CIDADE DO VATICANO, quinta-feira, 3 de novembro de 2011 (ZENIT.org) – Apresentamos, a seguir, a catequese que o Papa Bento XVI dirigiu ontem aos fiéis reunidos para a audiência geral.
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Queridos irmãos e irmãs:
Depois de celebrarmos a solenidade de Todos os Santos, a Igreja nos convida hoje a relembrar os fiéis defuntos, a dirigir nosso olhar para tantos rostos que nos precederam e concluíram o seu caminho terreno. Na audiência deste dia, por isso, eu gostaria de propor a vocês alguns pensamentos singelos sobre a realidade da morte, que, para nós, cristãos, é iluminada pela Ressurreição de Cristo, a fim de renovarmos a fé na vida eterna.
Nestes dias, nós vamos ao cemitério rezar pelas pessoas queridas que nos deixaram. Quase uma visita para expressar, mais uma vez, o nosso afeto, para senti-los perto, recordando também, deste modo, um artigo do Credo: creio na comunhão dos santos. Há um vínculo estreito entre nós, que caminhamos nesta terra, e os muitos irmãos e irmãs que já alcançaram a eternidade.
Desde sempre, o homem se preocupa com os seus mortos e tenta dar a eles uma espécie de segunda vida através da atenção, do cuidado, do afeto. Em certo sentido, queremos conservar a sua experiência de vida. E, paradoxalmente, o modo como eles viveram, o que eles amaram, o que eles temeram, o que esperaram e o que detestaram, nós descobrimos precisamente pelos seus túmulos, onde lembranças se acumulam. São quase como um espelho do seu mundo.
Por quê? Porque embora a morte seja um tema quase proibido em nossa sociedade, e pretendam continuamente tirar da nossa mente o mero pensamento da morte, ela nos afeta, a cada um de nós; ela afeta o homem de todo tempo e de todo lugar. E diante deste mistério, todos, mesmo inconscientemente, procuramos algo que nos convide a esperar, um sinal que nos dê consolo, que abra algum horizonte, que ofereça um futuro. O caminho da morte, na verdade, é um caminho de esperança, e percorrer os nossos cemitérios, e ler as inscrições nas lápides, é percorrer um caminho traçado pela esperança de eternidade.
Mas por que tememos a morte? Por que a humanidade, em sua maioria, nunca se resignou a crer que depois dela não haja simplesmente nada? Eu diria que as respostas são muitas: tememos a morte porque temos medo do nada, desse partir rumo a algo que não conhecemos. E existe em nós um sentimento de rejeição porque não podemos aceitar que tudo o que de belo e de grande foi realizado durante toda uma existência seja eliminado de repente, caia no abismo do nada. Acima de tudo, sentimos que o amor exige eternidade, e não é possível que ele seja destruído pela morte num único instante.
Também temos medo diante da morte porque, quando nos encontramos no final da existência, existe a percepção de que há um juízo sobre as nossas ações, sobre o modo como levamos a vida, especialmente naqueles pontos sombrios que, com habilidade, sabemos retirar ou tentamos retirar da nossa consciência. Eu diria que precisamente o juízo está implícito no cuidado do homem de todos os tempos pelos defuntos, na atenção pelas pessoas que foram significativas para ele e que já não estão junto dele no caminho da vida terrena. Num certo sentido, os gestos de afeto, de amor, que rodeiam o defunto, são uma forma de protegê-lo, na convicção de que não ficarão sem efeito no juízo. Podemos captar isto na maior parte das culturas que caracterizam a história do homem.
Hoje o mundo se tornou, pelo menos aparentemente, muito mais racional, ou melhor, difundiu-se a tendência a pensar que toda realidade deve ser vista com os critérios da ciência experimental, e que também a morte deve ser respondida não a partir da fé, mas de conhecimentos empíricos. Não percebemos direito que, assim, caímos em formas de espiritismo, na pretensão de ter algum contato com o mundo além da morte, quase imaginando uma realidade que seria uma cópia da realidade presente.
Queridos amigos, a solenidade de Todos os Santos e a Comemoração dos Fiéis Defuntos nos dizem que só quem pode reconhecer uma grande esperança na morte pode também viver uma vida a partir da esperança. Se reduzimos o homem exclusivamente à sua dimensão horizontal, àquilo que podemos perceber empiricamente, a própria vida perde o seu sentido profundo. O homem precisa da eternidade, e qualquer outra esperança para ele é breve demais, limitada demais.
O homem pode ser explicado somente se existe um Amor que supera todo isolamento, inclusive o da morte, numa totalidade que transcende também o espaço e o tempo. O homem pode ser explicado, ele encontra o seu sentido mais profundo, só se Deus existe. E nós sabemos que Deus saiu da sua lonjura e se fez próximo, entrou em nossa vida e nos disse: ‘Eu sou a Ressurreição e a Vida. Quem crê em mim, mesmo morrendo, viverá: e todo aquele que vive e crê em mim não morrerá jamais’ (Jo 11,25-26)”.
Pensemos um momento na cena do Calvário e voltemos a escutar as palavras de Jesus, do alto da cruz, voltadas ao ladrão crucificado à sua direita: “Em verdade te digo: ainda hoje estarás comigo no Paraíso” (Lc 23,43). Pensemos nos dois discípulos a caminho de Emaús, quando, depois de andarem um trecho com Jesus Ressuscitado, eles o reconhecem e partem sem duvidar de volta a Jerusalém, para anunciar a Ressurreição do Senhor (cf. Lc 24,13-35). Voltam à nossa mente as palavras do Mestre com renovada clareza: “Não se perturbe o vosso coração, tende fé em Deus e tende fé em mim. Na casa do meu Pai há muitas moradas. Se não, eu não vos teria dito: 'Vou preparar-vos um lugar’” (Jo 14, 1-2).
Deus se mostrou verdadeiramente, tornou-se acessível, amou tanto o mundo, “que deu o seu Filho único, para que todo o que nele crer não pereça, mas tenha a vida eterna” (Jo 3,16); e no supremo ato de amor da cruz, submergindo-se no abismo da morte, venceu-a, ressuscitou e abriu também para nós as portas da eternidade. Cristo nos sustenta por meio da noite da morte que Ele mesmo atravessou; é o Bom Pastor, sob cuja guia podemos nos confiar sem temor, já que Ele conhece bem o caminho, também atravessou a escuridão.
Cada domingo, recitando o Credo, reafirmamos esta verdade. E, ao visitar os cemitérios para rezar com carinho e amor pelos nossos defuntos, somos convidados, mais uma vez, a renovar com coragem e força a nossa fé na vida eterna; e mais ainda: a viver com esta grande esperança e a dar testemunho dela ao mundo: depois do presente, não está o nada. E precisamente a fé na vida eterna dá ao cristão a coragem para amar ainda mais intensamente esta nossa terra e trabalhar para construir-lhe um futuro, para dar-lhe uma esperança verdadeira e segura.
[No final da audiência, Bento XVI saudou os peregrinos em vários idiomas. Em português, disse:]
Queridos irmãos e irmãs:
Hoje a Igreja nos convida a pensar em todos aqueles que nos precederam, tendo concluído o seu caminho terreno. Na comunhão dos Santos, existe um profundo vínculo entre nós que ainda caminhamos nesta terra e a multidão de irmãos e irmãs que já alcançaram a eternidade. Em definitiva, o homem tem necessidade da eternidade; mas por que experimentamos o medo diante da morte? Dentre as várias razões, está o fato de que temos medo do nada, de partir para o desconhecido. Não podemos aceitar que de improviso caia, no abismo do nada, tudo aquilo que de belo e de grande tenhamos feito durante a nossa vida. Sobretudo, sentimos que o amor requer a eternidade, não pode ser destruído pela morte assim num momento. Além disso, assusta-nos a morte, por causa do juízo sobre as nossas ações que a ela se segue. Mas Deus manifestou-Se enviando o seu Filho Unigênito para que todo aquele que acredita não se perca, mas tenha a vida eterna. É consolador saber que existe um Amor que supera a morte, um amor que é o próprio Deus que se fez homem e afirmou: «Eu sou a ressurreição e a vida. Quem crê em mim, ainda que tenha morrido, viverá» (Jo 11,25).
Saúdo com afeto os peregrinos de língua portuguesa, em particular os brasileiros vindos de diversas cidades do Estado de São Paulo. Exorto-vos a construir a vossa vida aqui na terra trabalhando por um futuro marcado por uma esperança verdadeira e segura, que abra para a vida eterna. Que Deus vos abençoe!
[Tradução: Elton Chitolina/Aline Banchieri.
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Queridos irmãos e irmãs:
Depois de celebrarmos a solenidade de Todos os Santos, a Igreja nos convida hoje a relembrar os fiéis defuntos, a dirigir nosso olhar para tantos rostos que nos precederam e concluíram o seu caminho terreno. Na audiência deste dia, por isso, eu gostaria de propor a vocês alguns pensamentos singelos sobre a realidade da morte, que, para nós, cristãos, é iluminada pela Ressurreição de Cristo, a fim de renovarmos a fé na vida eterna.
Nestes dias, nós vamos ao cemitério rezar pelas pessoas queridas que nos deixaram. Quase uma visita para expressar, mais uma vez, o nosso afeto, para senti-los perto, recordando também, deste modo, um artigo do Credo: creio na comunhão dos santos. Há um vínculo estreito entre nós, que caminhamos nesta terra, e os muitos irmãos e irmãs que já alcançaram a eternidade.
Desde sempre, o homem se preocupa com os seus mortos e tenta dar a eles uma espécie de segunda vida através da atenção, do cuidado, do afeto. Em certo sentido, queremos conservar a sua experiência de vida. E, paradoxalmente, o modo como eles viveram, o que eles amaram, o que eles temeram, o que esperaram e o que detestaram, nós descobrimos precisamente pelos seus túmulos, onde lembranças se acumulam. São quase como um espelho do seu mundo.
Por quê? Porque embora a morte seja um tema quase proibido em nossa sociedade, e pretendam continuamente tirar da nossa mente o mero pensamento da morte, ela nos afeta, a cada um de nós; ela afeta o homem de todo tempo e de todo lugar. E diante deste mistério, todos, mesmo inconscientemente, procuramos algo que nos convide a esperar, um sinal que nos dê consolo, que abra algum horizonte, que ofereça um futuro. O caminho da morte, na verdade, é um caminho de esperança, e percorrer os nossos cemitérios, e ler as inscrições nas lápides, é percorrer um caminho traçado pela esperança de eternidade.
Mas por que tememos a morte? Por que a humanidade, em sua maioria, nunca se resignou a crer que depois dela não haja simplesmente nada? Eu diria que as respostas são muitas: tememos a morte porque temos medo do nada, desse partir rumo a algo que não conhecemos. E existe em nós um sentimento de rejeição porque não podemos aceitar que tudo o que de belo e de grande foi realizado durante toda uma existência seja eliminado de repente, caia no abismo do nada. Acima de tudo, sentimos que o amor exige eternidade, e não é possível que ele seja destruído pela morte num único instante.
Também temos medo diante da morte porque, quando nos encontramos no final da existência, existe a percepção de que há um juízo sobre as nossas ações, sobre o modo como levamos a vida, especialmente naqueles pontos sombrios que, com habilidade, sabemos retirar ou tentamos retirar da nossa consciência. Eu diria que precisamente o juízo está implícito no cuidado do homem de todos os tempos pelos defuntos, na atenção pelas pessoas que foram significativas para ele e que já não estão junto dele no caminho da vida terrena. Num certo sentido, os gestos de afeto, de amor, que rodeiam o defunto, são uma forma de protegê-lo, na convicção de que não ficarão sem efeito no juízo. Podemos captar isto na maior parte das culturas que caracterizam a história do homem.
Hoje o mundo se tornou, pelo menos aparentemente, muito mais racional, ou melhor, difundiu-se a tendência a pensar que toda realidade deve ser vista com os critérios da ciência experimental, e que também a morte deve ser respondida não a partir da fé, mas de conhecimentos empíricos. Não percebemos direito que, assim, caímos em formas de espiritismo, na pretensão de ter algum contato com o mundo além da morte, quase imaginando uma realidade que seria uma cópia da realidade presente.
Queridos amigos, a solenidade de Todos os Santos e a Comemoração dos Fiéis Defuntos nos dizem que só quem pode reconhecer uma grande esperança na morte pode também viver uma vida a partir da esperança. Se reduzimos o homem exclusivamente à sua dimensão horizontal, àquilo que podemos perceber empiricamente, a própria vida perde o seu sentido profundo. O homem precisa da eternidade, e qualquer outra esperança para ele é breve demais, limitada demais.
O homem pode ser explicado somente se existe um Amor que supera todo isolamento, inclusive o da morte, numa totalidade que transcende também o espaço e o tempo. O homem pode ser explicado, ele encontra o seu sentido mais profundo, só se Deus existe. E nós sabemos que Deus saiu da sua lonjura e se fez próximo, entrou em nossa vida e nos disse: ‘Eu sou a Ressurreição e a Vida. Quem crê em mim, mesmo morrendo, viverá: e todo aquele que vive e crê em mim não morrerá jamais’ (Jo 11,25-26)”.
Pensemos um momento na cena do Calvário e voltemos a escutar as palavras de Jesus, do alto da cruz, voltadas ao ladrão crucificado à sua direita: “Em verdade te digo: ainda hoje estarás comigo no Paraíso” (Lc 23,43). Pensemos nos dois discípulos a caminho de Emaús, quando, depois de andarem um trecho com Jesus Ressuscitado, eles o reconhecem e partem sem duvidar de volta a Jerusalém, para anunciar a Ressurreição do Senhor (cf. Lc 24,13-35). Voltam à nossa mente as palavras do Mestre com renovada clareza: “Não se perturbe o vosso coração, tende fé em Deus e tende fé em mim. Na casa do meu Pai há muitas moradas. Se não, eu não vos teria dito: 'Vou preparar-vos um lugar’” (Jo 14, 1-2).
Deus se mostrou verdadeiramente, tornou-se acessível, amou tanto o mundo, “que deu o seu Filho único, para que todo o que nele crer não pereça, mas tenha a vida eterna” (Jo 3,16); e no supremo ato de amor da cruz, submergindo-se no abismo da morte, venceu-a, ressuscitou e abriu também para nós as portas da eternidade. Cristo nos sustenta por meio da noite da morte que Ele mesmo atravessou; é o Bom Pastor, sob cuja guia podemos nos confiar sem temor, já que Ele conhece bem o caminho, também atravessou a escuridão.
Cada domingo, recitando o Credo, reafirmamos esta verdade. E, ao visitar os cemitérios para rezar com carinho e amor pelos nossos defuntos, somos convidados, mais uma vez, a renovar com coragem e força a nossa fé na vida eterna; e mais ainda: a viver com esta grande esperança e a dar testemunho dela ao mundo: depois do presente, não está o nada. E precisamente a fé na vida eterna dá ao cristão a coragem para amar ainda mais intensamente esta nossa terra e trabalhar para construir-lhe um futuro, para dar-lhe uma esperança verdadeira e segura.
[No final da audiência, Bento XVI saudou os peregrinos em vários idiomas. Em português, disse:]
Queridos irmãos e irmãs:
Hoje a Igreja nos convida a pensar em todos aqueles que nos precederam, tendo concluído o seu caminho terreno. Na comunhão dos Santos, existe um profundo vínculo entre nós que ainda caminhamos nesta terra e a multidão de irmãos e irmãs que já alcançaram a eternidade. Em definitiva, o homem tem necessidade da eternidade; mas por que experimentamos o medo diante da morte? Dentre as várias razões, está o fato de que temos medo do nada, de partir para o desconhecido. Não podemos aceitar que de improviso caia, no abismo do nada, tudo aquilo que de belo e de grande tenhamos feito durante a nossa vida. Sobretudo, sentimos que o amor requer a eternidade, não pode ser destruído pela morte assim num momento. Além disso, assusta-nos a morte, por causa do juízo sobre as nossas ações que a ela se segue. Mas Deus manifestou-Se enviando o seu Filho Unigênito para que todo aquele que acredita não se perca, mas tenha a vida eterna. É consolador saber que existe um Amor que supera a morte, um amor que é o próprio Deus que se fez homem e afirmou: «Eu sou a ressurreição e a vida. Quem crê em mim, ainda que tenha morrido, viverá» (Jo 11,25).
Saúdo com afeto os peregrinos de língua portuguesa, em particular os brasileiros vindos de diversas cidades do Estado de São Paulo. Exorto-vos a construir a vossa vida aqui na terra trabalhando por um futuro marcado por uma esperança verdadeira e segura, que abra para a vida eterna. Que Deus vos abençoe!
[Tradução: Elton Chitolina/Aline Banchieri.