domingo, 12 de janeiro de 2014

Roberto de Mattei: Recorda-nos Pio XII: "Se Pedro tem as chaves do céu, Maria tem as chaves do coração de Deus"


Confiando 2014 a Maria, Rainha da História

(Roberto de Mattei) Quando amanheceu o dia 1º de janeiro de 1914, a Europa se encontrava imersa na opulência tranquila da Belle époque e ainda confiava no radiante progresso da humanidade. O século XX tinha se iniciado na presunção ingênua de que havia deixado definitivamente para trás os males e os erros que afligem os homens depois do pecado original. Quem poderia imaginar que o ano de 1914 iria inaugurar uma era de morte e destruição em escala global?
No entanto, após o assassinato do arquiduque Francisco Ferdinando da Áustria, no dia 28 de junho, menos de uma semana depois a Europa imergiu em uma terrível guerra. De 1914 a 1918, a melhor juventude europeia derramou seu sangue numa luta fratricida. Cerca de nove milhões de homens não responderam à chamada no final desta conflagração mundial. Nesse ínterim, da Rússia, o comunismo entrou na história e começou a espalhar os seus erros pelo mundo inteiro.
Aparecendo em Fátima no dia 13 de maio de 1917, mesmo ano da Revolução Soviética, Nossa Senhora deu a clave para entender o que acontecia e o que iria acontecer, um castigo para os pecados da humanidade. Sem conhecer as revelações feitas aos três pastorzinhos na Cova da Iria, o grande autor católico Mons. Henri Delassus consagrou, em 1919, um aprofundado estudo denominado “Les pourquoi de la guerre mondiale” (Os porquês da guerra mundial). Toda guerra – explicou ele – é castigo pelos pecados das nações. É um ato de justiça, mas também de suprema misericórdia, pois através do sofrimento abre os corações à verdade e ao bem dos quais se desviaram.
De 1914 aos dias atuais, uma espiral de desordem envolveu a humanidade. Quatro grandes impérios ruíram, o equilíbrio europeu foi desfeito e ao monstro do comunismo se alinhou o do nacional-socialismo. As democracias liberais revelaram sua hipocrisia e fragilidade, e sucedeu a segunda conflagração mundial, com um assustador balanço de 55 milhões de mortes, incluindo 45 milhões de europeus.
A essa guerra se seguiu – e ainda está em curso – uma revolução religiosa e cultural que abalou os alicerces da civilização ocidental e cristã. O imenso genocídio do aborto não passa da expressão física e cruenta de uma ampla e profunda aniquilação das almas e das nações na ordem espiritual e moral, antes mesmo que biológica.
Entre os poucos que previram a catástrofe de 1914 se encontrava São Pio X, Papa desde 1903. Seu programa de restaurar todas as coisas em Cristo indicou a única solução para os males do século. Não há paz possível para homens, famílias e a sociedade como um todo fora da paz fundada sobre o Reino de Cristo, verdadeiro Deus e verdadeiro homem, o único Salvador da humanidade. Pio X pressentiu o flagelo iminente, mas talvez nem ele mesmo pudesse imaginar que 1914 seria o ano da sua morte.
A situação do mundo é hoje muito mais dramática do que cem anos atrás. Quem ainda possui um resíduo de senso moral dá-se conta de que a fonte de desintegração moral e social é o distanciamento das nações da lei divina e natural. A apostasia dos povos europeus chega ao ponto de entrar nas leis e proclamar do alto das tribunas políticas e midiáticas o ódio à família natural composta por um homem e uma mulher. O caos grassa soberano e os olhos perdidos daqueles que conservam a fé estão se voltando para a Cátedra de Roma, mestra infalível da fé e da moral.
No trono de Pedro não se encontra hoje São Pio X, mas um Papa ao qual se atribui a intenção de executar o programa dos modernistas, fulminado em 1907 por São Pio X com a encíclica Pascendi.
Ademais, de fato, se não a agenda modernista, aquela que atribui ao Papa o seu companheiro jesuíta Georg Sporschill, autor da última entrevista com o cardeal Martini, quando no jornal Corriere della Sera de 31 de dezembro de 2013 escreveu que "tanto na análise da situação eclesiástica quanto nas respostas que dão, os dois jesuítas – Papa Francisco e o Cardeal Martini – são tão próximos como se estivessem se colocado de acordo”.
A estas palavras o padre Sporschill acrescenta uma mensagem ameaçadora: “A coragem com que o atual Papa abate algumas vacas sagradas leva alguns a temer por sua vida”. Deve-se perguntar: quem são as "vacas sagradas"? Quem são aqueles que temem pela vida do Papa, e por quais segundas intenções? Em 2013 assistimos à renúncia impressionante de um Papa ao pontificado, seguida de uma situação sem precedentes em que um "Papa emérito" é acompanhado, quase em contraluz, ao papa que governa a Igreja. Quais outros fatos chocantes deveremos assistir em 2014?
O certo é que a agenda do Cardeal Martini, que previu o fim do celibato eclesiástico, a abertura aos casais homossexuais e a transformação do papado em uma democracia colegial é um programa de molde modernista inconfundível. É possível que o papa Francisco realmente pretenda andar por este caminho?
O mundo está desorientado, mas, ao contrário de há cem anos, parece quase pressentir a iminência de uma catástrofe. A ilusão da irreversibilidade do progresso foi substituída pela crença na inviabilidade da decadência e do colapso. Hoje, a sociedade global é mais vulnerável do que em 1914 e poderia sofrer um colapso mais rápido e mais devastador do que há um século.
Há momentos em que o véu da história está prestes a se levantar. Mas hoje os homens perderam o senso do sobrenatural, que os torna capazes de ler a história do mundo à luz de Deus, como um dia será revelado no Juízo Final. Para entender o que está acontecendo, precisamos redescobrir os princípios sobre os quais repousa a sociedade humana e todo o universo.
Estes princípios têm em Deus a sua única fonte. Repeti-los incessantemente quando todos os negam – lembra Ernest Hello – equivale a revelá-los. Devemos ficar longe da algazarra do mundo para encontrar essas verdades da ordem natural e sobrenatural que a Tradição da Igreja nos transmite e que a Santíssima Virgem Maria, em primeiro lugar, recebeu e manteve em toda a sua integridade e pureza em seu Imaculado Coração.
Nos dias do nascimento do Salvador, a Virgem Maria refletia sobre os mistérios que pela graça divina Ela aprendia. Como o Evangelho nos diz, "Maria, porém, guardava todas essas coisas e sobre elas refletia em seu coração" (Lc 2, 19). Ela tinha o dom da ciência infusa e a isenção do pecado original dava uma extraordinária luminosidade e intuição à sua mente. Nela, nunca houve dúvida da fé, ignorância ou erro.
Nunca sua inteligência, sua vontade ou seus sentidos se rebelaram contra os desígnios divinos: sempre teve a posse de toda a ciência e de toda a vontade conveniente à sua sublime missão. Nos dias do nascimento do Redentor, o olhar de Maria abraçou os séculos, desde o tempo da Encarnação ao do Anticristo, e Ela conheceu todas as páginas de defecção e traição, de lealdade e de heroísmo que a história da Igreja conheceria.
Nossa Senhora, Rainha dos Profetas e da Rainha da História, ao longo dos séculos tem acompanhado e apoiado, passo a passo, todo filho que a Ela recorreu com confiança. Recorda-nos Pio XII: "Se Pedro tem as chaves do céu, Maria tem as chaves do coração de Deus" (Discurso Questa viva corona, de 21 de abril de 1940). Não há melhor presságio para 2014, independente das surpresas que este ano poderá nos trazer, do que de vivê-lo com Maria e em Maria, e, portanto, com a Igreja e para a Igreja. (Roberto de Mattei)