Em artigo publicado em “O Legionário”, de 26-3-1933
A ignorância religiosa em que vivemos tem produzido, entre outros efeitos nocivos, o de desvirtuar inteiramente o significado real de algumas determinações da Igreja que, quando mal interpretadas, são inteiramente estéreis de frutos espirituais; e quando bem compreendidas, são férteis em graças e proveitos de toda ordem.
É o que se dá, por exemplo, em relação ao culto de São José que, proposto pela Igreja como modelo dos chefes de família e dos operários, é também, pelo imenso acervo de virtudes com que foi enriquecido pela graça, modelo ideal de todas as grandes virtudes católicas.
A maioria dos católicos, porém, não pensa seriamente em tomar São José como seu modelo. De um lado, a imensa santidade do pai jurídico de Jesus parece um ideal absolutamente inatingível. De outro lado, a fraqueza humana de que nos sentimos repletos, solicitada por toda sorte de inclinações, nos afasta por tal forma de qualquer ideal espiritual, que julgamos já ter feito muito quando nos libertamos do jugo do pecado mortal e venial, e vivemos uma vida espiritual estacionária, relativamente suave, pois que se limita à conservação do terreno conquistado, mas inteiramente estéril para a Igreja e para a maior glória de Deus.
A Igreja certamente não pretende que seus filhos igualem em glória e em virtude aquele que, depois de Maria Santíssima, foi o mais elevado expoente de virtudes da humanidade.
Por outro lado, porém, ela não quer de modo algum que limitemos nossos horizontes espirituais a uma vida piedosa banal, amesquinhada pela errônea ilusão de que seria falta de humildade aspirar à santidade que brilhou no gênio de São Tomás, na combatividade de Santo Inácio, no recolhimento de Santa Teresa e na caridade de São Francisco.
A Igreja desmascara esta falsa humildade, apontando nela um pretexto especioso da covardia espiritual ou uma concepção orgulhosa da virtude, considerada mais como fruto do esforço humano do que da misericórdia de Deus. Ao mesmo tempo, ela se serve do exemplo de seus grandes santos para “levantar ao alto” nossos corações, indicando-nos que a única preocupação real desta vida, o único problema verdadeiramente importante de nossa existência, é a aquisição daquela perfeição espiritual, único patrimônio que conservaremos –– a despeito das crises financeiras, das comoções sociais e da fragilidade das coisas humanas –– para finalmente transpormos com ele os próprios umbrais da eternidade.
Vida interior intensa, constante, ilimitadamente ambiciosa, no sentido espiritual da palavra, eis a grande lição que a festa de São José nos deixa. A grandeza da lição não deve desanimar a escassez de nossas forças, pois que devemos exclamar como encorajamento: Omnia possum in eo qui me confortat— “Tudo posso n´Aquele que me conforta” (Phil. 4, 13).