VI. NA SANTA MISSA, JESUS CRISTO RENOVA SUA
VIDA
Entre as coisas que encantam os sentidos, o teatro deve
ser colocado em primeiro lugar.
Os homens acham-lhe tal prazer que gastam, para assistir
às representações teatrais, muito tempo e muito
dinheiro.
Se quiséssemos considerar, atentamente, os grandes
mistérios da Missa e persuadir-nos que Jesus Cristo se aproxima do altar como
ornado de suas vestes de festa, para aí reproduzir, à nossa vista, as cenas de
sua vida maravilhosa, correríamos para a igreja ao primeiro toque do
sino.
Mas, oh! loucura do mundo, quantos preferem jogar os
bens aos comediantes a assistir à santa Missa, onde riquíssima recompensa é
concedida a todo e qualquer espectador piedoso!
Responder-me-ás, talvez, caro leitor: "Não é de admirar
que as pessoas frívolas prefiram assistir à comédia; querem distrair-se, e, na
santa Missa, nada lhes encanta os olhos e os ouvidos".
Oh triste cegueira! Se essas pessoas superficiais
tivessem os olhos da fé, gozariam da santa Missa profundamente, porque é o
resumo da vida do Salvador e a reprodução de todos os seus mistérios. Não é
somente uma representação poética de fatos passados, como seria um drama; é uma
repetição verídica do que Jesus Cristo fez e sofreu sobre a
terra.
Com efeito, na santa Missa, temos diante de nós o divino
Menino, envolto em panos, como o acharam os pastores, qual os Magos vieram
adorar, e qual Maria Santíssima colocou nos braços do velho Simeão. O mesmo
divino Infante repousa sobre o altar e espera nossas homenagens e nosso amor. Ao
Evangelho, esse mesmo Jesus repete-nos sua doutrina pela boca do sacerdote, com
o mesmo proveito para a alma crente, que se lhe viesse dos próprios
lábios.
Vemo-lo fazer um milagre maior que o de Caná, porque é
mais admirável mudar o vinho em sangue, do que a água em vinho. É a renovação da
última Ceia e de sua morte na Cruz. As mãos dos algozes não o atingem, porém as
do sacerdote oferecem-no, como vítima expiatória, ao eterno
Pai.
Aquele que sabe tirar proveito da santa Missa, pode
receber dela o perdão dos seus pecados e a abundância das graças
celestes.
"Toda a vida de Cristo, diz S. Dionísio, o Cartucho, não
foi mais do que uma Missa solene, em que foi Ele o templo, o altar, o sacerdote
e a vítima" (Vida sacerdotum, Antwerpiae, Vostermann,
1751).
Na verdade, Jesus Cristo revestiu-se das vestes
sacerdotais no santuário do seio materno, onde nos tomou a carne e com ela a
vestimenta da nossa mortalidade. Saiu desse santuário na noite sagrada do Natal
e começou o "Introito", entrando no mundo. Entoou o "Kyrie eleison", lançando os
primeiros vagidos no presépio; o "Glória in excelsis" foi entoado pelos Anjos,
quando apareceram aos pastores, e, convidando-os a misturar seus louvores com os
deles, conduziram-nos ao berço do recém-nascido.
Jesus disse a "Coleta" em suas vigílias noturnas, onde
implorava a misericórdia divina para nós. Leu a "Epístola", quando explicava
Moisés e os profetas, demonstrando que os tempos eram findos. Anunciou o
"Evangelho", quando percorria a Judéia a pregar a boa nova. Fez o "Ofertório",
quando, no mistério da apresentação, ofereceu-se a seu Pai pela salvação do
mundo. Cantou o "Prefácio", louvando, por nós, a Deus sem cessar e
agradecendo-lhe os benefícios.
O "Sanctus" foi entoado pelos hebreus, no dia de Ramos,
quando, na entrada de Jesus em Jerusalém, clamavam: "Bendito seja aquele que vem
em nome do Senhor! Hosana ao Filho de David!"
A "Consagração", o Salvador efetuou-a na última Ceia,
pela transformação do pão e do vinho em seu Corpo e em seu Sangue. A "Elevação"
realizou-se, quando foi pregado na Cruz, elevado nos ares e exposto em
espetáculo aos olhos do mundo. O "Pater Noster", Jesus o disse na Cruz,
pronunciando as sete palavras. A "fração da Hóstia" cumpriu-se, quando sua alma
santíssima separou-se de seu corpo adorável. O "Agnus Dei", o centurião o disse
no momento em que exclamou: "Verdadeiramente, este homem é o Filho de Deus!". A
santa "Comunhão" foi o embalsamamento e a sepultura. A "bênção" no fim, Jesus a
deu no monte das oliveiras, estendendo as mãos sobre os discípulos na ocasião da
ascensão.
Eis a Missa solene celebrada por Jesus Cristo sobre a
terra!
Ordenou que seus apóstolos e, depois deles, todos os
sacerdotes, dissessem esta Missa, cada dia, ainda que mais
resumida.
Somos, pois, tão favorecidos, e talvez mais do que os
que viveram no tempo de Jesus. Eles ouviram uma única Missa, cujas partes foram
celebradas em longos intervalos, enquanto nós podemos, cada dia, assistir a
muitas e recolher, em pouco tempo, os frutos de toda a vida do
Salvador.
Caro leitor, repassa, muitas vezes em teu espírito, a
utilidade do santo Sacrifício da Missa, onde Jesus Cristo te faz participar dos
méritos infinitos de sua santíssima vida e de sua paixão. Se fosse tão fácil
adquirir bens temporais, não perderíamos um instante e não pouparíamos trabalho.
Como, pois, somos tão pouco diligentes, quando se trata das riquezas eternas e
dos tesouros que nem a ferrugem nem os ladrões podem nos
arrebatar?
VII. NA SANTA MISSA, JESUS CRISTO RENOVA A SUA
ORAÇÃO
"Temos, por advogado, junto ao Pai, Jesus Cristo, que é
justo e santo; porque é a vítima de propalação por nossos pecados" (I Jo., 2,
1).
De certo é consoladora garantia de nossa Salvação,
termos por advogado o próprio Filho de Deus, o Juiz dos vivos e dos mortos! Mas
onde e quando Jesus Cristo desempenhou este ofício?ler...