COMENTÁRIO PRÉVIO
André F. Falleiro Garcia
O Site da Sacralidade apresenta a tradução de dois artigos de Julio Alvear, estudioso do assunto Fátima. Já divulgamos, do mesmo autor, o artigo “O Vaticano publicou o autêntico Terceiro Segredo de Fátima?”[1]
O público brasileiro infelizmente não acompanha a controvérsia sobre o assunto Fátima. O conteúdo dos artigos em tela evidencia o quanto o tema não é pacífico e provoca acirrado debate tanto nos ambientes católicos europeus quanto norte-americanos.
Importa conhecer o pensamento dos mais variados pensadores do movimento conservador e tradicionalista para promover o debate ideológico. Julio Alvear, inteligente intelectual chileno, dedica sua penetrante atenção a esse tema, de primeira grandeza no firmamento católico, e prepara o futuro lançamento de um livro. Da Espanha, onde atualmente mora, Alvear comenta a chegada a esse país do cardeal Tarcisio Bertone e a relaciona com Fátima.
Na revelação pública do Terceiro Segredo foi relevante a participação do mesmo prelado, nessa época arcebispo. Com efeito, na conferência pública de divulgação do III Segredo, realizada no Vaticano em 26 de junho de 2000, o arcebispo Bertone compareceu como Secretário da Congregação para a Doutrina da Fé. Mas o então cardeal Joseph Ratzinger presidiu o ato na qualidade de Prefeito da referida Congregação; ademais, na ocasião foi divulgado um Comentário Teológico de sua autoria, a respeito da terceira parte da mensagem que então estava sendo divulgada. A responsabilidade do Cardeal Ratzinger foi nitidamente maior do que a do Arcebispo Bertoni quanto à autenticidade da documentação apresentada.
Mas logo começaram a aparecer críticas, das mais variadas procedências, à documentação divulgada. Foi então que jornalistas e escritores da maior confiança e com livre trânsito nos corredores vaticanos, como Vittorio Messori e Antonio Socci, começaram a preparar o campo para uma eventual revisão ou complementação do material apresentado em 2000. Para aliviar a maior responsabilidade que o Cardeal Ratzinger, hoje Bento XVI, teve no assunto, fizeram recair exclusivamente nos ombros do Cardeal Bertone a culpa pelo que houve de falho ou incompleto no solene ato de divulgação do Terceiro Segredo. E consideraram como autêntico e fidedigno o documento atribuído à Irmã Lúcia, que consistiu na descrição de uma visão na qual aparecia um anjo que portava uma espada em sua mão esquerda etc.
A gravidade de toda essa questão é incomensurável. Trata-se das palavras da própria Mãe de Deus. Deveriam ter sido reveladas em 1960 e não o foram. Quando foi feita a apresentação pública da documentação em 2000, já tinham se passado quarenta anos, e ainda assim, não se apresentou aquilo que mais interessava. É desconcertante!
Praticamente nove anos se passaram desde então. Se a ação embusteira do ano 2000 foi gravíssima, a omissão, que vem desde o ano de 1960, não foi menos grave. Será que os responsáveis por tal ação e omissão — de suma gravidade — levam em conta o desagrado de Nossa Senhora com a manipulação de sua profética mensagem ao mundo? Se o verdadeiro texto do Terceiro Segredo até hoje não foi revelado, justamente aquele que é a continuação da conhecida frase “Em Portugal manter-se-á o dogma da fé etc.”, por que se deveria acreditar com absoluta certeza que a visão apresentada no ano 2000 realmente faz parte do Terceiro Segredo?
O SEGREDO DE FÁTIMA E A VISITA DO CARDEAL BERTONE A MADRID
JULIO ALVEAR T.
O Cardeal Tarcisio Bertone visitou Madrid em 4 de fevereiro de 2009. Ele é o “segundo homem do Vaticano”, o Secretário de Estado de Bento XVI. Nós, entretanto, não sentimos a alegria que deveríamos ter diante da chegada de tão alta autoridade da Igreja, que se supõe que nos visita para aliviar a carga — já bastante pesada — carregada pelo catolicismo espanhol face aos avanços da esquerda anticlerical.[2]
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De acordo com observadores bem informados, Sua Eminência veio fazer esforços para chegar a um acordo com o governo e assim impedir a futura lei do aborto, que autoriza o assassinato sem restrições de embriões com até 14 ou 16 semanas de vida. O projeto de lei está sendo promovido no Congresso pelos socialistas “especialistas em humanidade”.
Talvez Sua Eminência realmente venha por uma boa causa. Gostaria de dizer que ele não nos visita simplesmente para melhorar as relações com o governo socialista espanhol – como ele fez na Cuba comunista, onde ele deu seu apoio à tirania castrista – e sim para exigir o respeito pela lei natural e a Lei de Deus. Mas isto não acontece. E não posso elogiá-lo, por suas atitudes, diplomacia e palavras.
Cada vez que o vejo, lembro-me da seqüência interminável de seus malabarismos para sepultar a mensagem profética que a Mãe de Deus anunciou em Fátima, para a Igreja e o mundo.
Por exemplo, suas intromissões vergonhosas com Irmã Lúcia, a última vidente de Fátima, anos antes de sua morte. Sua tentativa de interferência na RAI (rede de televisão italiana) para negar que o Cardeal Albino Luciani, um ano antes de ser elevado à Cátedra de Pedro com o nome de João Paulo I, havia se entrevistado com a célebre monja.
E o seu propósito de desprestigiar os escritores católicos que na Itália solicitaram ao papa Bento XVI que, por amor à Igreja, revelasse o Terceiro Segredo de Fátima, pois o que foi publicado no ano 2000 — graças às astúcias e argúcias do Cardeal Bertone, então secretário da Congregação para a Doutrina da Fé — não estava íntegro. Poderia continuar esta lista, mas não o farei. Não tenho a intenção de mostrar todo o iceberg, apenas sua superfície.
Penso que o que mais preocupa a Sua Eminência não é que se conheçam os detalhes de sua atuação, mas que se debata sobre a apostasia geral dentro da Igreja causada pelo Concílio Vaticano II, prevista, segundo tudo leva a crer, no Terceiro Segredo de Fátima.
Mas o que Sua Eminência necessita considerar, é que ele não poderia jogar com uma mensagem que veio do Céu. Manipular o que pertence à Mãe de Deus é tocar em fio de alta tensão. Os segredos da justiça de Deus estão guardados nessa mensagem. E os desígnios da justiça divina podem sofrer demoras, mas sempre são cumpridos.
Os Papas ao longo do século XX, na medida em que foram informados da Mensagem de Fátima, expressaram profunda preocupação a respeito dela. Entretanto, toda a Igreja foi muito prejudicada porque o Terceiro Segredo não foi revelado no ano de 1960, a data que tinha sido indicada por Nossa Senhora. Ao invés, foi dada uma ordem para silenciar sobre o seu conteúdo. E quando no ano 2000 a Santa Sé decidiu publicá-lo (e o Cardeal Bertone sabe disto mais do que ninguém), o principal manuscrito não foi divulgado.
Por esta razão nós não nos entusiasmamos com a visita de Sua Eminência, que nos recorda, de maneira muito viva, os compromissos feitos por algumas das mais altas figuras da Igreja, de reduzirem ao silêncio a própria Mãe de Deus. Será que realmente acreditam que esse silêncio da Santíssima Virgem será mantido para sempre?
O TERCEIRO SEGREDO DE FÁTIMA E O CARDEAL BERTONE: RECORDANDO O QUE NÃO PODEMOS ESQUECER
JULIO ALVEAR T.
Ontem chegaram muitas mensagens ao nosso correio eletrônico, vindas de diversos países, especialmente da Espanha, pedindo-nos mais detalhes sobre o que apontamos em nosso artigo “O Segredo de Fátima e a visita do Cardeal Bertone a Madrid”.
A postura do Cardeal Bertone sobre o Terceiro Segredo de Fátima foi muito debatida na Itália, quando houve grande alvoroço nos círculos internos da Santa Sé, provocado pelo lançamento do livro do vaticanista Antonio Socci “Il quarto segretto di Fátima” (Rizzoli, 2006), dedicado a Bento XVI.
Vamos apresentar aos nossos amigos, a seguir, quatro “pérolas”, que nos farão refletir mais um pouco sobre a Mensagem de Fátima, e a necessidade imperiosa de não nos esquecermos dela.
1. O Cardeal Silvio Oddi, que foi Prefeito da Congregação para o Clero no pontificado de João Paulo II, e muito próximo de João XXIII em seu tempo, contou certa ocasião um fato muito ilustrativo:
“Aproveitando a grande confiança que reinava entre nós [com o papa João XXIII], perguntei-lhe abertamente: ‘Santo Padre, há algo que não posso perdoá-lo’. ‘E o que é?’, perguntou-me. ‘Ter feito o mundo inteiro esperar durante tantos anos, e ter deixado passar alguns meses desde o início de 1960 sem que saibamos algo’ [do Terceiro Segredo]. O Papa Roncalli me respondeu: ‘Não me volte a falar disto’. Eu repliquei: ‘Se assim o desejais, não falarei mais. Mas não podeis evitar que o façam os demais’. Ele respondeu: ‘Já te disse que não me fales mais’. Eu não voltei a insistir.”[3]
Trinta anos mais tarde, depois que correu muita água debaixo da ponte, o Cardeal Oddi confessou para a mesma revista: “O Segredo de Fátima contém uma profecia triste sobre a Igreja, e é por isto que o Papa João não o divulgou, Paulo VI e João Paulo II fizeram o mesmo. Parece-me que está mais ou menos escrito que em 1960 o Papa convocaria um Concílio, do qual, contrariamente às expectativas, indiretamente derivariam muitas dificuldades para a Igreja”.[4]
2. Antonio Socci, o qual, no ano 2002 havia rejeitado pela imprensa as críticas que os setores tradicionalistas faziam ao então Mons. Bertone por não revelar integralmente o Terceiro Segredo, retificou com honestidade intelectual e de modo público sua opinião, após ter feito uma longa e substanciosa investigação sobre o tema.
Em seu livro “Il quarto segreto di Fátima” (Rizzoli, 2006), prova a existência de dois manuscritos, em sua gênese e desenvolvimento histórico, e conclui que o que foi publicado pelo Vaticano no ano 2000 não está completo. Falta o manuscrito que corresponde às palavras da Virgem, e que explicam a visão já difundida pelo Vaticano. A este manuscrito, o autor o chama “O Quarto Segredo”, e corresponde ao Terceiro Segredo originário. Neste se adverte em termos apocalípticos a perda da fé na Igreja a partir do Concílio Vaticano II (Os traços diversos dos dois manuscritos são apresentados nas pp. 139-154).
O livro de Solideo Pasolini que teria provocado a mudança de postura de Antonio Socci | Outro autor, Marco Tosatti, afirmou que o Vaticano não quis revelar o manuscrito que contém o Terceiro Segredo. |
3. A propósito da obra de Socci, Vittorio Messori, o mais lido escritor católico italiano, muito próximo de Bento XVU, publicou um artigo intitulado “Fátima, um quarto segredo a revelar: Uma parte da mensagem teria ficado oculta por razões diplomáticas”[5], no qual manifesta suas sérias dúvidas sobre o que foi revelado pelo Cardeal Bertone.
4. Mons. Loris Capovilla. A existência de dois manuscritos foi confirmada no ano 2006 por uma das figuras mais importantes da Igreja no tema de Fátima, pois é uma das poucas personalidades que conheceram o conteúdo do Segredo antes do ano 2000. Trata-se de Mons. Loris Capovilla, secretário de João XXIII, conhecido como o “afetuoso guardião da memória do papa João” (autor das mais célebres memórias sobre o Papa Roncalli). Foi a ele que Paulo VI mandou consultar para saber a localização do envelope que continha o manuscrito original do Terceiro Segredo, e que não se conservava nos arquivos vaticanos, como indicou o Cardeal Bertone, mas nos aposentos papais.
No seu retiro em Bérgamo, Mons. Loris Capovilla declarou ao escritor Solideo Paolini, que uma coisa era o manuscrito do Terceiro Segredo, e outra, o publicado no ano 2000 pelo Cardeal Bertone, ao qual chamou simplesmente o “documento Bertone”.
Terá este blog a intenção de desprestigiar o Cardeal Bertone — o “segundo homem do Vaticano” — no momento em que visita a Espanha em uma delicada conjuntura? Não. Queremos olhar mais acima dessa conjuntura, e com nossa pena sendo guiada pela fé católica, queremos recordar que nada pode frutificar, para o bem da Igreja, de nossa Igreja, se previamente não tiverem sido retificados os caminhos que conduziram à recusa da mensagem da Mãe de Deus em Fátima.
Este parece ser o momento propício para pedir a Bento XVI que dê um passo a mais, para romper o círculo de ferro que o rodeia, e ordenar solenemente, para o bem da Igreja e do mundo, que se dê a conhecer o conteúdo do Terceiro Segredo de Fátima, silenciado inexplicavelmente desde 1960.
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NOTAS:
[3] Cfr.“30 Giorni”, abril de 1961, in Miguel, Aura, “El Secreto que guía al Papa. La experiencia de Fátima en el Pontificado de Juan Pablo II”, Rialp, Madrid, 2001, p.154.
[4] Cfr. 30 Giorni”, edição de 11 de novembro de 1990, p. 69.
[5] Cfr. “Corriere della Sera”, edição de 21 de novembro de 2006.
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— Tradução: André F. Falleiro Garcia
O primeiro artigo ("O Segredo ....") foi traduzido a partir da versão em inglês publicada no site Tradition in Action. O segundo artigo ("O Terceiro ....") foi traduzido do original em espanhol publicado no blog La Reacción Católica.
fonte:sacralidade