III
Qual deve ser a santidade do padre
como mediador entre Deus e os homens
De mais, deve o sacerdote ser santo na qualidade de dispensador dos
sacramentos: É necessário que não tenha mancha, como despenseiro de
Deus182. E deve ser como mediador entre Deus e os pecadores: O sacerdote,
diz um santo Padre, está colocado entre Deus e a natureza humana: traz-nos
os benefícios que vem do Céu, e leva para lá as nossas orações; aplaca a
cólera do Senhor e arranca-nos das suas mãos183.
É por ministério dos sacerdotes que Deus comunica a sua graça aos
fiéis nos sacramentos. — É mediante os sacerdotes que os recebe no número
dos seus filhos no Batismo, que é de necessidade para a salvação: Quem
não renascer, não pode entrar no reino de Deus184.
É por ministério deles que Deus cura os doentes e ressuscita os que
estão mortos para a graça, isto é, os pecadores, no sacramento da penitência.
É por eles que alimenta as almas e lhes conserva a vida da graça, no
sacramento da sagrada Eucaristia: Se não comerdes a carne do Filho do
homem, não tereis a vida em vós185.
É por eles que dá aos moribundos a força para vencerem as tentações
do inferno, mediante o sacramento da Unção dos Enfermos.
Numa palavra, diz S. Crisóstomo, sem os padres não nos podemos salvar186.
S. Próspero chama aos padres os intérpretes da vontade divina187. O
autor da Obra imperfeita apelida-os — os muros da Igreja188; Sto Ambrósio,
exército ou campo da santidade189; e S. Gregório de Nazianzo, os fundamentos
do mundo e as colunas da fé190. Daqui a palavra de Sto. Euquério: que os
padres devem, pelo vigor da sua santidade, transportar o fardo dos pecados
do mundo191. Ó, como esse fardo é terrível! Rogará por ele (pelo impudico) o
sacerdote e pelo seu pecado diante do Senhor, e o Senhor se lhe tornará
propício, e lhe perdoará o seu pecado192. É por isso que a santa Igreja obriga
os sacerdotes à recitação diária do Ofício divino, e à celebração da missa, ao
menos algumas vezes no ano. Santo Ambrósio até diz que os padres nunca
devem cessar, nem de dia nem de noite, de orar pelo povo193.
Mas para obter graças para os outros, é necessário que o sacerdote
seja santo. Colocados entre Deus e o povo, diz o Doutor angélico, devem
brilhar aos olhos de Deus por uma boa consciência, e aos olhos dos homens
por um bom renome194. Porque, segundo a reflexão de S. Gregório, seria
grande temeridade apresentar-se alguém diante dum príncipe, para obter o
perdão para os seus súditos rebeldes, estando ele culpado do mesmo crime195.
Quem quer interceder pelos outros, deve ser bem-visto do príncipe; se
lhe for odioso, ajunta o mesmo santo, mais fará indignar o seu juiz196. Por esta
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razão, escreve Sto. Agostinho, o padre, orando pelos outros, deve ter junto de
Deus um tal mérito, que possa obter dele o que os outros em razão dos seus
deméritos não ousariam esperar197. Foi o que declarou o papa Hormisdas:
Convém que o sacerdote seja mais puro que o povo para orar pelo povo198.
Mas S. Bernardo lamenta, que haja poucos padres bastantes santos para
serem mediadores dignos199. E Sto. Agostinho, falando dos maus eclesiásticos,
diz: É mais agradável a Deus o ladrar dos cães que a oração de tais
clérigos200.
Refere o Pe. Marchese, no seu “Jornal dos Dominicanos”, que uma serva
de Deus, religiosa da sua Ordem, pedia um dia ao Senhor que perdoasse
ao povo em atenção aos merecimentos dos padres; ele respondeu-lhe que
os padres, pelos seus pecados, mais o irritavam do que aplacavam.
IV
Santidade que deve ter o padre como modelo do povo
Devem também os padres ser santos, porque Deus os colocou na terra
para serem modelos de virtude.
O autor da Obra imperfeita chama-lhes os doutores da piedade201; S.
Jerônimo os salvadores do mundo202; S. Próspero, as portas da cidade eterna203;
e S. Pedro Crisólogo, os modelos das virtudes204. Dali esta reflexão de
Sto. Isodoro: Quem foi colocado à frente dos povos para os instruir e formas
na virtude, deve ser santo em tudo, inteiramente irrepreensível205. O papa
Hormisdas diz igualmente: Os que têm a seu cargo repreender os outros,
devem estar a coberto de toda a censura206.
S. Dionísio proferiu esta célebre sentença: “Ninguém deve ter a audácia
de se constituir guia dos outros, a não ser que na prática das virtudes se
tenha tornado semelhante a Deus”207. S. Gregório assegura que os sermões
dos padres, cuja vida é pouco edificante, produzem antes desprezo do que
fruto208. Ao que Santo Tomás ajunta: Pela mesma razão (se volvem desprezíveis)
todas as de mais funções que exerçam209.
Eis como S. Gregório de Nazianzo fala do padre a este respeito: “É preciso
que ele primeiro se purifique a si próprio, depois que purifique os outros;
que se aproxime de Deus, depois lhe reconduza os outros; se santifique a si,
depois trabalhe na santificação dos outros; e antes; e antes de alumiar é
necessário que seja alumiado”210.
É preciso, diz S. Gregório, que a mão que empreende lavar as manchas
dos outros, seja isenta delas211. E noutro lugar acrescenta que a luz apagada
não pode alumiar os outros212. Sobre o mesmo assunto, diz S. Bernardo, que
a linguagem do amor, na boca de quem não ama, é uma linguagem bárbara
e estranha213.
Estão os sacerdotes colocados na terra como outros tantos espelhos,
em que se deve rever a gente do mundo: Somos dados em espetáculo ao
mundo, aos anjos e aos homens214. Por isso o Concílio de Trento quer que os
eclesiásticos sejam como espelhos para os quais todos os leigos não tenham
mais que levantar os olhos, afim de aprenderem a regular os seus
constumes215. E segundo o abade Filipe de Boa-Esperança, os sacerdotes
são escolhidos por Deus para defesa dos povos, mas por isso mesmo lhes
não basta a dignidade sem a santidade da vida216.