como fundador e superior geral do Instituto Bom Pastor.

O órgão foi criado pelo papa Bento XVI em setembro 2006, com sede na Arquidiocese de Bordeaux, na França.

O Vaticano divulgou um "Motu Proprio" -documento que o papa escreve por iniciativa própria, e não como resposta a uma solicitação- assinado por Bento 16 que facilita aos padres de todo o mundo celebrarem a missa tradicional, baseada na liturgia estabelecida pelo papa João 23, em 1962.

Essa missa tradicional (ou tridentina) era rezada antes das mudanças feitas pelo Concílio Vaticano II (1962-65), que introduziu a nova forma de celebrar a missa, com a possibilidade de uso do idioma local.
A missa tradicional em latim nunca foi oficialmente suspensa, mais caiu em desuso. Em 1982, João Paulo II decretou que, para rezá-la, seria necessário pedir permissão ao bispo da diocese.

Leia a seguir entrevista com o padre Philippe Laguérie.

FOLHA - A retomada da missa tradicional causou grande repercussão devido a um trecho em que cita os judeus. Como avalia a polémica?

PHILIPPE LAGUÉRIE - Na missa propriamente dita, essa que é celebrada todos os dias, não há nada, nenhuma referência aos judeus. Existia uma referência aos judeus na liturgia da Sexta-feira Santa, que não é uma missa. Reclamava-se de um texto que falava dos "pérfidos judeus", mas ele foi suprimido pelo papa João XXIII, justamente a missa que o papa acaba de ressuscitar. Então, essa é uma falsa questão.

FOLHA - Mas a liturgia da Sexta-feira Santa ainda mantém a afirmação de que os judeus necessitam ser esclarecidos sobre Jesus Cristo ["Oremos pelos judeus, para que Deus retire o véu que cobre seus corações e lhes faça conhecer nosso senhor Jesus Cristo"].

LAGUÉRIE - Certamente, eles têm de ser esclarecidos sobre a divindade de Jesus Cristo. Pede-se que os judeus, os muçulmanos, os infiéis de maneira geral sejam esclarecidos sobre Jesus Cristo.
Fala-se de 15 categorias de pessoas -os catecúmenos, os hereges, os cismáticos, os pagãos-, pede-se a todos que conheçam a luz de Cristo.
Pede-se até que sejam esclarecidos o papa, os bispos e todo o clero a respeito da divindade de Cristo, que conheçam a luz de Cristo. Então, não há nenhuma referência especial aos judeus.

FOLHA - O Vaticano publicou outro documento, que traz a ideia de superioridade da Igreja Católica sobre as demais igrejas cristãs, ao afirmar que a igreja de Cristo é a Igreja Católica. O sr. pode esclarecer esse ponto?

LAGUÉRIE - O que o papa diz no documento é que a afirmação do Concílio de que "a Igreja Católica subsiste na igreja de Cristo" significa "a Igreja Católica é a igreja de Cristo" ainda com mais força. Não só diz que a Igreja Católica é a igreja de Cristo actualmente mas que sempre o foi, desde o início. Além disso, o papa define quem a Igreja Católica reconhece como igreja.

Ele admite que se chamem de igrejas as ortodoxas, porque elas conservaram o sacerdócio, a sucessão apostólica e a missa católica.

Embora possam ser chamadas de igreja, não são igrejas de Cristo, porque não têm a comunhão com Roma, condição essencial para ser igreja de Cristo.
Porém o papa não reconhece o nome de igreja a todos os movimentos surgidos da Reforma protestante, porque eles não têm a doutrina católica.
Não é o objectivo do documento estabelecer um "hit parade" das igrejas, dizer qual é a melhor, mas definir quem é igreja ou não segundo o Vaticano.

FOLHA - Como será tomada a decisão de rezar a missa tradicional?

LAGUÉRIE - Existe a liberdade de qualquer padre decidir rezar a missa antiga. Ele pode receber fiéis para assistir à missa, mas continua sendo uma missa privada [missa que o padre reza por iniciativa própria e que não pertence à programação oficial da igreja, mesmo tendo público].
Para que haja uma missa na paróquia, uma missa pública, é preciso que um grupo de fiéis estável faça o pedido. Se o pároco não atender a esse pedido dos fiéis, eles devem procurar o bispo, que deve fazer todo o possível para atender aos fiéis.
Caso isso não ocorra, então se deve recorrer à Comissão Ecclesia Dei, em Roma.

FOLHA - Quais as principais diferenças entre a missa tradicional e a missa rezada hoje?

LAGUÉRIE - Há muita, muita, muita diferença. Em primeiro lugar, na missa antiga, todos rezam voltados para Deus e voltados para o Oriente, onde nasce o sol, que simboliza a luz de Cristo e o surgimento da verdade. Somente na explicação do Evangelho, nas leituras e no sermão, o padre se volta para o povo, pois está se dirigindo a ele. Na missa nova, o padre reza sempre voltado para o povo.

A segunda diferença é a língua sagrada, o latim. Nós não nos dirigimos a Deus na mesma língua que usamos nas compras, nos negócios, no dia-a-dia.
Sempre houve na igreja, mesmo no Oriente, uma língua sagrada para falar com Deus. Na Síria, rezava-se a missa em aramaico; na Judéia, rezava-se a missa em siríaco. Em terceiro lugar, os próprios textos da missa são diferentes: na missa nova não se fala mais do sacrifício nem do pecado nem da vida eterna nem da redenção.

FOLHA - Essa volta à missa antiga pode ser vista como exemplo de um retorno da Igreja Católica, sob Bento XVI, ao conservadorismo?

LAGUÉRIE - A nova missa corresponde à teologia dos anos 1960. A missa antiga, a uma teologia que foi eterna na Igreja Católica.

FOLHA - Existe alguma estimativa do número de católicos adeptos desse rito antigo?

LAGUÉRIE - Duas pesquisas feitas na França em maio, por institutos não-católicos, constataram que 68% dos franceses, mesmo não-católicos, se diziam adeptos da missa tradicional.

FOLHA - A idéia que se tem é justamente a inversa: que a missa rezada em latim pode afastar os fiéis. Como o sr. explica isso?

LAGUÉRIE - O papa disse que, de fato, recuou muito o conhecimento do latim e que isso pode diminuir a demanda pela missa tradicional. Mas não é preciso conhecer latim para apreciar a missa antiga.
Além disso, o papa nota que, quando se suprimiu a missa tradicional, acreditava-se que as pessoas que seguiam ligadas a ela eram velhos, nostálgicos. Mas o que se vê é justamente o contrário: há uma preponderância de jovens pedindo a volta da missa antiga.

FOLHA - Hoje, no Brasil, as missas tradicionais acontecem somente com autorização dos bispos?

LAGUÉRIE - Sim, existem algumas missas privadas. Sempre há missas em Campos (RJ), onde há um instituto de padres que rezam a missa antiga.
O Instituto Bom Pastor está justamente procurando igrejas para transformar em paróquias pessoais [paróquias que têm controle sobre um grupo de pessoas, e não sobre uma área geográfica, como ocorre com as paróquias convencionais].

FOLHA - Nesse contexto de mudanças na Igreja Católica, qual o papel do Instituto Bom Pastor, ao qual o sr. pertence?

LAGUÉRIE - O instituto é um balão de ensaio do "Motu Proprio" e também uma chamada para a reaproximação com a fraternidade de são Pio 10ø, dado que todos os membros iniciais do instituto vieram desse grupo.

Fonte: Folha Online