sexta-feira, 7 de agosto de 2009

Mentiras históricas: Lutero reformador?

Reler o pensamento de Lutero e entender porque o teólogo alemão não foi um verdadeiro reformador.

Quais foram as consequências da atividade de Lutero? A guerra dos camponeses, as loucuras anabatistas, a divisão da Europa, o individualismo religioso, a fragmentação da única fé em milhares de seitas, a guerra dos Trinta Anos, a aliança dos protestantes com o islã, a secularização... Lutero foi um rastilho de uma revolta que já estava no ar. Não tinha nem o fascínio nem a grandeza para ser um fundador: dele não nascerá um movimento unitário e duradouro, mas milhares de seitas. E não foi nem mesmo um reformador.

A corrupção dos costumes eclesiásticos, naqueles anos, alcançava o ápice, sobretudo na Alemanha. Muitos representantes, sobretudo do alto clero, eram concubinários, ignorantes em matéria de religião, dados à caça e ao divertimento; muitos deles eram nobres que haviam obtido altos ofícios eclesiásticos por imposição das autoridades leigas. Lutero tomou este aspecto e se serviu dele. Mas a sua finalidade não foi a de reformar, de restaurar bons costumes, de limitar as ingerências políticas no campo religioso, de restaurar o celibato eclesiástico, de pôr fim às corrupções, mas sim de servir-se delas instrumentalmente para separar-se de Roma e criar uma doutrina nova. Também a luta contra as indulgências não é aquilo que frequentemente se quer fazer crer: Lutero não quer, antes de tudo, combater a corrupção ligada ao tráfico de indulgências. Foi este que prejudicou o povo e que a propaganda luterana quis ressaltar. Na verdade as indulgências eram para ele inaceitáveis enquanto eram obras boas, realizadas com o escopo de abreviar a permanência no Purgatório. Lutero não aceitava nem as obras boas nem o Purgatório, convencido que estava de que toda alma é como um cavalo, predestinado a ser montado por Deus ou pelo diabo. A sua luta não foi pela reforma dos costumes, também porque aquele que não acreditava na santidade e nas obras boas, não podia lutar por elas, e sequer vivê-las. Foram as circunstâncias do tempo a determinar a sua sorte, junto com outros dois motivos.

O primeiro: a sua capacidade de angariar o favor dos poderosos. Lutero buscou o apoio dos príncipes com a sua “Carta à nobreza cristã da nação alemã”, propondo-lhes submeter as questões religiosas “à espada temporal”, e estes lho deram com prazer, porque viram no protesto religioso a ocasião para separar-se da Igreja (para depois sequestra-lhe os bens), e do Imperador Carlos V (contra o qual não hesitaram em aliar-se até mesmo com os muçulmanos). Lutero agradeceu, impondo o princípio da submissão das igrejas territoriais à autoridade política, e desse modo dando vida àquela aberração que foram as igrejas não mais universais, católicas, mas nacionais e regionais, submetidas ao poder político. Aquilo que acontecerá na Inglaterra, um rei que se põe como chefe de uma igreja somente para poder desfazer o próprio matrimônio e depois apropriar-se dos bens da Igreja Católica, acontece quase contemporaneamente também nos países escandinavos, por exemplo na Dinamarca com Cristiano III que proclama o luteranismo única religião do Estado esse declara seu Summus Episcopus. “Por meio da coerção violenta a fé luterana é imposta também na Noruega e na Islândia, ambas sujeitas ao reino da Dinamarca, não obstante a persistente resistência católica que, no final, foi sufocada pela intolerância e pela opressão político-religiosa dos dominadores” (A. Terranova, “La Riforma come origine della modernità”, Itaca). Os príncipes protestantes, chamados a ser ao mesmo tempo soberanos temporais e religiosos, frequentemente comportaram-se como Henrique VIII: “O rei recolhia os dízimos anuais, designava os candidatos para as eleições episcopais, dispunha do direito de visitação, da jurisdição eclesiástica até sobre os hereges... Quem se opunha era considerado réu de alta traição e sofria em geral a pena capital na forma bárbara que na Inglaterra se punia este crime: primeiro era enforcado, depois era cortado em pedaços ainda vivo, arrancavam-lhe as vísceras, era decapitado e esquartejado; os pedaços eram publicamente expostos em cima de lanças...” (op. cit.).

O segundo motivo que permitiu que a ação de Lutero tivesse sucesso foi que o protestantismo conduziu à vitória, por uma série de circunstâncias políticas, sociais, religiosas, o grande objetivo de todas as heresias da história, o livre exame. Balmes escreveu que não foi o protestantismo que o gerou, mas sim o “princípio do livre exame que gerou o protestantismo; de fato este princípio já se encontrava em todas as seitas e é reconhecido como origem de todos os erros”. Era o protesto, mais que a afirmação de uma verdade, a resistência à autoridade, a uma autoridade superior ao homem, transcendente, a encontrar acolhida naquele que desejava erguer-se como único juiz de tudo: para quem o protestantismo, com o único princípio que é comum às suas múltiplas e discordantes filiações – isto é, o livre exame – respondia a esta tentação eterna do homem de ser ele próprio, somente ele, o melhor guia e melhor mestre de si mesmo.

Francesco Agnoli

Fonte: Il Foglio, via Papa Ratzinger Blog

Tradução:OBLATVS