DOSSIÊ LITURGIA
UMA BABEL PROGRAMADA
UMA BABEL PROGRAMADA
Por Andrea Tornielli
A substituição do latim pelo vernáculo na liturgia da Igreja católica foi considerada por muitos uma medida infeliz e saudada por outros como um "aggiornamento" necessário para favorecer a participação do povo. Todavia, não foi uma decisão do Concílio Ecumênico Vaticano II. O latim ainda é a língua oficial da Igreja, ou pelo menos foi durante dezoito séculos. Cinco anos depois do Concílio, não havia mais sinal dele nos livros litúrgicos católicos. A eliminação total da língua dos antigos romanos aconteceu quase à surdina e em alguns casos contra a vontade do Papa Paulo VI, o qual estabeleceu que ela deveria permanecer ao lado do vernáculo no missal. Esta é a história da reforma e dos protagonistas de um período que marcou profundamente a vida da Igreja. A VONTADE DE JOÃO XXIII
"A língua latina, que podemos considerar verdadeiramente católica (...) é o vínculo adequado através do qual a época atual da Igreja está admiravelmente unida ao passado e ao futuro." O Papa João XXIII quis revestir a assinatura da Constituição Apostólica Veterum sapientiae com a maior solenidade. No dia 22 de fevereiro de 1962, colocou o selo no documento que deveria salvaguardar o latim como língua "imutável" e "universal" da Igreja e da liturgia católica no altar da Confissão, sobre o túmulo de São Pedro, na presença de quarenta cardeais. O documento, promulgado sete meses antes da abertura do Concílio, foi rapidamente esquecido, mas os bispos reunidos em Roma decidiram levá-lo em consideração. A Constituição Sacrosanctum concilium , sobre a liturgia, diz: "Seja conservado o uso da língua latina, salvo o direito particular". (nº 36) e "Cuide-se para que os fiéis saibam recitar e cantar juntos, inclusive em língua latina, as partes do Ordinário da missa que lhes cabem". (n º 54). O mesmo critério é usado para a Liturgia das Horas: "Segundo a secular tradição do rito latino, seja conservada a língua latina no Ofício Divino para os clérigos" (nº 101). Em 1964, o liturgista Rinaldo Falsini escreveu no seu comentário à Constituição conciliar: "O Concílio não podia pôr em discussão o princípio da manutenção da língua latina para os ritos que tomavam o nome daquela língua. Atualmente, um abandono integral do latim, em vista da vastidão do patrimônio litúrgico, seria impensável e irrealizável". Falsini diz também que a luta contra o uso da língua latina na missa foi aberta pela reação protestante.
Formalmente, a língua oficial da Igreja Católica continuava a ser o latim, inclusive nas intenções do Vaticano II. No dia 3 de setembro de 1978, o papa João Paulo I pronunciou em latim a primeira parte da homilia da missa solene de início do pontificado. Em seguida, explicou: "Quisemos iniciar esta nossa homilia em latim porque, como se sabe, esta é a língua oficial da Igreja, da qual exprime de forma palmar e eficaz a universalidade e a unidade".
Todavia, o latim foi substituído pelo vernáculo e desapareceu dos livros litúrgicos apenas cinco anos depois do encerramento do Concílio. O desaparecimento foi repentino e aparentemente não era intenção dos Padres conciliares, que votaram quase por unanimidade (2.147 votos a favor e 4 contra) um documento sobre a liturgia que previa a manutenção do latim e dava espaço ao vernáculo "especialmente nas leituras, nas homilias, em algumas orações e nos cantos". A preocupação de João XXIII e do Concílio era clara: a permanência do latim garantia a solidez da doutrina expressa. Como foi possível "deslatinizar" inteiramente o missal e o breviário?
MISSÃO SECRETA?
"Caro Buan, comunicamos o encargo que o Conselho dos Irmãos estabeleceu para ti, de acordo com o Grão-Mestre e os Príncipes Assistentes ao Trono, e te obrigamos (...) a difundir a descristianização mediante a confusão dos ritos e das línguas e de colocar padres, bispos e cardeais uns contra os outros. A Babel lingüística e ritual será a nossa vitória, como a unidade lingüística e ritual foi a força da Igreja (...) Tudo deve acontecer no prazo de dez anos". (14 de julho de 1964).
"Grão-Mestre incomparável (...) a dessacralização prossegue rapidamente. Foi publicada uma outra Instrução, que entrou em vigor no dia 29 de junho p.p. Já podemos cantar vitória, porque a língua latina vulgar é soberana em toda a liturgia, inclusive nas partes essenciais (...) Foi dada máxima liberdade de escolha entre os vários formulários, à criatividade particular e ao... caos! (...) Em suma, com esse documento creio ter disseminado o princípio da máxima libertinagem, segundo as vossas disposições. Lutei duramente contra os meus inimigos da Congregação para os Ritos e tive que recorrer a toda a minha astúcia para que o Papa a aprovasse. Por sorte, encontramos o apoio dos amigos e irmãos da Universa Laus, que são fiéis. Agradeço pela soma enviada e esperando vos ver em breve, vos abraço. Vosso Irmão Buan" (2 de julho de 1967).
São trechos de duas cartas. A primeira teria sido enviada a monsenhor Annibale Bugnini (nome em código Buan) pelo Grão-Mestre da maçonaria. A segunda seria a resposta do liturgista ao líder das Lojas, comunicando o cumprimento da missão bem antes do prazo previsto. Esses documentos - gravemente difamatórios para Bugnini, que sempre negou ter mantido contatos com a maçonaria - são verdadeiros ou falsos? É impossível dizer, visto que se trata de cartas datilografadas e fotocopiadas por um misterioso "espião" que em seguida as teria entregue a alguns bispos e cardeais amigos, entre os quais o arcebispo de Gênova, Giuseppe Siri, e o prefeito do Selo Apostólico, Dino Staffa. Se são autênticas, revelam a existência de um "projeto" para destruir a doutrina e da liturgia católica por dentro. Podem também ser falsificações produzidas por alguém interessado em criar "facções" rivais na Cúria. O texto das cartas, de fato, é muito imediatista e grosseiro. Em todo caso, as cartas existem e os resultados das reformas de Bugnini concordam plenamente com os objetivos que fixam.
LITURGIAS ESTRANGEIRAS
O padre Annibale Bugnini foi nomeado secretário da comissão litúrgica criada por Pio XII para reformar o ritual da Semana Santa logo depois da Segunda Guerra Mundial. O seu espírito reformista no campo litúrgico já era conhecido. Em 1944, Bugnini pedira ao padre Arrigo Pintonello, então capelão militar, para traduzir alguns textos de autores católicos e protestantes alemães sobre a renovação litúrgica. Esse fato, confirmado por dom Pintonello (hoje arcebispo emérito de Latina, Itália) a 30Dias, pode mostrar que a reforma realizada sob a direção do Consilium ad exaquandam Constitutionem de Sacra Liturgia - do qual Bugnini foi secretário e sobre o qual exercia uma inegável autoridade - tinha raízes meditadas e preparadas há longo tempo. Bugnini contou detalhadamente história desse período no livro A Reforma Litúrgica 1948-1975. O livro é uma autodefesa póstuma com a qual o bispo, "exilado" no Irã por Paulo VI, descreve a sua obra e diz que todas as decisões sobre as grandes mudanças litúrgicas foram tomadas pelo Papa em pessoa. "Eu fui apenas um executor fiel da vontade de Paulo VI e do Concílio".
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fonte:http://www.sinaisdostempos.org/