quinta-feira, 3 de junho de 2010

A festa do Corpo de Deus (São Pedro Julião Eymard)



"Haec est dies quam fecit Dominus."
"Eis o dia que fez o Senhor" (Sl 117,24)

Todos os dias provêm de Deus e devem à Sua Bondade sucederem-se com tão admirável regularidade. Todavia, se, entre sete, Deus dá seis aos homens, para seus trabalhos e suas necessidades, reserva-se um para Si. O domingo é, portanto, de modo especial, o Dia do Senhor. Mas, entre todos, há um que é sobremodo o dia de Deus, - chamado - Corpus Christi, dia em que na verdade, o Senhor reservou para Si, para Sua glória e para manifestar Seu Amor. E quão belo é o nome! Dia festivo para Deus e também para nós. Vejamos agora por quê.

I - A festa de Corpus Christi, designada pela Igreja festa do Corpo Sagrado de Jesus Cristo, Festum sacratissimi Corporis Christi, é o único dia que é consagrado a honrar tão-somente Sua adorável Pessoa, Sua Presença viva por entre nós. As outras festas, belas e fecundas em graças, honrando a Deus, celebram algum Mistério de Sua vida passada.

São no entanto, mera lembrança, o aniversário de um passado remoto que só revive na nossa piedade. O Salvador não se encontra mais nesses Mistérios. Seu dia veio, mas passou e hoje só Sua graça neles permanece. Aqui, trata-se de um Mistério atual. A festa dirigi-se à Pessoa de Nosso Senhor, vivo e presente entre nós, e por isso celebra-se de modo particular.

Não se expõem nesse dia relíquias, ou emblemas do tempos idos, mas o próprio objeto da festa, que é um objeto vivo. Vede como o povo, nos países onde Deus goza de liberdade, proclama Sua Presença e prostra-se à Sua passagem, enquanto os mesmos ímpios, tementes, inclinam-se. Deus aí está! Quão gloriosa é para a presença de Nosso Senhor esta festa em que todos O reconhecem e adoram!

II - É também a mais deliciosa das festas. Não nos foi dado assistir aos Mistérios da Vida e da Morte do Salvador que celebramos no correr do ano, embora nos alegremos pelas muitas graças que recebemos. Mas aqui participamos do Mistério - Mistério todo nosso - que se realiza sob nossos olhos. Existe entre Jesus vivendo no Sacramento e nós no mundo, uma relação de Vida, uma relação de Corpo a corpo. É porque esta festa não se chama simplesmente a festa de Nosso Senhor, mas a Festa do Corpo de Nosso Senhor. Por esse Corpo, n'Ele tocamos. Por esse Corpo tornou-se nosso alimento, nosso irmão, nosso hóspede.

Festa do Corpo de Jesus Cristo! Quanto amor envolve tal nome, por ser humilde e proporcionado à nossa miséria. Nosso Senhor desejou essa festa para Se aproximar cada vez mais de nós. Não deseja o pai ver o filho celebrar-lhe o aniversário, por lhe dar ocasião de provar com maior vivacidade seu amor paternal e lhe poder conceder algum favor particular?

Seja esta festa toda de alegria e ser-nos-ão concedidos insignes favores. Os hinos e cânticos desta solenidade exprimem a idéia de que Nosso Senhor se mostrará neste dia mais favorável que noutro qualquer.

Por que não celebra a Igreja a Festa do Corpo de Deus na Quinta-feira Maior, dia da Instituição da Eucaristia? Porque nesse dia, todo de luto, em que se inicia Sua Paixão, não teria podido celebrar Sua alegria de modo condizente. Impossível lhe é regozijar-se ao meditar na Morte, pensamento que domina os magnos dias da Semana Santa.

A Festa do Corpo de Deus foi igualmente adiada para depois da Ascenção pelas tristes despedidas que restavam ainda fazer, pela dolorosa separação a consumar, e para depois do Pentecostes, para que, cheios das graças e do júbilo do Espírito Santo, possamos celebrar, com toda a pompa, a festa do Esposo divino que habita por entre nós.

III - A Festa do Corpo de Deus é a maior festa da Igreja, esposa de Nosso Senhor glorioso e ressuscitado, e não de Jesus Cristo nascendo ou morrendo. Ao se realizarem esses Mistérios, ela não existia ainda. É natural que deseje seguir ao divino Esposo no Presépio e nos sofrimentos porém desses Mistérios guarda apenas a lembrança e as graças.

Mas Jesus Cristo, vivendo no Santíssimo Sacramento, permanece com Sua Igreja. Julga-a viúva quem nunca penetrou em sua morada considerando-a como um cadáver, a seus templos como um local onde só se cogita de morte e sofrimento. Ora, eis que hoje, mesmo quem não assiste às suas solenidades, a verá rica e bela, de uma beleza natural, realçada pela Presença de Deus, seu Esposo. Quão rico é o cortejo que desfila ante os fiéis prostrados, enquanto a Igreja mostra a todos seu Esposo no Ostensório resplandecente!

Ah! quem a chamará de viúva nesse dia? Ao adorarem, seus amigos, tremem seus inimigos! Jesus patenteia-se a todos, abençoa os bons, fita com olhar compassivo os pecadores, chama-os e atrai-os a si. O Concílio de Trento, referindo-se a esta festa di-la o triunfo da Fé. Ah! na verdade assim é. Mas é também o triunfo da Igreja, por Seu divino Esposo.

IV - Esta festa, finalmente, pertence-nos a nós, adoradores que somos do Augusto Sacramento. A Sociedade do Santíssimo Sacramento, em seus diversos ramos, só existe para celebrar continuamente, em louvor a Jesus Cristo, a Festa do Corpo de Deus. Prolongá-la por todo o ano, eis a lei da nossa vida, da nossa felicidade. Deixaremos aos demais filhos da Igreja administrar os Sacramentos, cuidar dos pobres, sarar as chagas físicas e morais da miséria humana. A nós cabe perpetuar a Festa do Corpo de Deus.

É portanto, para nós seus religioso, a nossa festa. É também, meus irmãos, vossa festa, pois não vos dedicastes inteiramente ao serviço do Santíssimo Sacramento? À noite, assim o querem as conveniência, vós vos retirais, deixando-Vos, depositais o coração aos pés do divino Rei, o que nos permite dizer que toda vossa vida se passa aqui. E não celebrais na verdade, ao comungardes, em vosso coração a Festa do Corpo de Deus?

Ah! conheceis a alegria, a felicidade que traz consigo Jesus. Ousarei dizer, que, para as almas que sabem comungar, existe apenas uma festa: a Comunhão, onde encontram o autor e o objeto de todos os Mistérios, Aquele em cuja honra são celebrados. Aos outros, isto é, a maior parte dos cristãos, só lhes é dada uma vaga lembrança.

Digo mais: se Nosso Senhor não vivesse no Seu Sacramento, todas as festas cristãs seriam funerais renovados. Mas a Eucaristia, o sol das festas da Igreja, iluminado-os, vivifica e alegra-os.

A alma que sabe comungar, e o faz com freqüência, é mui justamente apelidada juge convivium, festim perpétuo. Quem vive com Jesus em si, de Jesus e por Jesus, é um tabernáculo, um precioso cibório. Ah! quão grande será a alegria dessas almas, alegria toda pura e inalterável!

Coragem! Sabei distinguir tais dias de outro qualquer. Nosso Senhor instituiu dias de realeza e hoje celebramos um deles. Ao rei compete distribuir suas riquezas. Tributai-Lhe vossas homenagens e em troca Ele tudo vos dará. Dar-se-á a Si mesmo com maior efusão de graças.

Sabendo fazer distinções entre amigos, sabe quem há de conceder maiores favores. O que desejo e ambiciono para vós neste belo dia, não é tornar-vos santos, carregados de virtudes magníficas e extraordinárias - e tal jamais conseguireis? - , mas sim de gozar de grande felicidade no serviço de Deus, e que Nosso Senhor Se comunique a vós de modo mais terno e afetuoso. Sentindo-vos mais amados, dar-vos-eis mais inteiramente.

Desses dois amores resultará a união perfeita, em que consiste toda a santidade e perfeição. Pedi com confiança, certos de alcançá-la. Dai integralmente vosso coração. Jesus é um terno pai: sede vós filhos dedicados. É um amigo fiel: provai quão suave é Seu Amor.

Ah! tremo pela salvação de quem nunca gozou da Bondade de Deus. Penetrai nessa imensa Bondade: "Sentite de Domine in bonitate!"

(A Divina Eucaristia - Volume I - São Pedro Julião Eymard)
fonte:a grande guerra