Iniciamos uma nova série de posts que apresentará excertos de alguns dos mais importantes documentos de Dom Antônio de Castro Mayer, saudoso e heróico bispo de Campos. Parte dos textos aqui publicados serão traduções de outros idiomas: lamentavelmente, hoje é mais fácil encontrar textos de Dom Antônio em Francês ou Inglês que encontrá-los no Brasil. De maneira irônica, em nosso país tem-se maior conhecimento dos escritos de Mons. Lefebvre que os de Dom Antônio.
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Há, de fato, em nossos dias, alguns que, avizinhando-se de erros já condenados, ensinam no Novo Testamento se conhece apenas um sacerdócio pertencente a todos os baptizados, e que o preceito dado por Jesus aos apóstolos na última ceia – fazer o que ele havia feito – se refere directamente a toda a Igreja dos cristãos e só depois é que foi introduzido o sacerdócio hierárquico. Sustentam, por isso, que só o povo goza de verdadeiro poder sacerdotal, enquanto o sacerdote age unicamente por ofício a ele confiado pela comunidade [...]. Recordemos apenas que o sacerdote faz as vezes do povo porque representa a pessoa de nosso Senhor Jesus Cristo enquanto é Cabeça de todos os membros e se oferece a si mesmo por eles: por isso vai ao altar como ministro de Cristo, inferior a Ele, mas superior ao povo. O povo, ao invés, não representando por nenhum motivo a pessoa do divino Redentor, nem sendo mediador entre si próprio e Deus, não pode de nenhum modo gozar dos poderes sacerdotais. Tudo isso consta da fé verdadeira.
(Pio XII, Mediator Dei)
Proposição Falsa: Os fiéis concelebram com o Padre o Santo Sacrifício da Missa.
Proposição Verdadeira: Os fiéis participam no Santo Sacrifício da Missa.
As duas proposições necessitam de uma pequena explicação. Nunca se pode dizer que os fiéis “concelebram” com o padre, pois na Igreja a expressão “concelebrar” refere-se a Missas com vários celebrantes. Eles todos ativamente coincidem em oferecer o sacrifício e em efetuar a transubstanciação. Um exemplo disso é encontrado na Missa de ordenação sacerdotal, na qual os novos padres concelebram com o bispo. Da mesma forma, a proposição na qual é dita que os fiéis participam no Sacrifício da Missa requer uma explicação. Muitos entendem que isso signifique que os fiéis “concelebram” o sacrifício… Outros entendem que significa que o padre não é além de um mandatário ou delegado do povo, e seus atos sacerdotais não tem valor exceto enquanto ele representa o povo. Não é nesse sentido que a proposição deve ser entendida, de acordo com o ensinamento de Mediator Dei. De fato, o padre não é delegado do povo, pois ele é escolhido por vocação divina e engendrado pelo sacramento das santas ordens. Isso não significa que o padre, em certo sentido, não represente o povo. Ele o representa enquanto representa Jesus Cristo, cabeça do Corpo Místico, do qual os fiéis são membros, e quando o padre oferece o sacrifício no altar, ele o faz em nome de Cristo, Sumo Sacerdote, que oferece em nome de todos os membros de Seu Corpo Místico. Portanto, em certo sentido, o sacrifício é oferecido em nome do povo. É por isso [que os fiéis] devem participar no sacrifício. De que forma devem eles participar? Mediator Dei nos diz: “Une os seus votos de louvor, de impetração, de expiação e a sua ação de graças à intenção do sacerdote, aliás do próprio sumo pontífice, a fim de que sejam apresentados a Deus Pai na própria oblação da vítima, embora com o rito externo do sacerdote.” [Mediator Dei, 93]
Assim existe um significado definitivo à expressão “participar”, que pode ser usada se toma-se cuidado de excluir qualquer outro significado menos exato.
Dom Antonio de Castro Mayer, Carta Pastoral sobre os Problemas do Apostolado Moderno, 1953.
O Leão de Campos (VI): O bispo de Campos e o Magistério de Paulo VI.
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Carta de Dom Antonio de Castro Mayer, bispo diocesano de Campos, ao Papa Paulo VI.
Campos, 25 de janeiro de 1974.
Beatíssimo Padre,
Prostrado respeitosamente aos pés de Vossa Santidade, peço vênia para submeter-lhe à consideração os estudos que seguem com a presente carta.
O envio destes estudos é feito em obediência à ordem de Vossa Santidade transmitida por carta do Eminentíssimo Cardeal D. Sebastião Baggio ao Eminentíssimo Cardeal D. Vicente Scherer, da qual este último me deu ciência oralmente em encontro que com ele tive no Rio de Janeiro a 24 de setembro próximo passado.
Em 15 de outubro último, tive a honra de escrever a Vossa Santidade, afirmando meu filial acatamento a tais ordens.
Entre estas, estava a de que, dada a eventualidade de “em consciência não estar eu de acordo” com “atos do atual Magistério Ordinário da Igreja”, “manifestasse livremente à Santa Sé” meu parecer. É o que faço com toda a reverência devida ao Augusto Vigário de Jesus Cristo, ao entregar a Vossa Santidade os três estudos anexos.
Com isto – digne-se Vossa Santidade notá-lo – não pratico outra coisa senão um ato de obediência à Sua veneranda determinação. As apreciações que neles externo, eu as formei ao longo de anos de reflexão e de oração. Não é minha intenção entregá-los ao público, certo de que minha reserva agradará a Vossa Santidade.
Eis que, Santo Padre, a obediência me obriga agora a comunicar a Vossa Santidade pensamentos que talvez lhe tragam pesar. Faço-o, no entanto, com paz de alma, pois estou na via da sinceridade e da obediência, na qual conto permanecer com a graça de Deus.
Mas, se está tranqüila minha consciência, ao mesmo tempo está triste meu coração.
Com efeito, toda a minha vida de Sacerdote e de Bispo vem sendo marcada pelo empenho de – no meu limitado ambiente de ação – ser, por meu devotamento irrestrito, e por minha obediência inteira, motivo de alegria para os vários Papas sob cuja autoridade tenho sucessivamente servido.
Ora, na presente conjuntura, o devotamento e a obediência me levam a contristar a Vossa Santidade.
Um episódio da História da França no século passado me acode ao espírito neste passo. Narra-o Chateaubriand nas “Mémoires d’Outre Tombe”. Certa vez o Rei Luís XVIII lhe solicitou a opinião sobre uma medida que o monarca acabava de tornar pública. A sinceridade impedia o escritor de elogiar tal medida. Mas o receio de contristar o Rei movia-o a calar-se. Esquivou-se, pois, de externar seu pensamento. Vendo isto, Luís XVIII mandou formalmente ao escritor que falasse com inteira franqueza. Este, atendendo ao nobre mandato, e antes de abrir-se a seu Rei, lhe dirigiu este pedido: “Sire, pardonnez ma fidélité”. É o que peço a Vossa Santidade: perdoe-me a fidelidade com que cumpro Suas ordens.
Suplico a Vossa Santidade compaixão para a obediência deste Bispo já septuagenário, que vive neste momento o episódio mais dramático de sua existência. E peço a Vossa Santidade que me dispense pelo menos uma parcela dessa compreensão e desse benevolência que tem tantas vezes manifestado não só em torno de si, como também com pessoas estranhas, e até inimigas do único redil do único Pastor.
Ao longo dos anos foi tomando corpo em meu espírito a convicção de que atos oficiais de Vossa Santidade não têm, com os dos Pontífices que o antecederam, aquela consonância que com toda a alma eu neles desejava ver.
Não se trata, é claro, de atos garantidos pelo carisma da infalibilidade. Assim, aquela minha convicção em nada abala a minha crença irrestrita e enlevada nas definições do Concílio Vaticano I.
Receando abusar do valioso tempo do Vigário de Cristo, dispenso-me de mais amplas considerações e limito-me a submeter à atenção de Vossa Santidade três estudos:
1. Sobre a “Octogésima Adveniens”.
2. Sobre a Liberdade Religiosa.
3. Sobre o novo “Ordo Missae”.
(Esse último de autoria do advogado Arnaldo Vidigal Xavier da Silveira, a cujo conteúdo me associo).
Supérfluo será acrescentar, que neste passo, como já em outros de minha vida, darei cumprimento, em toda a medida preceituada pelas leis da Igreja, ao Sagrado dever da obediência. E neste espírito, com o coração de filho ardoroso e devotíssimo do Papa e da Santa Igreja, acolherei qualquer palavra de Vossa Santidade sobre este material.
De modo especial suplico a Vossa Santidade queira declarar-me:
a. Se encontra algum erro na doutrina exposta nos três estudos anexos;
b. Se vê na atitude assumida nos ditos estudos face aos documentos do Supremo Magistério, algo que destoe do acatamento que a estes devo como bispo.
Suplicando queira Vossa Santidade conceder-me, como à minha Diocese, o precioso benefício da Bênção Apostólica, sou de
Vossa Santidade
Filho humilde e obediente.
Antônio de Castro Mayer
Bispo de Campos
[Dom Antônio não obteve resposta a esta carta]
Fonte: FSSPX – Brasil
Outros posts da série “O Leão de Campos”:
Lançamento do livro “O pensamento de Dom Antonio de Castro Mayer”, editora Permanência.
A Editora Permanência acaba de lançar o livro “O pensamento de Dom Antonio de Castro Mayer”, uma “coletânea de artigos do Bispo de Campos, defensor da Tradição Católica durante e depois do Concílio Vaticano II, destacou-se pela clareza doutrinária dos seus escritos e por ter conservado a Santa Missa e toda a disciplina tradicional em toda a diocese, até ser destituido por força da idade. Ilustrado com fotos inéditas. 324 páginas”.
Etiquetado com Dom Antônio de Castro Mayer, Permanência
Nossa homenagem para o fim da Assembléia Geral da CNBB.
A
dissecação de Dom Antonio de Castro Mayer ao movimento “cursillo” [Ndt: Cursilho em espanhol, em referência ao movimento Cursilhos da Cristandade, sobre o qual Dom Antonio escreveu uma Carta Pastoral em 1972] parecia ser aos outros bispos ainda uma nova afronta. Eles, é claro, não respondiam, não debatiam, não argumentavam. Adicionavam isso à sua lista de reclamações contra o Bispo de Campos e esperavam seu momento de atacar.
Esse momento chegou com um ataque ao Syllabus de Erros do Papa Pio IX. Essa vasta lista de heresias modernistas e erros de pensamento por anos gerou uma animosidade demoníaca por parte dos reformadores da Igreja, pois esse Papa, junto do Papa São Pio X em sua encíclica Pascendi, catalogou e documentou todos os pensamentos corrompidos e intenções destrutivas daqueles mesmos reformadores. Eles ressentiam tal exposição concisa e reluzente. Um jovem padre brasileiro modernista atacou abertamente o Syllabus por escrito e Dom Antonio, o cavaleiro da ortodoxia, levantou-se em sua defesa. Publicou uma resposta na qual demolia os argumentos do padre, explicava seus erros e expunha suas falhas intelectuais. Dom Antonio revelou a completa fraqueza do pensamento do jovem clérigo, mas este jovem padre tinha amigos poderosos em altas posições. No encontro seguinte da CNBB, um bispo levantou-se na assembléia e começou a publicamente atacar Dom Antonio, algo que muitos desejaram fazer no passado, mas que ninguém antes teve, na realidade, coragem. Isso foi uma violação do companheirismo oco que comumente reinava em tais encontros de bispos, assim como um claro ataque à noção modernista de colegialidade. A declamação aumentou em força e o bispo chegou mesmo ao ponto de demandar desculpas públicas de Dom Antonio de Castro Mayer. Dom Antonio permaneceu calado. Os outros bispos sentiram o cheiro do primeiro sangue que fora derramado. O ranger de dentes e as mordidas agora começaram de fato. Aqui finalmente estava a oportunidade de cravar os dentes na pele deste estrepitoso colega. Dom Antonio nada disse; manteve sua compostura ante seus acusadores e esperou pelo fim do ataque. Quando acabou, levantou-se, e sem expressar uma palavra, deixou a assembléia.
Nem apareceu no encontro seguinte programado. Sua ausência agora pesava em seus irmãos bispos tão severamente quanto sua presença no passado. De maneira curiosa, eles precisavam dele lá, pois sem ele já não tinham mais um foco para sua raiva. Entenderam sua partida como uma reprovação, e estavam certos. Outro bispo, de tipo gentil, amigável, agüado, procurou aliviar a tensão e fez uma visita ao Bispo de Campos. Ele implorou a Dom Antonio, dizendo: “Você deve voltar”. Dom Antonio respondeu: “Por quê? Minha posição é a expressa doutrina da Igreja Católica. Devo defender a doutrina da Igreja diante de meus irmãos bispos?”.
(The Mouth of the Lion – Bishop Antonio de Castro Mayer and the last Catholic diocese, Dr. David Allen White – Angelus Press, 1993)
No 39º aniversário de sua publicação, temos a honra de rememorar a Carta Pastoral “Aggionarmento e Tradição”, de Dom Antonio de Castro Mayer.
EM 21 DE NOVEMBRO do ano passado, em Circular dirigida aos Nossos caríssimos Sacerdotes, procuramos, uma vez mais, avivar neles e nos fiéis a vigilância contra os perigos, a que um falso “aggiornamento” expõe a integridade da Fé e a pureza dos costumes cristãos. Já em Documentos anteriores Nos ocupamos das tentações a que está exposta a vossa fé, amados filhos, e vos exortamos à vigilância e à oração. Na Circular de 21 de novembro, referíamo-Nos, especialmente, à reverência devida aos Santos Sacramentos, com que damos público testemunho de nossa fé nos mistérios que adoramos. Salientávamos, então, a importância da advertência, à vista de ser a fé indispensável para a salvação, pois, sem ela é impossível agradar a Deus – “sine fide impossibile est placere Deo” (Heb. 11, 6).
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Escrito por G. M. Ferretti
abril 11, 2010 em 1:33 pm
Publicado em Igreja, O Papa, Tradição, Vaticano II
Etiquetado com Dom Antônio de Castro Mayer, Vaticano II
Padres casados.
Por Dom Antônio de Castro Mayer
Em todos os tempos, os hereges, com a doutrina tradicional, rejeitaram também a disciplina do celibato sacerdotal, igualmente tradicional. Não admira, pois, que o Vaticano II tenha suscitado, nos nossos tempos, movimentos contrários ao celibato dos padres. O Vaticano II marca um afrouxamento da doutrina e da vida católica tradicional. Quanto ao celibato, no mesmo Concílio, o Sr. D. Pedro Paulo Kop, então Bispo de Lins, pleiteou a ordenação de homens casados. Seria a abolição pura e simples do celibato sacerdotal. Teve quem o contraditasse, e o escândalo não consumou-se.
Paulo VI, por sua vez, estabeleceu normas a serem seguidas nos caso de dispensa da Lei do Celibato por parte de padres. Em outras palavras, deixou considerar tais concessões exceções raríssimas.
Com João Paulo II, apareceram como naturais fatos de si destruidores da disciplina do celibato sacerdotal. Nos Estados Unidos, com inteira aprovação de João Paulo II, um Bispo do Missouri, D. Bernardo Law, em 29 de Junho de 1982 ordenou sacerdote um homem casado de 51 anos, na presença da sua esposa e filhos. A porta abria-se, com alguma estupefação. Por isso, passou-se a aplainar a estrada com a ordenação de diáconos permanentes. A Lei do Celibato atinge também os diáconos, e até os subdiáconos quando ainda os havia. Paulo VI introduziu os diáconos permanentes, com a possibilidade de se constituírem diáconos também homens casados. Daí à ordenação de padres casados há apenas um passo. E o povo, com esse relaxamento gradual da disciplina, vai se habituando à Igreja secularizada inaugurada pelo Concílio.
- Mas, dirão, os apóstolos não eram casados?
- A Escritura jamais fala das esposas dos Apóstolos. Se eram casados deveriam ser péssimos cristãos que assim relegam suas esposas. Na realidade, pelos Evangelhos, só consta da existência da Sogra de S. Pedro, o que leva a deduzir que realmente S. Pedro fora casado. Mas os evangelhos também dizem que os Apóstolos deixaram tudo, para seguir ao Senhor. E a norma para os sacerdotes é dada por S. Paulo 1 Cor. VII, 32: “Quem não é casado cuida das coisas de Deus, procura agradar ao Senhor”. E logo depois acrescenta o Apóstolo : “Quem é casado cuida das coisas do mundo, procura agradar à mulher”.
A razão do celibato exprime-a muito bem Pio XII (Enc. “Menti Nostrae”, 1950): “É exatamente porque deve estar livre das preocupações profanas, para se dedicar todo ao serviço divino, que a Igreja estabeleceu a Lei do Celibato, a fim de que ficasse sempre manifesto a todos que o Padre é ministro de Deus e pai das almas”.
Via Sacra escrita por Dom Antônio de Castro Mayer.
ORAÇÃO PREPARATÓRIA
Meu Senhor Jesus Cristo, disponho-me a acompanhar-Vos no caminho que trilhastes do pretório de Pilatos ao Calvário, para Vos imolardes por minha salvação. Peço-Vos a graça de conceber grande dor e arrependimento de ter pecado, causando vossos atrozes sofrimentos, e que vosso Sangue preciosíssimo infunda em minha alma o propósito firme de nunca mais pecar.
ANTES DE CADA ESTAÇÃO
Dirigente: Nós Vos adoramos, Senhor, e Vos bendizemos;
Todos: Porque pela vossa Santa Cruz remistes o mundo.
No final da consideração, depois da Ave Maria:
Todos: PESA-ME, SENHOR, de todo o meu coração ter ofendido a vossa infinita bondade, proponho com vossa graça a emenda, e espero que me perdoeis por vossa infinita misericórdia. Amém.
Dirigente: Compadecei-vos de nós, Senhor!
Todos: Compadecei-vos de nós!
Dirigente: Que as almas dos fiéis defuntos, por misericórdia de Deus, descansem em paz.
Todos: Amém.
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DOM ANTÔNIO DE CASTRO MAYER
CARTA PASTORAL
CASTIDADE, HUMILDADE, PENITÊNCIA,
Características do cristão,
Alicerces da ordem social
15 de agosto de 1963
As raízes da crise progressista
A Igreja se prepara para a realização da segunda fase das assembléias gerais do II Concílio Ecumênico do Vaticano. De fato, uma das primeiras resoluções de S.S. o Papa Paulo VI, gloriosamente reinante, foi a de continuar o Concílio iniciado pelo seu venerando antecessor, de saudosa memória, João XXIII; e marcou, para reinício dos trabalhos, o dia 29 de setembro, XVII domingo depois de Pentecostes e festa de S. Miguel Arcanjo. Estamos, assim, em vésperas do prosseguimento do maior acontecimento deste século.
Com efeito, este Concílio deverá não só revigorar a unidade da Igreja, mediante resoluções que tornem a adesão aos dogmas da Fé mais plena, mais ardente, mais viva, com a conseqüente plenitude na prática da Moral cristã e integridade da disciplina eclesiástica, mas, além disso, e através disso, deverá ainda o Concílio procurar obter a unidade de todos os povos no redil do único pastor de almas, Nosso Senhor Jesus Cristo, sob a direção de seu Vigário na terra, o Santo Padre, o Papa. Tarefa ingente e de importância singular na História.
De importância e gravidade. Porque, podemos facilmente perceber que este Concílio não pode deixar de atingir os nobres fins colimados pelo Papa que o convocou. O contrário acarretaria para a Igreja e a humanidade conseqüências imprevisíveis. Uma vez reunido, ou ele fortalece os vínculos da Fé, e torna mais viva a prática da caridade, de maneira a mostrar a Igreja na sua verdadeira face, como “signum levantum in nationes” (Conc. Vat. I, s. III, c. 3), que a todos os povos afirme a verdade e excelência da Revelação de Jesus Cristo; ou a decepção geral será tão grande, que seria difícil imaginar maior.
Podemos dizer que o futuro da humanidade e, em certa medida, da própria Igreja, depende deste Concílio Ecumênico.
Em tais circunstâncias, vedes bem, amados filhos, o peso da responsabilidade minha, de cada um de voz, caríssimos Padres seculares e regulares, de cada um de vós, queridas ovelhas, com relação ao Concílio Ecumênico. Incumbe-nos a todos, empenhar os meios que a Providência põe em nossas mãos, para dar ao Concílio a melhor e mais eficaz cooperação, a fim de que não seja culpa nossa uma eventual diminuição de graças divinas sobre os trabalhos e as resoluções conciliares.
Falando-vos, amados filhos, antes da primeira fase das assembléias gerais deste concílio, dizíamos-vos que o Concílio é obra da graça; que seus frutos dependem menos dos homens envolvidos nele, do que das luzes e forças do Espírito Santo, que infunde nos Padres conciliares a apetência das coisas retas e a prudência das conclusões mais eficazes e oportunas, para a glória de Deus, a exaltação da Santa Igreja e o bem das almas. Ora, dizíamos então, os auxílios do Espírito Paráclito condicionam-se, em grande parte, às nossas orações e boas obras.
Hoje, repetimos a mesma verdade. De maneira que o Concílio poderá ter fruto maior ou menor, de acordo com a intensidade e o valor dos gemidos que elevarmos até os paramos celestes, para implorar sobre os padres conciliares as luzes e as energias divinas.
É com intenção de preparar melhor Nossas queridas ovelhas, a grei que Nosso Senhor Nos confiou, que pretendemos entreter-Nos convosco, amados filhos, sobre o assunto da Encíclica “Poenitentiam agere”, publicada pelo Santo Padre João XXIII, em 1º de julho do ano findo, poucos meses antes de se abrir o II Concílio Ecumênico do Vaticano, para cuja feliz realização deveria concorrer.
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De Maria numquam satis.
“De Maria numquam satis”, dizem os Santos. Não se deve dizer basta nos louvores a Maria Santíssima. Não temamos cultuá-la excessivamente. Estamos sempre muito aquém do que Ela merece. Não é pelo excesso que nossa devoção a Maria falha. E sim, quando é sentimental e egoísta. Há devotos de Maria que se comovem até às lágrimas, e, no entanto, se ajustam, sem escrúpulos, à imodéstia e à sensualidade dominantes na sociedade de hoje. Sem imitação não há verdadeira devoção marial.
Consagremos, realmente, a Maria Santíssima nossa inteligência e nossa vontade, com a mortificação de nossa sensibilidade e de nossos gostos, e Ela cuidará de nossa ortodoxia. “Qui elucidam me vitam aeternam habebunt” (Eclo 24,31) – [Aqueles que me tornam conhecida terão a vida eterna] -, diz a Igreja de Maria. Os que se ocupam de fazê-la conhecida e honrada terão a vida eterna.
Dom Antônio de Castro Mayer.
Quando eu era jovem teólogo, antes e até mesmo durante as sessões do Concílio, como aconteceu e como acontecerá a muitos, eu alimentava uma certa reserva sobre algumas fórmulas antigas como, por exemplo, a famosa De Maria nunquam satis – “Sobre Maria jamais se dirá o bastante”. Esta me parecia exagerada.
Encontrava dificuldade, igualmente, em compreender o verdadeiro sentido de uma outra expressão bastante famosa e difundida (repetida na Igreja desde os primeiros séculos, quando, após um debate memorável, o Concílio de Éfeso, do ano 431, proclamara Nossa Senhora como Maria Theotokos, que quer dizer Maria, Mãe de Deus, expressão esta que enfatiza que Maria é “vitoriosa contra todas as heresias”.
Somente agora – neste período de confusão em que multiplicados desvios heréticos parecem vir bater à porta da fé autêntica -, passei a entender que não se tratava de um exagero cantado pelos devotos de Maria, mas de verdades mais do que válidas.
Cardeal Joseph Ratzinger – Entretiens sur la Foi, Vittorio Messori – Fayard 1985.
(Publicado originalmente na festa da Imaculada Conceição de 2008)
“Em caso nenhum se permita a Comunhão na mão”.
Dom Antônio de Castro MayerNa Igreja Latina, a fé viva na Presença Real se ostenta mediante a genuflexão e a postura genuflexa, quando se passa diante ou quando se está em presença da Santa Hóstia Consagrada, ou solenemente exposta, ou em reserva no sacrário. Semelhante atitude baseia-se na Sagrada Escritura. Nela. de fato, lemos que tal atitude é, no fiel, o sinal da adoração. Assim, são louvados os milhares de judeus que “não curvaram os joelhos diante de Baal” (Rom. 11, 4); e, a respeito do Deus verdadeiro, diz o Senhor em Isaías, que “a Ele se curvará todo joelho” (44, 23 – cf. Rom. 14, 11 ). Mais diretamente a Jesus Cristo, declara o Apóstolo que ao seu nome “dobra-se todo joelho, no Céu, na terra e nos infernos ” (Fil. 2, 10). Aliás, era a maneira como externavam sua fé no Salvador aqueles que Lhe pediam algum benefício (cf. Mat. 17, 14; Marc. 1, 40). Na Santa Igreja, o costume de dobrar os joelhos diante do Santíssimo Sacramento, além da adoração devida a tão excelso Senhor, tenciona, outrossim, manifestar reparação pelas injúrias com que a soldadesca infrene ludibriou do misericordioso Salvador, após a flagelação e coroação de espinhos: “de joelhos diante d’Ele, d’Ele zombavam” (Mat. 27, 29).
Fixa-se assim numa Tradição Apostólica o hábito de manifestar, mediante a genuflexão e a postura ajoelhada, nossa fé viva na Divindade de Jesus Cristo, substancialmente presente no altar. Eis porque recebe o fiel a Sagrada Comunhão de joelhos. Não o faz o Sacerdote na Missa, porque ele aí está representando a pessoa de Jesus Cristo. ‘Agit in ,persona Chisti”. faz as vezes de Cristo como sacrificador, ofício que de modo algum compete ao fiel. Fora da Missa, também o Sacerdote comunga de joelhos.
Não há por que deixar uso tão excelente
Não somente porque é um costume imemorial, com base na Bíblia Sagrada, como peia mesma natureza do ato, a genuflexão raros compenetra de humildade, leva-nos a reconhecer nossa pequenez de criaturas diante da transcendência inefável de Deus, e mais ainda, nossa condição de pecadores que só pela mortificação e a graça chegaremos a dominar nosso orgulho e demais paixões, e a viver como verdadeiros filhos adotivos de Deus, remidos pelo Sangue preciosismo de Jesus Cristo.
De onde, a substituição de semelhante costume piedoso por outro só poderia justificar-se, no caso de uma excelência superior tão grande que compensasse também o mal que há em toda mudança, como ensina Santo Tomás de Aquino (1. 2. q. 97, a. 2) com relação aos hábitos que dão vida às leis. Fiel a esta doutrina do Aquinate, o II Concílio do Vaticano estabelece que não se devem introduzir modificações na Liturgia, a não ser quando verdadeiramente necessárias, e assim mesmo, manda que as novas fórmulas dimanem organicamente das já existentes (Const. “Sacrosanctum Concilium”, n° 23).
Ora, o novo modo de comungar não oferece a excelência que sua introdução está a pedir. De fato, comungar de pé é coisa que não apresenta a seu favor textos da Sagrada Escritura, não tem as vantagens espirituais que a postura de joelhos traz consigo, como acima observamos, e tem os inconvenientes de toda mudança, que relaxa em vez de afervorar os fiéis.
Por isso, deve-se conservar o hábito de comungar de joelhos. [...]
Recomendamos, portanto, a todos os caríssimos Sacerdotes que exercem o ministério no nosso Bispado, que se atenham a esta disposição diocesana: só distribuam a Sagrada Comunhão aos fiéis ajoelhados, admitindo apenas exceções em casos pessoais, quando alguma enfermidade torna impossível, ou quase, o ajoelhar-se. Em caso nenhum se permita a Comunhão na mão.
Dom Antônio de Castro Mayer, Circular sobre a Reverência aos Santos Sacramentos, 21 de novembro de 1970.
Na festa dos Santos Apóstolos Pedro e Paulo: Vigário de Cristo.
Tu es Petrus
É como identificamos o Papa. Assim o definem os concílios, como o de Florença e o primeiro do Vaticano.
Como Vigário de Jesus Cristo, o Papa é o chefe da Igreja. Jesus edificou sua Igreja sobre a rocha de Pedro, e o Papa é sucessor de S. Pedro no cargo de chefe. Daí a frase, “ubi Petrus ibi Ecclesia”, para dizer que onde está o Papa aí está a Igreja. Eis que o primeiro Concílio do Vaticano destaca que ao Papa se deve obediência não somente nas questões de Fé e Costumes, mas também nas relativas à disciplina e ao governo da Igreja, e declara que na comunhão com o Papa conservamos a união com a Igreja.
Com efeito, o Papa é essencialmente o Vigário de Jesus Cristo. Em outras palavras, ele assume a Pessoa de Jesus Cristo. Ele faz suas vezes. Deve-se-lhe o acatamento e a obediência que se presta a Jesus Cristo, a quem ele representa. Seu poder, porém, sua jurisdição é vicária. De si, ele é de Jesus Cristo, pois, como escrevia o Papa Inocêncio III ao Patriarca de Constantinopla em 12 de novembro de 1199, “o primeiro e precípuo fundamento da Igreja é Jesus Cristo”. O Divino Salvador, no entanto, confiou seu poder ao Papa: “Como meu Pai me enviou, Eu vos envio” – disse Ele aos seus Apóstolos, especialmente ao chefe deles, S. Pedro. Esta outorga foi de modo permanente, e para sempre, para que o Papa o exerça em seu lugar, fazendo-lhe as vezes, “vices eius gerens”.
Este aspecto é essencial ao Papado. Não pode ser olvidado. Seu esquecimento pode ter nefastas conseqüências. Pode levar a pessoa a pensar que o Papa é o dono da Igreja, que pode fazer o que quiser, mandar e desmandar o que melhor lhe pareça, estando os fiéis obrigados sempre a simplesmente obedecer. Refletindo um pouco, vê-se que esta concepção atribui ao Papa a onisciência e a onipotência que são atributos exclusivos de Deus. Outra coisa não faz a idolatria que transfere à criatura o que é peculiar à divindade.
Por esse motivo, o primeiro Concílio do Vaticano ao definir os poderes do Papa, tomou o cuidado de definir também sua finalidade e seus limites. Deve o Papa conservar intacta a Igreja de Cristo, através da qual o Divino Salvador torna perene sua obra de salvação. Manterá, pois, a estrutura da Santa Igreja como o Senhor a constituiu, e velará para conservar e transmitir intacta a Fé e a Moral recebida da Tradição Apostólica. Para este fim e dentro destes limites, goza o Papa da assistência divina que lhe assegura a impossibilidade de errar e desorientar os fiéis sempre que definir um ponto de Fé e Moral.
Não é despropósito pensar que, precisamente para fixar bem o poder vigário do Papa, tenha a Providência permitido que, no trono de S. Pedro, se tenham assentado indivíduos, em cuja doutrina e/ou procedimento, encontram-se pontos gravemente prejudiciais à Fé e/ou à moral. Não ensinavam com sua autoridade suprema e definindo matéria de Fé, ou davam mau exemplo com seu modo de proceder. Explica-se assim o julgamento emitido sobre Honório I quer pelo 3º Conc. De Const., quer por S. Leão II, ou seja, que ele (Honório I) “com profana traição permitiu que se maculasse a imaculada Fé desta Igreja Apostólica”. E de modo semelhante, verificaram-se fatos dolorosos na História da Igreja (…)
Dom Antonio de Castro Mayer
Carta de Dom Antônio de Castro Mayer sobre a TFP.
Publicada no jornal campista Folha de Manhã em 1991, sendo o texto original datado de 1984. O que publicamos é uma tradução nossa da versão de Le Sel de la Terre, nº 28, de 1999.
Deus lhe pague, Dom Antônio, por amor tão grande à hierarquia da Igreja e por condenar os ‘profetas’ leigos que, mesmo se inicialmente bem intencionados, deixam-se levar pelo orgulho trazido pela fama e se lançam por caminhos que não são os seus, esquecendo-se que não têm a graça de estado própria para a cura das almas.
Prezado X,Eu lhe devo uma resposta à sua dolorosa carta de 24 de setembro que, como o carimbo do correio indica, você me enviou em 25 de setembro.Neste caso eu apenas posso dar-lhe um único conselho: reze, reze muito, acima de tudo o Rosário ou ao menos o Terço, pedindo à Virgem Mãe, Mediadora de todas as graças, que ilumine seu filho e faça-o ver que a TFP é uma seita herética porque, de fato, embora não digam ou escrevam, a TFP vive e se comporta de acordo com um princípio que fundamentalmente mina a verdade da cristandade, isto é, da Igreja Católica.De fato, é de fide que Jesus Cristo fundou Sua Igreja – destinada a manter na terra o verdadeiro culto a Deus e a levar as almas à salvação eterna – como uma sociedade desigual, composta de duas classes: uma que governa, ensina e santifica, composta pelos membros do clero, e outra – os fiéis – que recebem o ensinamento, são governados e santificados: Isso é um dogma de fide.São Pio X escreveu que a Igreja é, em sua própria natureza, uma sociedade desigual, significando que ela compreende duas ordens de pessoas: pastores e rebanho, aqueles que pertencem aos vários níveis da hierarquia e a multidão dos fiéis. Essas duas ordens são tão completamente distintas que apenas a hierarquia tem o direito e a autoridade de guiar e governar os membros para os fins da Igreja, enquanto o dever dos fiéis é aquele de permitir a si mesmos serem governados e a obedientemente seguir o caminho dado pela classe governante. (Encíclica “Vehementer”, 11 de fevereiro de 1906.) Toda a história da Igreja, como pode ser vista no Novo Testamento, atesta essa verdade como um dogma fundamental da constituição da Igreja. Foi apenas aos Apóstolos que Jesus disse: “Ide e ensinai todas as nações”. Também os Atos dos Apóstolos nos mostram a vida da Igreja nos tempos após Jesus Cristo. Por causa disso, é uma herética subversão habitualmente seguir a um leigo — portanto, um não-membro da Hierarquia — como porta-voz da ortodoxia. Assim, eles não olham para o que a Igreja diz, o que os bispos dizem, mas para o que esse ou aquele diz… E não se termina aí: essa atitude — mesmo se não declarada abertamente — de fato posiciona o “líder” como o árbitro da ortodoxia, e é acompanhada por um súbita mas verdadeira desconfiança da hierarquia e do clero em geral.Existe um visceral anti-clericalismo na TFP: tudo que vem do clero é preconceituosamente recebido. Basicamente, mantém-se que todos os padres são ignorantes, poucos zelosos ou interessados e tais outras qualidades. Bem, então, tendo em mente a constituição divina da Igreja que foi instituída por Jesus Cristo, o anti-clericalismo habitual da TFP, latente, faz dela uma seita herética, e, portanto, como disse, animada por um princípio contrário ao dogma estabelecido por Jesus Cristo na constituição de Sua Igreja.Todavia, a TFP teve um início saudável. Existiu uma certa evolução no apostolado feito pelo jornal quinzenal da Congregação Mariana de Santa Cecília intitulado O Legionário.Como um movimento sério e bem intencionado, procurava reforçar a formação intelectual e religiosa dos membros da Congregação e, consequentemente, dos leitores quinzenais. Era influente por todo o Brasil. Essa foi a era de [sua] obediência aos Monsenhores Duarte e Leme. Eu acompanhei e aprovei seu apostolado, também quando começou a perder-se no espírito anti-clerical, que iniciou por consolidar suas posições e então revertê-las, colocando o clero em reboque atrás de um leigo carismático com o monopólio da ortodoxia. Talvez eu dei-lhes apoio além de um ponto lícito. Eu o retirei apenas quando se tornou claro que minhas advertências não estavam sendo levadas em consideração. Elas se tornaram inúteis.É certo observar que os enganos de certos membros da hierarquia… explicam o escândalo dos “TFPistas”, mas isso não justifica as posições que vieram a tomar. Ainda menos as de seu líder, Plínio.Neste caso, como disse no início desta carta, o remédio é rezar. Primeiro, porque sem oração nada é obtido: “Pedi”, diz Nosso Senhor, “e recebereis”. É necessário rezar, porque o fervor carismático produz um certo fanatismo: indivíduos se tornam incapazes de ver a realidade objetiva, de perceber até mesmo erros fundamentais, por causa dessa inversão de seguir um leigo em vez dos legítimos Pastores da Santa Igreja.Ainda mais quando, como observei, membros da hierarquia infelizmente e freqüentemente expressam palavras e tomam posições que qualquer católico pode ver como dissonante da doutrina e do governo da Igreja de todos os tempos…Eu peço a Nosso Senhor que ele lhe dê, e a toda sua família, um santo e feliz Natal e muitos anos plenos da graça de Deus.Peço que reze por mim, servo em Cristo Jesus.Antônio de Castro Mayer, Bispo Emérito de Campos.
A casa edificada sobre a areia – Dom Antonio de Castro Mayer
Nossa apreensão aumenta, amados filhos, pelo fato de que a minimalização do papel da inteligência, na conversão do indivíduo, vem acompanhada de muita ênfase ao fator emotivo. Digamos, desde logo, que esta não foi a pedagogia de Nosso Senhor Jesus Cristo, como no-la transmitiu a Tradição da Igreja e consta do Magistério Eclesiástico. Com efeito, a Igreja temeu sempre pelas conversões sem base sólida em princípios firmementes aceitos pela inteligência, que pudessem dar firmeza à vontade no combate às paixões desordenadas e na seqüela do Divino Mestre.Não quer isso dizer que a Igreja se contentou ou se contenta com a mera aceitação intelectual das verdades reveladas. Não. Ela quer a Fé, que opera pela caridade, como diz São Paulo (Gál., 5,6). Em outros termos: Ela quer que o fiel viva de acordo com a sua Fé, tenha, nesse sentido, uma Fé viva. O fundamento, porém, dessa Fé, na qual se firma a adesão viva a Jesus Cristo, é a aceitação, pela inteligência, da Revelação, e, em primeiro lugar, do fato de que Jesus Cristo é deveras o Filho de Deus feito homem, cujos ensinamentos devem ser acatados, como condição preliminar para agradar a Deus e salvar a alma, porquanto sem esta Fé “é impossível agradar a Deus” (Heb., 11,6; Vaticano I, s. 3, c. 3).Também não quer dizer que a Igreja despreze a parte sensível da natureza humana. Ela não despreza. Pelo contrário, ama-a com o amor que Jesus Cristo a amou ao assumir nossa natureza. Quer, porém, que ela conserve seu lugar na hierarquia dos elementos que compõem a natureza humana, isto é, a serviço das convicções firmadas nas verdades reveladas. Poderá ela assim auxiliar o apostolado; do contrário, tomando a frente, suas contruções comparam-se às casas edificadas sobre a areia, das quais diz a Escritura que não resistem aos vendavais. Imaginemos um fiel entusiasmado com sua Graça, que de repente é submetido a uma prova de aridez espiritual. Se toda a sua formação teve por base a alegria e o entusiasmo, resistirá ele à prova?
Dom Antonio de Castro Mayer, Carta Pastoral sobre Cursilhos de Cristandade, Ed. Vera Cruz, 1973, pp. 47-51
O Concílio Maçônico – Dom Antonio de Castro Mayer
Reproduzimos este artigo de Dom Antonio de Castro Mayer publicado pelo Mosteiro da Santa Cruz:
Monitor Campista, 10/03/1985
Heri et Hodie, nº 59, novembro de 1988Em 8 de dezembro de 1869 abriu-se em Roma o 1º Concílio do Vaticano. No mesmo dia, Ricciardi, deputado da Sabóia, inaugurava em Nápoles o “Anticoncílio Maçônico”, ao qual aderiram maçons de toda Europa. Destacam-se Victor Hugo, Edgard Quinet, Michelet e notadamente Giuseppe Garibaldi, o homem da destruição do poder temporal dos Papas. Pio IX tencionava firmar a Fé do povo católico contra o Racionalismo e o Naturalismo, implantados pela Revolução Francesa. A Maçonaria pretendia obviar a obra de Pio IX. Ricciardi sintetiza a tarefa do Concílio Maçônico nesta frase: “à cegueira e à mentira representadas pela Igreja Católica, particularmente o Papado, fazia-se uma declaração de guerra perpétua em nome do sagrado princípio da liberdade de consciência”.Dia 16 de dezembro de 1869 o Concílio maçônico publicava suas resoluções: autonomia do Estado face à Religião, abolição da Religião de Estado, neutralidade religiosa do Ensino, independência da Moral diante da Religião.A revista italiana católica “Chiesa viva” em seu número de novembro de 1984 dá o seguinte balanço, ao relacionar o anticoncílio maçônico de 1869 e o 2º Concílio do Vaticano, realizado menos de um século depois:
“A quem considera, entre os documentos do Vaticano II, o parágrafo 75 da constituição “Gaudium et spes” e de modo particular, a declaração “Dignitatis humanae” sobre a Liberdade Religiosa, não pode não perceber que este concílio acolhe todos os mais importantes princípios do “Anticoncílio” de 1869, do qual, em conseqüência, queira-se ou não, vem a constituir-se a continuação ideal, na oposição ao Vaticano I e ao Sílabo”.E mais uma vez se registra que o Vaticano II está no centro da Crise da Igreja.
Há 20 anos…
Dois heróis transmitiam aquilo que receberam.
“Terminarei por meu testamento. Gostaria que ele fosse um eco do testamento de Nosso Senhor: um Testamento Novo e Eterno … a herança que Jesus Cristo nos deu, Seu Sacrifício, Seu Sangue, Sua Cruz. Eu direi o mesmo a vocês: para a glória da Santíssima Trindade, pelo amor da Igreja, para a salvação do mundo: mantenham o Santo Sacrifício de Nosso Senhor Jesus Cristo! Mantenham a Missa sempre!”Monsenhor Marcel Lefebvre, 23 de setembro de 1979
Auxilium Christianorum, ora pro nobis!
Acenamos, amados filhos, a algumas práticas, através das quais, procura-se instaurar na Igreja um cristianismo novo, destoante daquele que Jesus Cristo veio trazer à terra. (…) Recorramos, pois à oração, e especialmente à devoção a Maria Santíssima, Senhora nossa. A Tradição é unânime em apresentá-La como Medianeira de todas as graças, como Mãe terníssima dos cristãos, empenhada na salvação de seus filhos, como interessada na integridade da obra de seu Divino Filho. Nas situações difíceis, em que Se tem encontrado, a Igreja habituou-nos a suplicar o valioso e eficaz auxílio da Santa Mãe de Deus, seja para profligar heresias, seja para impedir que o jugo dos infiéis pesasse sobre os cristãos. Podemos dizer que a Igreja jamais Se achou em crise tão grave e tão radical, como a que hoje alui seus fundamentos desde os seus primeiros alicerces. É sinal de que a proteção de Maria Santíssima se torna mais necessária. A nós compete fazê-la real mediante nossas súplicas à Santa Mãe de Deus. Nesse sentido, renovamos a exortação que fizemos à reza cotidiana do terço do santo Rosário, cuja valia aumentaremos com a imitação das virtudes de que a Virgem Mãe nos dá particular exemplo: a modéstia, o recato, a pureza, a humildade, o espírito de mortificação na renúncia de nós mesmos, e a caridade com que, pelo bom exemplo, como discípulos de Cristo “impregnamos de seu espírito a mentalidade, os costumes, e a vida da cidade terrena”. Confiamos que a proteção da Santa Mãe de Deus nos conservará a fidelidade à Tradição na nossa profissão de fé e nas nossas práticas religiosas, como nos hábitos de nossa vida católica.
Dom Antônio de Castro Mayer, Carta Pastoral ‘Aggionarmento’ e Tradição.
O Leão de Campos (V): Quem era este homem? 18º aniversário de falecimento de Dom Antônio de Castro Mayer.
Dom Antônio de Castro Mayer 25 de abril de 1991.
Fidelium animae per misericordiam Dei
requiescant in pace.
Q |
uem era este homem elevado a uma posição de alta responsabilidade eclesiástica em 23 de maio de 1948? Quem era este homem que se tornaria uma das “duas testemunhas” da Igreja de sempre, sacrificando a honra do mundo e dias calmos na defesa da Fé Católica?
Todo homem permanece em certo grau envolto em mistério, o coração de cada personalidade humana individual e o centro de cada alma é aberto e revelado apenas para Deus. Há certos aspectos de Dom Antônio de Castro Mayer que não são misteriosos, mas abertos e claros a qualquer olho observador. Facetas de sua personalidade e aspectos de sua alma eram totalmente públicos. Era um daqueles homens abençoados com a unidade de ser, o interno e externo em harmonia, os vários lados de seu caráter unificados num todo. Um homem íntegro. Em seu caráter pode ser encontrado apenas dois mistérios reais a serem explorados mais tarde. Em sua época de fragmentação, insegurança e angústia existencial, andava ele, um homem justo, uno, em paz com seu Deus.
[...] Nesta primeira foto do novo bispo de Campos consagrado em 1948, a autoridade descansa confortavelmente em seu possuidor; há “aquilo no rosto que [qualquer um] chamaria de bom grado de senhor”. Todos que o conheciam e especialmente aqueles que foram afortunados o bastante para conhecê-lo bem atestam esta autoridade, um dom dado por Deus.
Eles não podem falar do homem e mencionar seu nome sem suas vozes e comportamento assumirem uma espécie de temor e reverência. E, todavia, curiosamente, eles nunca mencionam estas qualidades diretamente. Parecem quase inconscientes do grande efeito que a presença deste homem tinha sobre eles. Sua atitude e vitalidade criavam estima em todos que o encontravam, uma estima próxima da veneração. Ainda quando essas mesmas pessoas falavam diretamente de seu jeito, quando escreviam aquelas qualidades especiais que o faziam único, falavam primeiro de sua humildade, sua simplicidade, sua inocência. Modesto em sua juventude, permaneceu um homem humilde por toda sua vida. Nunca se promovendo nem trabalhando para garantir o avanço de sua carreira quando jovem, permaneceu distante das honras do mundo e muitas vezes mesmo de seus simples prazeres.
Durante sua enfermidade final, que foi longa, seu médico expressou espanto por nunca ter ouvido aquele homem reclamar sequer uma vez, pouco importasse quanto desconforto ou dor experimentava. Quando seus padres tiveram de cuidar dele por causa de seu estado enfraquecido, nunca o ouviram se queixar. Dependia de seus padres para suas refeições. Perguntavam-no: “prefere mamão ou banana de fruta?”. Replicava: “você escolhe”. “Mas temos as duas. Qual você prefere?”, respondiam. “Tanto faz, você escolhe”. As graças de Deus eram abundantes; Dom Antônio apreciaria qualquer coisa que aparecesse em seu caminho. Assim, não surpreende ter vivido numa simplicidade quase de um eremita, se poderia dizer pobreza, no palácio episcopal. Chegaria o dia em que o mundo o puniria por esta santa austeridade. Esse não é o jeito do mundo.
Seus prazeres terrenos eram poucos. Seus livros, claro, mas isso não é novidade. Aparentemente sua única verdadeira ligação a prazeres deste mundo era seu amor pelo pingue-pongue. Nos fins de seus dias, uma raquete em sua mão indicaria a primavera de vida renovada e energia juvenil. Uma raquete em sua mão extrairia do misterioso íntimo de seu ser um desejo competitivo invisível. Com zelo, ele desafiaria seus padres, os fiéis da diocese ou as crianças que o visitavam. A batalha de dentro e fora da raquete na bolinha branca de plástico sob o revestimento verde na mesa lhe dava grande alegria. Instituiu um campeonato especial e, quando já eram passados seus próprios dias como jogador, ainda se deliciava assistindo os quatrocentos meninos de toda a diocese mostrarem suas habilidades e avançarem os postos, raquetes em mãos, até a vitória final. Um troféu especial viaja toda primavera para a paróquia cujos moços mostraram a mais extraordinária proeza na competição de pingue-pongue daquele ano.
Tinha uma habilidade de mover-se entre seus fiéis e misturar-se com eles na vida cotidiana sem de qualquer maneira diminuir ou desfigurar sua autoridade. Sentia-se tão confortável oferecendo uma Missa Solene no Natal ou Páscoa diante de uma multidão abarrotada na Basílica do Santíssimo Salvador em Campos, uma igreja elevada ao status de basílica através de seus esforços, como ao oferecer uma benção à turma da primeira série em sua pequena cerimônia de formatura. Viveu a vida de sua diocese com os fiéis em todos os seus aspectos, em toda faceta possível da existência do dia-a-dia, e contudo sempre manteve sua dignidade como seu bispo. Serviria [como acólito] enquanto era bispo a Missa de seus jovens padres. O fazia sem falsa humildade e sem nunca fazê-los se sentir desajeitados. Não havia nada sobre sua própria Missa que a fizesse extraordinária, nada que a distinguisse. Era um bispo, sim; foi, além disso, um artesão, como o foi seu pai, fazendo bem seu trabalho e no melhor de suas habilidades, mas, ao mesmo tempo, ciente de que estava fazendo um trabalho. Sua atitude foi sempre “arregaçar as mangas e trabalhar”, e fez este trabalho sem pretensão ou esperança de elogios. As palavras do escritor inglês Evelyn Waugh vêm à mente. Numa carta escrita em 1964 ao Catholic Herald, Waugh alertava para os perigos da “renovação explosiva” dos inovadores do Concílio Vaticano Segundo “que desejam mudar o aspecto exterior da Igreja”. Ele chegava a descrever sua própria conversão, especificamente aqueles aspectos da Fé que o levaram à Igreja. Aquela “atração estranha” que mais o atraía, dizia, “era o espetáculo do padre e seus ajudantes na Missa rezada, subindo lentamente o altar sem dar uma olhada sequer para saber os muitos ou poucos que tem em sua congregação; um artesão e seu aprendiz; um homem com um trabalho que apenas ele é qualificado para fazer” (Waugh, Evelyn, A Little Order – Boston: Little, Brown, 1977 – pág. 188). O relato é uma descrição apropriada do trabalho do Bispo de Campos.
Um de seus padres o descreveu nestas palavras: “Ele foi um homem de grande simplicidade. Tinha a alma de uma criança”. Nunca falou mal de outros e se recusava a acreditar, às vezes para sua tristeza, que outros pensariam ou falariam mal dele. Amava crianças e aproveitava as ocasiões quando podia estar com elas. Era, em seu tranqüilo modo, uma delas.
Também permaneceu uma criança em sua devoção às suas mães, sua mãe terrena e sua Mãe espiritual. A incessante e intensa devoção de Dom Antônio à Santa Mãe de Deus marcou seu reinado em Campos. Uma de suas primeiras ações ao tornar-se Bispo de Campos foi publicar uma ordem especial a seus padres – doravante na diocese, ao fim de toda Missa, três Ave-Marias adicionais seriam rezadas pelo padre e fiéis à Nossa Santa Mãe com a intenção de que ela preservasse a verdadeira Fé Católica e de que a heresia nunca encontrasse abrigo na diocese. Tal devoção foi recompensada.
Ele mesmo rezaria o rosário em todas as horas do dia ou da noite. Seus padres relatam que quando viajavam com ele, muitas vezes ele os acordava em horas incomuns para rezar o rosário porque adorava rezar acompanhado. Certa vez durante uma visita ao seminário da Fraternidade São Pio X em Ecône, Suiça, o bispo acordou seus companheiros de viagem depois do “apagar das luzes” do seminário, uma hora de silêncio estritamente obrigatório, e anunciou seu desejo de rezar o rosário. Lembraram a ele que era tarde e que o seminário estava observando um período de silêncio e repouso, mas sua devoção a Nossa Senhora não seria dissuadida. Foram com ele assim que começou a andar pelos corredores do seminário com sua voz ecoando as Ave-Marias. As cabeças dos seminaristas enraivecidos começaram a aparecer enquanto mais e mais portas iam se abrindo bruscamente. Ao encontrar o vibrantemente fervoroso Dom Antônio como o réu rezador, suavemente fechavam suas portas e envergonhados retornavam para suas camas.
[...] A qualidade final de Dom Antônio de Castro Mayer que definia seu caráter é a óbvia – sua grande inteligência. Este dom é evidenciado em suas cartas pastorais e em sua vida, mas pode logo de início ser visto numa espécie de símbolo nas fotos do homem naqueles extraordinários óculos que adornavam seus olhos penetrantes. Se alguém fosse fazer uma caricatura do homem, começaria certamente por aqueles óculos. Pouco depois de sua elevação ao trono episcopal de Campos, os óculos apareceram – enormes, pesados, armação tipo concha. Os olhos escuros que brilham com intenso pensamento ficaram ampliados e pareciam colocados como jóias escuras nos sólidos círculos moldurados dos óculos. Eles dominavam sua cabeça e atraiam a atenção em toda fotografia para aqueles sábios olhos e à mente ágil trabalhando por detrás deles.
Na medida em que chegava a idade, o bispo e já pequeno homem começou a diminuir fisicamente, encolhendo em tamanho enquanto seu espírito crescia, e os óculos, por serem os mesmos, tornavam-se cada vez mais salientes. Pareciam se tornar gigantes. Ao fim de sua vida, quando os anos e as provações por defender a Fé e a Igreja de Cristo cobraram seu preço total e reduziram a forma física de Dom Antônio novamente ao tamanho diminutivo de um garoto, os óculos tomavam muito do espaço na menor tela da face e servia como prismas escuros radiando a inteligência para fora em fluxos de sábias luzes. No fim ele era uma “sábia criança”, um prodígio idoso para a época.
Padre Possidente, que cuidou do bispo até o fim, conta de sua recuperação de consciência exatos quarenta minutos antes de sua morte. Embora seu corpo estivesse reduzido ao desamparo, embora ele pudesse respirar com muita dificuldade, e embora a fala agora fosse algo do passado, “seus olhos estavam completamente vivos”. Eles cintilavam com “a verdadeira luz que ilumina todo homem e que veio a este mundo”, a luz que este bispo “conheceu”, “recebeu” e “intensificou”. Brilhavam com a “verdadeira luz” que não pode se apagar.
The Mouth of the Lion: Bishop Antonio de Castro Mayer and the last Catholic Diocese. Dr. David Allen White, Angelus Press, 1993 – pág. 51 a 57
“Exulta de alegria o pai do justo; alegrem-se o teu pai e a tua mãe”.
Exulta de alegria o pai do justo; alegrem-se o teu pai e a tua mãe, e exulte a que te gerou. Como são amáveis os vossos tabernáculos, ó Senhor dos exércitos! A minha alma suspira e desfalece pelos átrios do Senhor.Intróito da Missa da Sagrada Família – Prov. XXIII, 24 e 25; Salmo LXXXIII, 2 e 3.
A |
ntonio de Castro Mayer nasceu em Campinas, no estado de São Paulo, no Brasil, em 20 de junho de 1904. Seu pai, João Mayer, nasceu na católica região da Bavária, sul da Alemanha. Pedreiro profissional (embora certamente não um Pedreiro no sentido diabólico da palavra), emigrou quando jovem a procura de trabalho. Sua sorte não aumentou grandemente em sua chegada ao Brasil e a vida permaneceu dura. Se ele não encontrou grande oportunidade ou grande riqueza, encontrou uma excelente companheira numa devota e amável esposa, uma simples Católica brasileira, Francisca de Castro. O casal durante sua vida matrimonial nunca conheceu nada além da pobreza, mas Deus abençoou sua casa com doze filhos. Quando Antonio tinha apenas seis anos de idade seu pai faleceu. A família encontrou-se lutando ainda mais para sobreviver, pois João não deixou nenhuma herança para sua família. No fim de seus dias, seu filho Antonio diria sempre que seu pai, sim, deixou-lhe uma herança, uma grande herança – a Fé Católica.
Os muitos filhos trabalhavam duro para ajudar sua mãe e manter a família unida. O jovem moço encontrou em seus ombros responsabilidades e deveres que poderiam, em circunstâncias ordinárias, estar além das capacidades de um garoto, mas pela fidelidade de sua mãe, ajuda de seus irmãos e irmãs, e graça de Deus, ele amadureceu rapidamente e a família sobreviveu. Talvez como recompensa à sua humilde submissão em sacrificar sua juventude e assumir as obrigações de um adulto em tão tenra idade, Deus o abençoou com alma de criança que não envelhece, a qual conservou até o dia de sua morte. Aqueles que são velhos em sua juventude freqüentemente mantêm a simplicidade da inocência em sua velhice. Tal era o caso de Antonio de Castro Mayer. A humildade, abertura e pureza da infância permaneceram com ele durante seus oitenta e seis anos na terra.
A devoção ensinada às crianças pelo pai antes de sua morte e por sua mãe até mesmo em sua viuvez tornou-se evidente nas três vocações entre os doze irmãos. Duas das filhas desse casal fiel tornaram-se freiras, uma Dominicana, outra Concepcionista. Aos doze anos, Antonio ingressou no seminário menor da Arquidiocese de São Paulo, localizado em Bom Jesus de Pirapora, na época sob direção dos Padres Premonstrantenses. Transferiu-se para o seminário maior de São Paulo em 1922. Desde o início, distinguia-se por seu intelecto apurado. Por conta desse dom especial, dom combinado com intensa dedicação e incansável capacidade de trabalhar, foi mandado a Roma para estudar na Universidade Gregoriana. Em 30 de outubro de 1927 foi ordenado ao sacerdócio pelo Cardeal Basilio Pompilij, Vigário Geral para Sua Santidade, o Papa Pio XI. Em 1928 foi-lhe outorgado o título de doutor em Teologia da mesma universidade e retornou ao Brasil para iniciar uma carreira de ensino no Seminário de São Paulo. Pelos próximos treze anos ele ensinaria, primeiro Filosofia e História da Filosofia, e depois Teologia Dogmática.
Em 1940, Dom José Gaspar d’Afonseca e Silva, arcebispo de São Paulo, o nomeou Assistente Geral para a Ação Católica na arquidiocese, na época em período de reorganização. Em 1941 ele foi nomeado Cônego da Catedral Metropolitana da Sé de São Paulo com o título de Primeiro Tesoureiro. No ano seguinte tornou-se Vigário Geral da Arquidiocese de São Paulo.
Vinte anos após entrar no seminário menor aos doze anos, vinte anos após sair de uma difícil vida de pobreza, simplicidade e humilde devoção, Padre Antonio de Castro Mayer assumiu a posição de Vigário Geral de uma das mais importantes Arquidioceses do Brasil. Sua ascensão foi meteórica, seu caminho livre para honras ainda maiores.
O que ocorreu depois permanece aberto a interpretações. Em 1945, Antonio de Castro Mayer foi transferido para a paróquia de São José de Belém e iniciou a missão de inspecionar o currículo da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo. Permaneceu nesse posto até 6 de março de 1948, quando Sua Santidade, o Papa Pio XII, o nomeou bispo titular de Priene e Coadjuntor com direito de sucessão ao bispo de Campos. Muitos vêem isso como simplesmente uma progressão natural de nomeações, a carreira seguindo os arranjos comuns de mudanças de uma indicação para outra, o padre sempre se distinguindo em qualquer trabalho vindo a suas mãos. Há outra interpretação, contudo. Alguns vêem na mudança de Vigário Geral da importante diocese de São Paulo para as menores e menos proeminentes posições na paróquia e universidade uma repentina ruptura na constante linha ascendente de sucesso e promoção que caracteriza o início de carreira. Poderia mesmo a seleção como Bispo designado de Campos, uma pobre e não particularmente poderosa diocese, ser vista como uma significante mudança no progresso para cima dessa carreira eclesiástica? Antonio de Castro Mayer pode já num estágio relativamente cedo da carreira ter se tornado uma fonte de preocupação para certos eclesiásticos, que podem ter tentado desviar a correnteza de sucesso, para remover algo da influência e enviá-lo para lugares mais nebulosos, onde sua voz não teria tal presença ou altura para muitos ouvintes.
(The Mouth of the Lion, Dr. David Allen White. Angelus Press, 1993 – Pág. 37-39)