sexta-feira, 4 de junho de 2010

Homilia do Papa Bento XVI na Missa de Corpus Christi


Queridos irmãos e irmãs!
O sacerdócio do Novo Testamento está intimamente ligado à Eucaristia.  Hoje, Solenidade de Corpus Christi e próximos do fim do Ano Sacerdotal, somos convidados a meditar sobre a relação entre a Eucaristia e o sacerdócio de Cristo. … Ela é a alegria da comunidade, a alegria de toda a Igreja, que, contemplando e adorando o Santíssimo Sacramento, reconhece a presença real e permanente de Jesus, o eterno Sumo Sacerdote.
A primeira coisa que deve sempre ser tida em mente é que Jesus não foi um sacerdote conforme a tradição judaica. Sua família não era sacerdotal. Ele não pertencia aos descendentes de Aarão, mas de Judá, e, portanto, estava excluído do sacerdócio. A pessoa e a atividade de Jesus de Nazaré não se encontram no modo dos antigos sacerdotes, mas sim no dos profetas – e nesta linha, distanciou-se de uma concepção ritual de religião, criticando a abordagem que dava mais valor aos preceitos humanos ligados à pureza ritual do que à observância dos mandamentos de Deus, isto é, àquele amor a Deus e ao próximo que “vale mais que todos os holocaustos e sacrifícios” (Marcos 12:33).
Mesmo dentro do Templo de Jerusalém, lugar sagrado por excelência, Jesus cumpriu um gesto puramente profético quando expulsa os cambistas e vendedores de animais, coisas que eram usadas para os tradicionais oferecimentos de sacrifícios. Portanto, Jesus não é reconhecido como um Messias sacerdotal, mas profético e real. Mesmo sua morte, que os cristãos corretamente chamam “sacrifício”, não tem nada dos antigos sacrifícios. Na realidade, foi o oposto: uma morte das mais infamantes, por crucifixão, que ocorreu fora dos muros de Jerusalém.
Em que sentido, então, Jesus é um sacerdote? A Eucaristia nos dá a resposta precisa. Podemos começar, novamente, daquelas palavras simples que descrevem Melquisedec: “Ele ofereceu pão e vinho” (Gênesis 14:18). É o que fez Jesus na última ceia: ofereceu pão e vinho, e neste gesto resumiu a Si mesmo e toda sua missão. Naquele ato, na oração que o precede e nas palavras que o acompanham, está todo o sentido do mistério de Cristo, como a Epístola aos Hebreus expressa em um passo decisivo que deve ser mencionado: “Nos dias de Sua vida terrena,” escreve o autor referindo-se a Jesus, “Ele ofereceu orações e súplicas, com fortes gritos e lágrimas a Deus que poderia salvá-Lo da morte, e, por causa de seu completo abandono a Deus, Suas orações foram ouvidas e respondidas. Embora ele fosse filho, aprendeu a obediência daquilo que sofreu e foi designado por Deus para ser sacerdote da ordem de Melquisedec”(5.8 to 10). Neste texto, que claramente alude à agonia espiritual do Getsemani, a paixão de Cristo é apresentada como uma oração e uma oferta. Jesus encara Sua “hora”, que leva à morte em uma cruz, imerso em profunda oração, que consiste na união de Sua própria vontade com o Pai. Esta vontade dupla e única é uma vontade de amor. Vivida nesta oração, a trágica prova que Jesus enfrenta é transformada em oferta, um sacrifício vivo.
A Carta aos Hebreus diz que Jesus “foi ouvido”. Em que sentido? No sentido que Deus Pai O libertou da morte e O ressuscitou. Foi ouvido precisamente por causa de Seu completo abandono à vontade do Pai: o plano de amor de Deus pôde perfeitamente ser cumprido em Jesus, que, tendo obedecido mesmo até a morte numa cruz, tornou-se “causa de salvação” a todos aqueles que Lhe obedecem. Ele se torna o Sumo Sacerdote, tendo tomado sobre Si todos os pecados do mundo, como o “Cordeiro de Deus”. É o Pai que dá este sacerdócio a Ele no próprio momento em que Jesus atravessa a passagem de sua morte e ressurreição. Não é um sacerdócio segundo a ordem da Lei Mosaica (cf. Lev. 8-9), mas “segundo a ordem de Melquisedec” – segundo uma ordem profética, dependente apenas de seu relacionamento singular com Deus.
Retornemos à expressão da Carta aos Hebreus que diz: “Sendo filho, aprendeu a obediência daquilo que sofreu”. O sacerdócio de Cristo envolve sofrimento. Jesus realmente sofreu, e assim o fez por nós. Ele era o Filho e não precisava aprender a obediência a Deus, mas nós precisamos: nós sempre precisamos e sempre precisaremos.
Por esta razão, o Filho assumiu nossa humanidade e Se permitiu ser “educado” na prova do sofrimento, permitiu-Se ser transformado por ele, como o grão trigo que, a fim de dar frutos, deve morrer no solo. Através deste processo, Jesus foi “feito perfeito”, em grego teleiotheis. Devemos nos deter sobre este termo porque ele é muito significante. Ele mostra a culminação de uma jornada, que é precisamente o caminho de educação e transformação do Filho de Deus mediante o sofrimento, mediante uma dolorosa paixão. É graças a esta transformação que Jesus Cristo tornou-Se “sumo sacerdote” e pôde salvar a todos que Nele confiarem. O termo teleiotheis, corretamente traduzido como “feito perfeito”, pertence a uma raiz verbal que, na versão grega do Pentateuco, i.e., os cinco primeiros livros da Bíblia, é sempre usada para indicar a consagração dos sacerdotes antigos. Esta descoberta é muito importante porque ela nos conta que a paixão foi para Jesus como que uma consagração sacerdotal. Ele não era um sacerdote segundo a Lei, mas tornou-Se um sacerdote existencialmente em Sua páscoa de paixão, morte e ressurreição: oferecendo-Se em expiação – e o Pai, exaltando-O sobre todas as criaturas, constituindo-O Mediador universal da salvação.
Retornamos agora, em nossa meditação, à Eucaristia, que logo estará no centro de nossa assembléia litúrgica e posterior procissão solene. Nela, Jesus antecipou seu sacrifício, não um sacrifício ritual, mas um sacrifício pessoal. Jesus, na Última Ceia, age movido por seu “espírito eterno” com o qual Ele depois oferecerá a Si mesmo na Cruz (cf. Heb. 9:14). Dando graças e louvando, Jesus transforma o pão e vinho. É o amor Divino que transforma: o amor com o qual Jesus aceita em antecipação o ato de dar-Se inteiramente a nós. Este amor não mais do que o Espírito Santo, que Espírito do Pai e do Filho, que consagra o pão e o vinho e muda sua substância no Corpo e Sangue do Senhor, tornando presente no Sacramento o mesmo sacrifício que ocorre cruelmente na Cruz.
Podemos, portanto, concluir que Cristo é o sacerdote verdadeiro e eficaz, porque é cheio da força do Espírito Santo, cheio da plenitude do amor de Deus, e isso, precisamente “na noite em que foi traído”, precisamente na “hora da escuridão” (cf. Lc 22:53). É esse poder divino, o mesmo poder que realizou a Encarnação do Verbo, que transforma a violência extrema e a injustiça extrema em um supremo ato de amor e justiça.
Este é o trabalho do sacerdócio de Cristo, que a Igreja herdou e carregou através da história, na forma dupla do sacerdócio comum dos batizados e aquele dos ministros ordenados, a fim de transformar o mundo com o amor de Deus. Todos, padres e igualmente leigos, são alimentados pela mesma Eucaristia, nós todos nos prostramos em adoração, pois na Eucaristia está presente nosso Mestre e Senhor, o verdadeiro Corpo de Cristo, Sacerdote e Vítima, a Salvação do mundo.
Vinde, exultemos com hinos de alegria! Vinde, adoremos a Ele! Amém.
Bento XVI
  fonte:fratres in unum